O Icict recebeu nos dias 1 e 2 de março, a visita de representantes do Ministério da Saúde, Unesco e das coordenações locais da pesquisa Divas – DIversidade e VAlorização da Saúde (ou em seu nome oficial: "Estudo de abrangência nacional de comportamentos, atitudes, práticas e prevalência de HIV, Sífilis e Hepatites B e C entre travestis e mulheres trans"), coordenada por Francisco Inácio Bastos, do Laboratório de Informação e Saúde (LIS)/Icict, e por Monica Malta, da Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), ambos da Fiocruz.
A pesquisa, financiada pela Unesco e pelo Ministério da Saúde, ouviu cerca de 2.800 travestis e mulheres trans em doze capitais – Belém (PA), Manaus (AM), Fortaleza (CE), Salvador (BA), Recife (PE), Belo Horizonte (MG), Rio de Janeiro (RJ), São Paulo (SP), Brasília (DF), Campo Grande (MS), Curitiba (PR) e Porto Alegre (RS) – entre 2016 e 2017, e teve como principal finalidade descrever o perfil sócio-demográfico e comportamental, os conhecimentos, atitudes e práticas relacionadas à infecção pelo HIV/Aids e demais IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis), além de estimar as taxas de prevalência de HIV, sífilis e hepatite B e C para cada rede social acessada nestes municípios.
O estudo foi coordenado localmente por diferentes pesquisadores, envolvendo além da Fiocruz outras instituições como Instituto Evandro Chagas (SVS/MS), UFMG, UNB, UFMS, Universidade Tuiuti do Paraná, Secretaria Municipal de Saúde de Fortaleza (CE), Fundação Alfredo da Matta (FUAM), UFBA e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (FCMSCSP).
A primeira parte da pesquisa foi qualitativa e buscou conhecer melhor as características e especificidades da população estudada de cada município, com a realização de grupos focais e entrevistas individuais. Na segunda parte, foi realizado um inquérito epidemiológico, que abordou questões como conhecimento sobre ISTs, Aids, hepatites virais, acesso à preservativos, assistência à saúde, discriminação, violência e violação de direitos humanos, comportamento sexual, uso de álcool e outras drogas, modificações corporais, dentre outros. Também foram oferecidos às participantes testagens gratuitas para HIV, sífilis e hepatites (B e C).
Segundo Carolina Coutinho, coordenadora executiva desta que já é considerada a maior pesquisa feita com a população de travestis e mulheres trans no Brasil, “em abril, será enviado o relatório final à Unesco e ao Ministério da Saúde”. Para ela, “o espaço aberto pela pesquisa em algumas cidades gerou a oportunidade de aproximação entre profissionais dos serviços de saúde e a população de travestis e trans”. Coutinho, que também é pesquisadora do LIS/Icict, relata que, segundo as equipes de campo, “percebe-se que grande parte desta população ainda se encontra em situação de vulnerabilidade social, sendo necessário o desenvolvimento de ações de inclusão e cuidado, dando oportunidade e voz a essas pessoas”.
Do trabalho feito em campo, a coordenadora da pesquisa no Rio de Janeiro, Lidiane Toledo, do LIS/Icict, e sua equipe trouxeram algumas observações, como uma demanda reprimida por cuidados de saúde: “pois muitas voluntárias chegavam para participar da pesquisa com intuito de conseguir atendimento de saúde”. Ela afirma que, em outros casos, a própria equipe identificava necessidades urgentes de saúde e realizava os encaminhamentos necessários. A vulnerabilidade referida por Carolina Coutinho foi constatada in loco por pelos pesquisadores do Rio (e também em todos os estados onde a pesquisa aconteceu): “frequentemente, as voluntárias relatavam o receio de buscar ajuda em serviços públicos de saúde com medo de sofrerem discriminação, principalmente por ainda não possuírem documentos com nome social”, afirma Lidiane Toledo.
