Em junho de 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o envenenamento por mordida de cobra em sua lista de doenças negligenciadas - o motivo: o aumento de acidentes com serpentes, com mortes, e o fato de cada vez menos empresas farmacêuticas produzirem o soro antiofídico, gerando escassez do medicamento. No mundo, ocorrem cerca de 79 mil mortes causadas por veneno de cobra, conforme dados de 2016 da OMS. O número de vítimas, em sua grande maioria de países tropicais ou subtropicais, também chama a atenção, são 400 mil pessoas vítimas de problemas de amputações ou perda de visão, por exemplo. Segundo o jornal El País, “muitas das centenas de milhares de vítimas de picadas (de cobra) sofrem um estresse pós-traumático, semelhante ao das vítimas de acidentes de trânsito”.
No caso do Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – Sinitox, só em 2016, foram 3.322 casos, sendo que a partir da faixa etária dos 20 anos até os 49 anos, a média é de 519,75 ocorrências, com a maioria dos casos sendo por mordidas de cobras como a coral verdadeira, a cascavel, a surucucu pico-de-jaca e a jaracaca.
O tratamento, por meio do soro antiofídico, disponível na rede do SUS, é encontrado nos polos de soro para atendimento de acidentes com cobra no Brasil.
Pensando nesta emergência, o Sinitox disponibilizou em seu site a versão atualizada da lista dos cerca de dois mil polos de soro para atendimento de acidentes ofícidicos no Brasil - "Lista dos Polos de Soro para Atendimento de Acidentes Ofídicos no Brasil". Segundo Rosany Bochner, coordenadora do Sinitox, “a atualização da lista trata-se de um trabalho que demandou tempo e energia, pois nem sempre os estados puderam enviar a sua relação de polos”, explica. Para ela, “apesar da importância da informação veiculada no site do Sinitox, é necessário que os estados mantenham essas informações atualizadas. Afinal, isto pode salvar vidas”, explica.
O documento surgiu a partir da pesquisa feita por Nathalie Citeli para sua dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), do Icict, intitulada ‘Modelagem da Distribuição Potencial de Lachesis Muta (LINNAEUS, 1766) (Serpentes: Viperidae) e a Distribuição do Soro Antilaquético no Brasil’, que buscou identificar a distribuição geográfica potencial da surucucu pico-de-jaca (Lachesis muta) e “contribuir para as estratégias de produção e distribuição do Soro Antibotrópico (pentavalente) e Antilaquético no Brasil – SABL”. A dissertação foi orientada pela Rosany Bochner e co-orientada por Mônica de Avelar Magalhães, pesquisadora do Núcleo de Geoprocessamento em Saúde, do Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Icict.
“A relevância desse estudo está voltada para a otimização do atendimento dos acidentes por essa serpente, a surucucu”, afirma Bochner. Ela chama a atenção de que Citeli, em sua pesquisa, conseguiu “trabalhar com um problema de saúde – acidentes ofídicos, considerado negligenciado no Brasil e no mundo; concentrar em uma determinada espécie de serpente, a Lachesis muta (surucucu) e realizar um mapeamento dos polos de aplicação do soro antiofídico em atividade no Brasil”, explica a oordenadora do Sinitox.
A surucucu pico-de-jaca se concentra mais na região norte do país. “Pela similaridade do quadro clínico entre essa serpente e as do gênero Bothrops (jararacas), é importante atentar para a distribuição nessas regiões do soro bivalente, anti-botrópico-laquético”, fala a coordenadora do Sinitox.
A escolha da Lachesis muta, ou surucucu, não foi por acaso. Segundo, Nathalie Citeli esta cobra é a maior serpente peçonhenta das Américas e “com potencial de causar envenenamentos majoritariamente graves, levando a sequelas e até mesmo óbito. É, sem dúvida, a espécie brasileira de manutenção em cativeiro mais delicada. Isso é refletido na dificuldade que as instituições produtoras de soro passam para manter esses animais em planteis, e por consequência, produzir o soro. Estudar essa espécie é poder auxiliar na distribuição do soro e no tratamento eficaz dos acidentes.”, explica Citeli.
Em uma entrevista ao site do Icict, a aluna do PPGICS falou um pouco mais sobre a sua dissertação.
Cruzando os locais onde há maior incidência de cobras surucucu e a localização de postos com soro antilaquético, o que o seu estudo demonstrou?
