Artigo analisa a proteção social à pessoa com deficiência no Brasil

por
Informe ENSP
,
23/11/2016

O artigo Proteção social e pessoa com deficiência no Brasil, de autoria dos pesquisadores Nilson do Rosário Costa, da ENSP, Miguel Abud Marcelino, do Núcleo de Informação, Políticas Públicas e Inclusão Social/Fiocruz, Cristina Maria Rabelais Duarte, do Laboratório de Informação em Saúde (LIS)/Icict e da Faculdade de Medicina de Petrópolis (FMP-Fase), e Deborah Uhr, do  Departamento de Psicologia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) e da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, analisa a proteção social à pessoa com deficiência no Brasil e descreve o padrão de demanda e elegibilidade do Benefício de Prestação Continuada (BPC) no período 1996-2014. O artigo defende que o BPC, benefício da Assistência Social em forma de transferência monetária no valor de um salário-mínimo para pessoas com deficiência e idosos com mais de 65 anos, é consequência direta do pacto social produzido pela Constituição Federal de 1988. O texto contesta a perspectiva teórica estrutural-funcional para a qual o desenvolvimento da assistência social no Brasil tem respondido à lógica da acumulação e à necessidade de reprodução da força de trabalho, por não reconhecer o papel da redemocratização, que colocou a proteção social no centro da agenda pública, como observado em outros contextos, dissociando-a das exigências estritas da acumulação ou gestão da força de trabalho. Desde então, segundo os autores, o sistema de proteção social brasileiro tem contemplado um conjunto de iniciativas governamentais que objetivam realizar, fora da esfera do mercado de trabalho, o acesso a bens, serviços e renda. 

Os pesquisadores assinalam que o Brasil instituiu, ainda na década de 1970, uma política de transferência de renda para a pessoa com deficiência, designada Renda Mensal Vitalícia (RMV), agregando funções de assistência social à Previdência Social brasileira. Esse escopo ampliado da Previdência Social, explicam eles, inaugurado pelo regime autoritário, foi substancialmente fortalecido ao longo da redemocratização; o gasto público previdenciário foi expandido ao serem acolhidos os critérios universalistas que definiram os novos direitos sociais; e os efeitos da agenda do ajuste macroeconômico, dominante naquela década, foram atenuados pela falta de unidade política das elites democratizantes nacionais sobre o alcance da austeridade fiscal. 

O texto lembra que, por meio da ampliação da previdência pública, a democracia brasileira foi bem-sucedida ao preservar os arranjos de proteção à velhice e ao mundo do trabalho, como também ao constitucionalizar os direitos sociais de grupos extremamente vulneráveis, com baixa funcionalidade para as exigências formais de empregabilidade. “A constitucionalização inseriu o direito de cidadania na Previdência Social, formalizando a proteção governamental à pessoa com deficiência e ao idoso que não contribuiu para a Previdência pública durante a vida ativa.“ 

De acordo com o artigo, por força da inserção inicial na estrutura da Previdência Social, o BPC manteve a vinculação operacional centralizada no executivo federal, por isso não se enquadra no modelo de implantação das políticas sociais na década de 1990, que, em razão do pacto federativo, foi caracterizada pela descentralização aos estados e municípios. “De fato, o BPC inaugurou a política pública de transferência de renda em alta escala a grupos sociais vulneráveis, executada pelo governo central, oito anos antes da formação do Programa Bolsa Família (em 2004).”

Apesar desses avanços, destaca o artigo, os critérios para concessão do BPC permaneceram, no Brasil, subordinados à orientação biomédica até o fim da década de 2000. Os pesquisadores assinalam que, desde 1997, quando a avaliação da deficiência passou a ser responsabilidade exclusiva da Perícia Médica do INSS, o acesso de pessoas com deficiência ao BPC exigia, essencialmente, o atendimento aos critérios de renda per capita familiar, com registro realizado por técnicos ou analistas de seguro social e a caracterização da deficiência em termos biomédicos, como incapacidade para o trabalho e para a vida independente, responsabilidade da perícia médica, sendo os critérios para concessão do benefício alterados e implantados novos instrumentos e critérios para avaliação social e médica da pessoa com deficiência para acesso ao BPC, elaborados com inspiração no modelo biopsicossocial ampliado da CIF (Classificação Internacional de Funcionalidades). Essa nova legislação objetivou a ampliação da elegibilidade, especialmente pela substituição do conceito de incapacidade para a vida independente e o trabalho que vigorava desde a década de 1990 nas avaliações do INSS. Com essa decisão, a avaliação passou a ser realizada no âmbito do INSS por duas burocracias profissionais: Assistentes Sociais e Peritos Médicos, com atribuições de avaliação de barreiras sociais e ambientais, alterações de funções do corpo, limitações de atividades e restrições à participação social. Os autores notam que o julgamento desses profissionais é parte relevante do processo de elegibilidade do BPC em função da exigência de teste de meios para a obtenção do benefício, especialmente do requerente pessoa com deficiência. Eles destacam que o papel do Judiciário na aberta contestação das avaliações de elegibilidade, em especial o recorte de renda. “No Brasil, o Judiciário pode reivindicar a garantia de direitos constitucionais no âmbito social e político, impondo sua preferência. A judicialização traduz o permanente poder de veto exercido pelos agentes do Judiciário em assuntos que seriam de atribuição exclusiva do Executivo, mas são passíveis de contestação de mérito ou de inconstitucionalidade.”

O referido artigo foi publicado na edição de outubro de 2016 (vol. 21 n.10) da Revista Ciência & Saúde Coletiva. 

Imagem original: Coxim Agora 

 

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