A reunião aconteceu nos dias em que tanto o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) divulgaram deliberações que impactavam significamente a vida da população de travestis e pessoas transgêneras no país: a que permite permite a transexuais e transgêneros alterar seu nome no registro civil sem a necessidade de realização de cirurgia de transgenitalização (ou redesignação sexual), e a que concede a transgêneros e transexuais usar o nome social para se identificar nas urnas e entrarem nas cotas de gênero nos partidos políticos para as eleições.
Presente a reunião da pesquisa Divas, a representante do Departamento de Vigilância, Prevenção e Controle das IST, do HIV/Aids e das Hepatites Virais, do Ministério da Saúde, Alícia Krüger, que também é ativista trans, falou sobre as decisões dos Tribunais Superiores e comentou sobre o papel da comunicação na saúde e a importância do Sistema Único de Saúde (SUS), defendendo de forma enfática os três princípios do SUS - universalidade, equidade e integralidade. Assista as duas partes da entrevista abaixo:
“Há muito tempo” os ativistas estão lutando, no Brasil, para que haja uma lei de identidade de gênero, é o que diz Alícia Krüger. Ela destaca a decisão do STF, divulgada no dia 1º de março, como um “ato histórico”, relembra o sofrimento e constrangimento de ter que passar por um juiz para realizar a troca de nome em seu registro civil e que a decisão do Supremo “não apenas um ganho de pré-nome e sexo, significa direitos sociais e civis garantidos para as pessoas trans”. Ela também comenta a decisão do TSE que saiu no mesmo dia. Veja o vídeo.
Na segunda parte da entrevista, Krüger ressalta que a decisão do STF não pode ser encarado, pelas pessoas trans, como “um renascimento”. Ela afirma que “não somos pessoas que passaram por um casulo e se transformaram em outras. (...) Eu sempre fui uma pessoa só”. Ela também destaca a pesquisa do Projeto Divas e a importância da comunicação e informação em saúde: “de nada vai adiantar se você fizer (uma pesquisa) pro seu umbigo, pra sua sala, pro seu gabinete, isto precisa chegar em quem realmente precisa. Inclusive é um princípio do SUS – equidade, que é você dar para uma pessoa exatamente aquilo que ela necessita para aí, sim, se alcançar a igualdade”.
Para a representante do Ministério da Saúde, “a comunicação para um homem branco, cisgênero e heterossexual (...), jamais vai ser igual a uma comunicação que você fará para uma travesti periférica, preta, que tenha estudado até a segunda série. Jamais vai ser igual. A comunicação precisa ser específica, a informação precisa ser clara – traduzida para uma linguagem que a pessoa realmente entenda e absorva e aquilo se torne uma informação útil para a vida dela - e qualificada, pensando em todas as especificidades. Eu acho que os três princípios do SUS nos guiam em qualquer atitude em relação à saúde, e obviamente a informação e comunicação. Pautar equidade, prezar a integralidade e sempre visando a universalidade”, fnaliza. Assista a parte final da entrevista.
Fotos reunião Pesquisa Divas e Francisco Inácio Bastos: Rodrigo Méxas (Multimeios/Icict/Fiocruz)
Montagem das fotos: Graça Portela (Multimeios/Icict/Fiocruz)
Vídeo - gravação e edição: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Links
[1] https://www.icict.fiocruz.br/../..
[2] https://www.icict.fiocruz.br/arquivo-de-noticias
[3] https://www.facebook.com/sharer.php?u=https%3A%2F%2Fwww.icict.fiocruz.br%2Fprint%2F4264
[4] https://www.icict.fiocruz.br/../sites/www.icict.fiocruz.br/files/Grupo%20de%20Pesquisa%20Divas.pdf
[5] http://www.aids.gov.br/
[6] http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-03/stf-autoriza-transexual-alterar-registro-civil-sem-cirurgia-de
[7] http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-03/tse-autoriza-candidatos-transgeneros-usarem-nome-social-nas-urnas
[8] http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/39871