Características, experiências e procedimentos legais marcam segundo dia de Encontro

por
Raíza Tourinho e Cristiane d'Ávila
,
22/09/2016

Qual é o valor de um livro? De fato, esta é uma pergunta irrespondível. Especialmente, se o livro em questão for além do seu conteúdo: este pode fazer de uma coleção de alguém notável, contar a história de seu tempo, conter anotações valiosas, revelar a personalidade de quem o detém e, ainda, ser raro e/ou valioso. Assim, um livro de um acervo pessoal pode ser muito mais do que um livro. Como avaliar um valor de livro, então? E a importância de um papeluche, um objeto, de todo um acervo? Estas foram algumas das questões levantadas no segundo dia do Encontro “Da minha casa para todos: a institucionalização de acervos bibliográficos privados”. 

O professor da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Fabiano Cataldo de Azevedo, afirmou que a biblioteca é intrinsicamente antropofágica: engole, transforma e solta acervos de outras bibliotecas com outros significados. Azevedo distinguiu as definições de bibliotecas particulares, privadas e pessoais e suas diversas características: podem ser para fruição, trabalho ou ambos, e carregam valores simbólicos, afetivos, culturais; patrimoniais; pesquisa; etc. O pesquisador ressaltou ainda a importância dos colecionadores para a história dos livros: “A gente tem um preconceito muito grande com bibliófilos. Mas grandes acervos foram formados a partir de bibliotecas particulares. Grandes coleções são retrato de uma época do mercado editorial do país”, ressaltou.

As coleções pessoais são adquiridas pelas bibliotecas geralmente após a morte do proprietário, e podem ser incorporadas ao acervo geral da instituição ou, a depender da importância social do dono, serem distinguidas enquanto coleções especiais. O pesquisador da Unirio destacou que  o profissional que lida com este acervo deve ter sensibilidade e conhecer a fundo a biografia do proprietário, para saber avaliar a importância de cada item. O tratamento técnico, ressalta Azevedo, deve considerar o usuário, as características e os objetivos da coleção. “Diante de uma biblioteca particular cujo dono morreu, tem-se a certeza de que os livros são mais fortes e soberanos que nós mesmos. Mais longevos de fato”, finalizou.

A institucionalização da doação

A troca de experiências se iniciou com o processo de institucionalização da biblioteca do médico Antônio Fernandes Figueira, doada para a Biblioteca de Manguinhos (Icict/Fiocruz) em setembro de 2013.  A chefe da seção de Obras Raras da biblioteca, Maria Cláudia Santiago, explicou os passos que levaram a incorporação dos 1.153 itens pertencentes ao médico – e mantidos até a morte pelo seu neto Antônio Fernandes Figueira de Lamare – ao acervo da seção.

A doação foi realizada às pressas, sem que um inventário do acervo pudesse ser realizado, mas revelou item de grande valor para a Biblioteca:  um exemplar do Século XVIII que havia sido furtado foi resposto e o livro Rimas sacras, editado pela Companhia de Jesus em 1616, se tornou o item mais antigo da Biblioteca de Manguinhos.

Diante da possibilidade de acesso ampliado, Santiago expressou a importância de incorporar acervos particulares às instituições: “Esse tipo de material não pode ser mais olhado como mais um. É uma coleção especial, orgânica. Contribui para uma melhor compreensão da história. Quando institucionalizados, estes acervos fazem parte do patrimônio cultural da sociedade em que estão inseridos”.

À tarde, a bibliotecária do Projeto Memorial do Livro Moronguêtá da Pró-Reitoria de Relações Internacionais da Universidade Federal do Pará, Elisangela Silva da Costa contou a história do projeto, que visa registrar um tempo histórico por meio das coleções da intelectualidade proeminente na época. Desde que o Moronguêtá (termo oriundo da língua indígena Nheengatu, que significa falar de coisas boas) iniciou, em 2012, já recebeu seis coleções, totalizando 25.528 obras. A primeira delas, a da pesquisadora Maria Annunciada Ramos Chaves, foi resgatada em parte nas ruas, após a morte da proprietária – dos 20 mil que compunham a coleção, apenas quatro mil foram encontrados.

Gerente do Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras (Planor), Rosângela Rocha Von Held, contou um pouco a história da Biblioteca Nacional (que derivou da biblioteca real da coroa portuguesa), explicando a importância das doações para a instituição. Ela afirmou ainda que a Fundação Nacional tem o propósito de ser depositária da memória nacional.  A chefe da Biblioteca da Faculdade de Direito da Universidade São Paulo, Maria Lucia Beffa também traçou um histórico de como surgiu o acervo da instituição – que foi enriquecido com inúmeras, a maioria de professores e pessoas ligadas à biblioteca.

Implicações legais

Os procedimentos técnicos para a aquisição de acervos pessoais foram tema da mesa redonda “Doação e captação de coleções bibliográficas para instituições públicas: fluxos, ações e implicações legais”.  O advogado da Procuradoria da Fiocruz, Fellipe Mose Ferreira, explicitou os princípios do direito em relação ao contrato de doação, e afirmou que o Código Civil rege as bibliotecas como bens universais.

A supervisora da Seção de Tratamento da Informação da Divisão de Biblioteca do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, Luciana Maria Napoleone, afirmou que, no momento de estabelecer um contrato de doação, é importante saber a expectativa do donante. “Assim fica mais fácil gerir as tratativas”. Napoleone ainda afirmou que há uma invisibilidade do livro e da biblioteca como patrimônio cultural. “Não está expresso na legislação. Isto não está claro”.

Marcas extrínsecas

Por fim, a professora da Unirio, Stefanie Cavalcanti Freire, as possibilidades de estudo oferecidas pelas dedicatórias para o bibliotecário e para o pesquisador. De acordo com ela, as dedicatórias sempre ocuparam lugar de destaque, seja nos livros manuscritos, seja nos impressos. Eram elogios públicos manifestados de forma simbólica a reis, mecenas e ao clero. As dedicatórias manuscritas começaram a circular nos séculos XIX e conferem caráter único ao exemplar, podem desvalorizar ou valorizar a obra.

Freire ainda explicou que a dedicatória é uma rica marca de identificação do livro: desvela relações sociais, pode atribuir valor documental singular a uma obra a pode instigar o leitor a ler a obra. As marcas extrínsecas, ressaltou, são oportunidades potenciais de estudo sobre um autor e sua obra. “Dedicatórias são documentos capazes de revelar as relações entre dedicador e dedicatário, traçar a geografia das amizades”, disse. 

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