Seminário na Fiocruz discute a mídia em tempos de crise política

por
André Bezerra
,
21/06/2016

O Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos recebeu na última sexta-feira, 17 de junho, um amplo debate em torno de temas relacionados à comunicação, diante da conjuntura política atual do país. Assuntos como história e rumos da comunicação pública, além de limites e excessos de veículos de imprensa, e o olhar internacional sobre os recentes eventos políticos no Brasil foram abordados por profissionais experientes no campo da comunicação social, a convite do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). Durante a ocasião, também foi lançada a revista institucional Inova Icict, em edição comemorativa pelos 30 anos do instituto.

Com o tema “Mídia e Crise Brasileira”, o seminário recebeu os jornalistas Franklin Martins, profissional de longa trajetória em veículos de imprensa como Jornal do Brasil,O Estado de São Paulo, Revista Época e TV Globo, entre outros, além de ex-ministro da Secretaria de Comunicação Social do governo Lula; e, Jens Glüsing, jornalista alemão que atua há mais de duas décadas como correspondente internacional para o semanário Der Spiegel, cobrindo toda a América Latina e Brasil.

A partir de questões apresentadas pelo diretor do Instituto, Umberto Trigueiros, e o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz, Valcler Rangel, Franklin Martins iniciou sua fala abordando questões sobre a comunicação pública no Brasil, inclusive a criação da TV Brasil, processo em que participou diretamente, como membro do governo, entre 2007 a 2011. “A idéia da EBC é apenas uma tentativa de se cumprir a constituição federal”, afirmou.

Após apontar diferenças sobre o processo de construção da radiodifusão nos moldes americano e europeu, Martins explicou que, pela constituição, o espectro eletromagnético deve conter uma complementaridade entre televisão estatal, pública e comercial, “mas, no entanto, há uma grande concentração desse espectro”, complementou. Para ele, apesar da resistência inicial de setores da sociedade em relação à criação da EBC, esta se consolidou por meio da participação social, do conselho curador, pela gestão por mandatos definidos e mecanismos de financiamento.

Contudo, ainda precisa superar problemas como fragmentação regional, infra-estrutura de transmissão, falta de recursos e um modelo jurídico burocratizado. “Mas há ainda um outro problema, que é a dificuldade do campo político progressista de realizar uma disputa política na área da comunicação”, apontou Martins. Para ele, é um problema da sociedade como um todo, “que não reconhece que existe um oligopólio no campo da comunicação”, complementou.

Após comparar novamente modelos regulatórios como os dos Estados Unidos e de outros países na Europa, defendeu a importância de instrumentos de regulação do espectro eletromagnético, de modo a evitar a concentração na transmissão comercial. “Precisamos ter mais vozes, mais pluralidade na comunicação”, defendeu.

Sobre a prática jornalística, Franklin Martins defendeu a importância de se buscar uma cobertura mais isenta: “A maior lealdade de um jornalista é para com a sociedade. Para isso, o jornalismo precisa ser independente”, afirmou. “Se não buscar ser isento, o jornalista torna-se faccioso. E, no fim, a imprensa fica com a credibilidade lá embaixo”, completou. Por fim, defendeu a importância das conquistas democráticas advindas da Constituição Federal, em especial, o voto, e um modelo de equidade e a justiça social para o desenvolvimento do país.

O olhar da imprensa estrangeira

O segundo convidado do seminário foi o correspondente da imprensa alemã Jens Glüsing, da revista Der Spiegel. Com formação acadêmica em Ciência Política, é autor de dois livros sobre o Brasil e cobre o país há mais de duas décadas. “Já é o segundo processo de impeachment que venho a cobrir. Mas dessa vez, foi um processo muito diferente”, relatou ao início de sua apresentação. Antes de comentar a cobertura estrangeira sobre a política brasileira, comentou aspectos sobre comunicação pública em seu país.

Em breve relato histórico, Jens contou que o processo de formação da radiodifusão, no pós-guerra, foi implementado em redes e concessões regionais, que não há uma rede nacional, senão uma associação de redes das sub-regiões da Alemanha. A gestão é submetida a conselhos regionais que englobam diversos agentes políticos, como associações, sindicatos, igrejas, empregadores, e até mesmo partidos políticos. “A discussão, muitas vezes, é como promover a participação de empresas privadas e como fiscalizá-las”, apontou.

No caso da imprensa, informou que existe em seu país um conselho nacional de imprensa, que funciona como autorregulador para questões de ética profissional, mas casos que envolvem ofensas ou difamações são julgados diretamente pela justiça. “Na Alemanha, não há muitos jornalistas formados na área. Os profissionais aprendem nas redações”, descreveu.

Para Jens Glüsing, o momento atual é interessante pois mostrou a atuação da imprensa internacional, muitas vezes, como contraponto às principais coberturas nacionais nas editorias políticas. Por sua cobertura, chegou a receber ofensas em comentários e redes sociais. “Houve uma avalanche de ódio. Fiquei chocado. Se as pessoas agem dessa forma, é porque há algo errado”, reflete.

Por outro lado, Jens vê nas redes sociais um meio para circulação de mensagens e visões que não tinham outros meios de se propagar tão rapidamente, tanto positiva quanto negativamente. “Há uma circulação grande de mensagens mentirosas ou difamatórias nas redes sociais, e isso é um fenômeno que acontece no mundo todo. É importante pensar em uma forma de comunicação ética e, se necessário, mecanismos de regulação”, defendeu.

Estiveram presentes no debate estudantes do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict/Fiocruz (PPGICS), bem como a servidores de diversas unidades da Fundação, como Centro de Estudos Estratégicos, Canal Saúde, Coordenação de Comunicação Social, Asfoc, presidência, Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp) e Escola Politécnica em Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV). Também participaram do debate profissionais da EBC e da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e cerca de 60 participantes de outras localidades, via internet.

Trechos das apresentações dos convidados:

Franklin Martins

"A comunicação é algo tão crucial em uma sociedade que ela não pode estar nas mãos de grupos, de agentes, que, sejam do estado ou sejam privados, tenham um monopólio ou um oligopólio que imponha uma única posição. É necessário termos pluralidade. É importante termos mais vozes, e garantir esses espaços no espectro eletromagnético."

"Uma questão básica do jornalismo, do ponto de vista ético, foi quebrada. Qual é a principal, a primeira e a maior lealdade de um jornalista? É com seu emprego? Não. É com seu colega? Não. É com a fonte? Não. É com seu sindicato? Não. É com seu chefe? Não. É com quem? É com a sociedade. Isso significa que ele precisa ter uma relação respeitosa com a sociedade e entender que, ainda que muita gente ache que isso é impossível, é essencial buscar a isenção. O jornalista que não busca a isenção já tem um viés determinado que faz com que ele trombe com os fatos quando eles não agradam a orientação deles"
 

Jens Glüsing

"Eu não sei qual pode ser a saída para uma regulação de mídia mais democrática e equilibrada para esse país. É um assunto que os brasileiros devem discutir e procurar um caminho. Mas, é realmente necessário se pensar sobre isso"

"A democratização da imprensa, ao meu ver, significa que a imprensa deve ter um papel de fiscalizar o poder, de fiscalizar os governos e as sociedades." 

Fotos: Raquel Portugal - Multimeios/Fiocruz

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Seminário Mídia e Crise Brasileira, no Icict/Fiocruz
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