Identificamos que aproximadamente 15% dos municípios que apresentaram adequabilidade para ocorrência da espécie não possuem polos de soro. Isso é preocupante, pois em caso de acidentes a pessoa atingida precisará se deslocar para outro município. Sabe-se que o tempo entre a picada e o atendimento é crucial para uma boa recuperação. Sugerimos que outros estudos com animais de importância médica sejam desenvolvidos para embasar a localização dos polos, e futuramente, a escolha desses locais seja reavaliada.
Por que você decidiu criar uma modelagem da distribuição potencial da surucucu?
Como mencionado acima, entender a distribuição da espécie e prever áreas potenciais de ocorrência do animal nos ajuda na orientação de locais estratégicos para receber o soro. A partir dos modelos, indicamos os municípios prioritários, não só para recebimento de antiveneno, como também para esforços em educação ambiental e educação em saúde.
Que dados você destacaria com a criação desta modelagem? Há incidências em que cidades e regiões?
A parte mais importante do Brasil para receber o soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético (SABL) é a região norte. Nossos resultados incluem maiores incidências de acidentes por surucucu e maiores suportes climáticos. Os cinco municípios com os maiores valores de adequabilidade para ocorrência da espécie (por ordem de classificação) foram: Eirunepé, no Amazonas; Mâncio Lima, no Acre; Ipixuna; Envira e Guajará (ambos no Amazonas).
A identificação das regiões prioritárias para receber o SABL é a mais importante. Levar em conta a distribuição do animal com base em registros de coleções científicas é a forma mais segura de pensar como o soro deve ser disponibilizado pelo país. Fizemos isso de forma criteriosa, com base em visitas que fiz em acervos e revisões da literatura. A utilização de modelos pode ser muito útil para esse tipo de planejamento. Esperamos encorajar novas pesquisas nesse âmbito.
Quando a sua dissertação estará disponível para o acesso aberto?
Em breve, estamos terminando de escrever o artigo científico que irá tratar da Lachesis, incluindo acidentes e polos de soro. A publicação da lista de polos é apenas uma parte do trabalho, que irá se transformar em um mapa interativo no site do Sinitox.
O documento "Lista dos Polos de Soro para Atendimento de Acidentes Ofídicos no Brasil" pode ser acessado por aqui [3] ou clicando na imagem abaixo.
Créditos
Gráfico Sinitox: Coleta e formatação de dados – Erick Penedo (Sinitox/Fiocruz) | Edição e montagem do vídeo: Graça Portela (Ascom/Icict/Focruz)
Box “O que são acidentes ofídicos? / O quê cada uma dessas espécies pode causar?”: Saúde de A a Z – Ministério da Saúde
Gráfico Sinitox: Erick Penedo (Sinitox/Fiocruz) – coleta de dados | Edição e montagem do vídeo: Graça Portela (Ascom/Icict/Focruz)
Foto cobra surucucu pico-de-jaca: Galeria de fotos do Instituto Vital Brazil/Governo do Estado do Rio de Janeiro
Capa do documento “Polo de Soros para acidentes ofídicos”: Sinitox/Fiocruz
Links
[1] https://www.icict.fiocruz.br/../..
[2] https://www.icict.fiocruz.br/arquivo-de-noticias
[3] https://sinitox.icict.fiocruz.br/polos-de-soro-para-acidentes-ofidicos
[4] https://www.facebook.com/sharer.php?u=https%3A%2F%2Fwww.icict.fiocruz.br%2Fprint%2F4867
[5] https://www.icict.fiocruz.br/node/4129
[6] https://sinitox.icict.fiocruz.br/
[7] http://portalms.saude.gov.br/saude-de-a-z/acidentes-por-animais-peconhentos
[8] https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5796:doencas-transmissiveis-analise-de-situacao-de-saude&Itemid=0
[9] https://unitingtocombatntds.org/resources/who-roadmap-ntds/
[10] http://www.vitalbrazil.rj.gov.br/
[11] http://www.butantan.gov.br/Paginas/default.aspx
[12] http://www.butantan.gov.br/saude/hospital/acidentes/Paginas/default.aspx
[13] https://www1.folha.uol.com.br/ciencia/2018/07/no-brasil-areas-com-mais-picadas-de-cobra-tem-acesso-dificil-a-soro.shtml
[14] https://g1.globo.com/ac/cruzeiro-do-sul-regiao/noticia/pesquisa-mostra-que-120-pessoas-foram-picadas-por-cobras-no-vale-do-jurua-nos-ultimos-dez-meses.ghtml