Políticas de saúde e eleições em debate no Icict

por
Cristiane d'Avila
,
26/08/2014

“Política e políticas de saúde no Brasil hoje” foi o tema da palestra de abertura da disciplina “Política e políticas de saúde”, do pesquisador do Icict e professor do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict) José Carvalho de Noronha. Participaram da palestra Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes) e Lucia Souto, médica e ex-deputada estadual do Rio de Janeiro.

Coordenador executivo da iniciativa Brasil Saúde Amanhã – um desdobramento do projeto “A Saúde no Brasil em 2030” – José Noronha integra o grupo de pesquisadores que construiu três cenários para prospectar o futuro da saúde pública brasileira nos próximos 20 anos e lançou, em maio último, o portal Saúde Amanhã. Na disciplina “Política e políticas de saúde”, Noronha oferece uma visão panorâmica da ciência política contemporânea, examinando o papel dos poderes da República e os papéis dos partidos políticos, movimentos sociais e mecanismos formais de participação, e dos meios de comunicação, na elaboração da agenda e na formulação das políticas de saúde.

Noronha abriu a palestra convidando as palestrantes a avaliarem a atual conjuntura da saúde no país em cenário acirrado pela proximidade das eleições para presidente da República, senadores, governadores e deputados federais e estaduais. Primeira palestrante, Ana Maria Costa instigou os alunos a conhecerem melhor o Cebes através do site (www.cebes.org.br), e ressaltou a missão do centro e de seus 20 escritórios Brasil afora, que ao longo dos anos mantêm o ativismo político e o pensamento crítico como linhas de atuação.

“Hoje temos que trabalhar na desconstrução de uma hegemonia que vem se sobrepondo ao direito à saúde e à construção do SUS. Sempre tivemos na comunicação uma grande inimiga, pois a mídia nacional sempre se colocou no campo de tensionamento hegemônico e não permitiu uma valoração da população no sentido do direito à saúde”, aponta Costa.

Na opinão da presidente do Cebes, vemos hoje uma sequência de políticas de opinião que colocam uma grande lacuna nas aspirações populares em relação à saúde, o que em geral se relaciona ao acesso à saúde. De fato, afirma Costa, o sistema apresenta escassez de recursos humanos e falhas na formação dos profissionais de saúde. Desde o seu início, o SUS enfrenta dificuldade de financiamento, problema que se acentua a partir dos anos 90, apesar de iniciativas como o movimento Saúde + 10, que levantou mais de dois milhões de assinaturas em favor da destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para a saúde, mas não sensibilizou o Congresso Nacional.

“No cenário político e econômico, a saúde é vista como um gasto alto, mas o SUS, para ser universal, não pode ser barato. É preciso uma ação da sociedade e dos que fazem política em prol dos interesses coletivos. Hoje temos 50 milhões de pessoas que recorrem a planos privados. Houve de fato uma mobilidade social e a ascensão de uma população que tem baixa consciência de seus direitos e que busca a satisfação pelo consumo, inclusive da saúde, e não pela cidadania. É preciso que esse debate se faça no cenário eleitoral, pois a saúde não tem recebido a atenção que outras políticas sociais recebem”.

Lucia Souto complementou a fala de Ana Maria Costa, fazendo antes um apanhado de sua trajetória como médica sanitarista e parlamentar, do início da carreira até a organização da 8ª Conferência Nacional de Saúde e a promulgação da Constituição de 1988, onde, segundo ela, foram forjados o SUS e a reforma sanitária. Segundo Ana Souto, hoje é preciso atuar em duas frentes de combate.

“Precisamos combater a colonização da saúde pelo mercado, que tem bancadas no Congresso Nacional financiadas pelos planos de saúde, e derrubar a hegemonia do modelo biomédico atual, no qual as mulheres são reféns de partos industrializados, das cesarianas. Se é verdade que 25% por cento dos brasileiros têm plano de saúde, significa que 75% não têm. Precisamos construir o direito à saúde a partir de uma agenda clara”, afirmou.

Para Lúcia Souto, uma das estratégias seria criar carreiras públicas de estado para a saúde. “Precisamos fazer da 15ª Conferência Nacional de Saúde um marco da consolidação do SUS. Com ampla participação democrática, com construções para criar uma agenda prioritária, que definam prioridades sincronizadas. O congresso está cheio de projetos em disputa, temos que nos organizar para construir uma política pública da saúde como direito”.

Em seguida, José Noronha provocou as palestrantes com uma última questão: “um estudo recente de Ligia Bahia e Mario Scheffer aponta que não faz diferença ter ou não eleições, pois os partidos apresentam projetos semelhantes e nenhum traz uma agenda favorável à saúde. O que vocês podem dizer sobre isso”?

Para Ana Maria Costa, as eleições são importantes, pois o fenômeno das eleições expõe os interesses do capital. "Apesar de os programas eleitorais serem burocráticos, as políticas se colocam na disputa eleitoral com a ampliação do acesso a bens, à infraestrutura, a salários. Nesse sentido são importantes, pois impactam a saúde”. 

Na opinião de Lucia Souto, o maior partido de oposição hoje é a mídia brasileira, que se opõe ao salário mínimo, não mostra o cenário de pleno emprego, de pessoas saindo da pobreza extrema. “Hoje estamos vivendo uma mudança de época, mas há muitas armadilhas. A democracia e a única forma de renovarmos o cenário”, reforça. 

Galeria de fotos

Ana Maria Costa, presidente do Cebes, abre disciplina "Política e políticas de saúde", de José Noronha
Lúcia Souto abre disciplina "Política e políticas de saúde", de José Noronha
José Carvalho de Noronha abre sua disciplina de 2014.2 do PPGICS no auditório do Icict
Aula de abertura da disciplina "Política e políticas de saúde", no auditório do Icict em 26/8/2014

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