A saúde de animais e seres humanos foi o principal assunto do seminário ‘Zoonoses e animais negligenciados’, promovido pelo Centro de Estudos do Icict/Fiocruz na última quinta-feira, 23 de março, na Biblioteca de Manguinhos. A atividade reuniu pesquisadores, médicos veterinários, profissionais de saúde pública e militantes de movimentos de proteção e bem estar animal em torno de ações de prevenção, informação e mobilização.
O primeiro bloco abordou especialmente leishmaniose, esporotricose e raiva, três dos maiores agravos relacionados à saúde animal no país. “A questão dos animais negligenciados, animais errantes, animais soltos em vias públicas ou abandonados é uma preocupação para nós. Por isso, acreditamos que é importante essa aproximação entre instituições de pesquisa, conselhos e organizações não governamentais”, saudou o presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Rio de Janeiro, Cícero Araújo Pitombo, na abertura.
Raiva: vacinação e vigilância devem ser constantes
O contexto atual em relação à zoonose de raiva foi tratado pela bióloga Patrícia Meneguete, coordenadora de vigilância ambiental da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. “Aqui no estado, o programa de prevenção tem dado bons resultados. É uma doença de notificação obrigatória e requer uma ação bastante rápida” pontuou.
Patrícia Meneguete, coordenadora de vigilância ambiental da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro. Foto: André Bezerra - Ascom/Icict
Apesar disso, para a técnica ainda existe um problema de subnotificação. “Para a gente tomar ações de vigilância, é preciso ter a informação correta e todos dados de notificação, senão não é possível prevenir”, complementou. No estado, a maior parte dos casos é de área rural, acometendo principalmente animais bovinos e morcegos, que propagam a variante silvestre da raiva. Para manter a saúde de cães, gatos e humanos, a estratégia vigente é a vacinação dos animais, e, nesse sentido foi destacada a necessidade de maior divulgação das campanhas.
Esporotricose: importância da informação
Sobre a esporotricose, os médicos veterinários Alessandra Pereira, da Qualitas, e Rogério Lobo, da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais (Anclivepa/RJ), apresentaram um panorama de aspectos clínicos e dificuldades no tratamento do agravo que vem crescendo sobre a população de felinos no Rio de Janeiro. Também alertaram para o problema da falta de informações corretas e a circulação de dados e notícias equivocadas e sensacionalistas que vem circulando sobre o assunto nas últimas semanas.
“A informação é muito importante, pois a doença não é do gato, como muitas pessoas acreditam; a doença apenas está no gato”, salientou Rogério Lobo. Sua colega ressaltou que os animais só transmitem a esporotricose quando estão doentes, e que o agente infectante está na natureza. “O gato é uma vítima do problema. Isso é importante comentar porque muitas pessoas pensam em abandoná-los com medo da doença, mas a gente sabe que existem formas de tratá-la. O abandono desses animais vai favorecer cada vez mais a disseminação desse problema”, apontou Alessandra.
Alessandra Pereira, doutora em zoonoses pelo Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas.
A esporotricose é a micose subcutânea mais comum da américa latina e possui um alto potencial zoonótico. O Brasil é uma das principais áreas acometidas. Em relação aos aspectos epidemiológicos, desde 1998 há a epidemia e os números vem crescendo. Atualmente são 4 mil casos catalogados, fora os não notificados. Nos casos de esporotricose felina, é fundamental buscar tratamento médico para os animais e evitar quaisquer tratamentos caseiros. Além disso, em caso de óbito dos animais, não deve ser feito sepultamento no solo, pois isso contamina o ambiente, sendo indicada sua cremação.
Veterinários ressaltam que para a saúde dos gatos, o melhor é mantê-los castrados e dentro de casa e defendem políticas públicas de bem estar e proteção animal. “Temos um problema socioeconômico muito grave e isso só contribui para o problema. Nas comunidades carentes, muitos gatos soltos acabam propagando a doença”, complementou a pesquisadora.
Leishmaniose: mudança de paradigma
“A esporotricose está na mídia, mas atualmente, a leishmaniose não está. É uma doença negligenciada e precisamos falar sobre isso”, convocou Paulo Abílio Varela Lisboa, coordenador substituto do Centro de Estudos do Icict e organizador do seminário. O assunto foi apresentado por Francisco Anilton, técnico do laboratório Hertape e especialista com bastante experiência no setor público, e Luiz Eduardo Ristow, do laboratório especializado em diagnósticos Tecsa.
Presente em quase todo o país, a Leishmaniose se expandiu de áreas rurais para os ambientes urbanos e com presença cada vez maior nas regiões centro-oeste e sul. Sua transmissão é ocasionada pelos mosquitos flebotomíneos e, por muitos anos, houve muitas controvérsias em torno das estratégias de contenção da doença, como a realização de eutanásia ao invés da adoção de ações preventivas. O tratamento farmacológico obteve apenas no último ano autorização para ser utilizado por médicos veterinários.
“Temos que repensar a leishmaniose em nosso país, uma mudança de paradigma: desde o clínico veterinário, que tem que mudar de postura, até a vigilância e o controle, porque os protocolos ainda são muito antigos”, defendeu Anilton. Ele defendeu a adoção de estratégias de controle do vetor, da prevenção das picadas em cães, prevenção em seres humanos, além de ações de vigilância em sinergia entre esferas federal, estadual e municipal, além de vislumbrar estratégias de vacinação e tratamento dos sintomas clínicos.
Sobre o diagnóstico, Luiz Eduardo Ristow destacou a importância do diagnóstico diferencial para minimizar os casos de falso positivo, além de falsos negativos, para minizar a eutanásia e incentivar o tratamento correto. No período da tarde, a veterinária Romeika Reis Lima mostrou as possibilidades de prognóstico em diferentes estágios da doença. “Com o tratamento, é possível reduzir a carga e a transmissibilidade da leishmaniose”, explicou.
O desafio de combater o abandono de animais
Regina Petri, do grupo Focinhos do Castelo, durante debate no Icict/Fiocruz.
A nova subsecretária da área de bem estar e proteção animal do município do Rio de Janeiro, Suzane Rizzo, apresentou durante o seminário a nova visão sobre o tema adotada pela pasta. “A gente tem hoje um surto de animais abandonados. Os abrigos estão lotados. É um modelo que precisa ser revisto”, apontou. As ações terão objetivo de evitar a concentração de animais, desestimulando o abandono em locais públicos, além de ampliar a castração, e, acima de tudo, o incentivar a adoção e a posse responsável.
O grupo de protetores de animais abandonados no campus da Fiocruz, chamado de Focinhos do Castelo, apresentou suas ações e dialogou em torno de possíveis parcerias. "Sem os protetores, haveria uma população descontrolada de cães e gatos abandonados", acredita Regina Petri, servidora da fundação e participante do coletivo. O chefe do Hospital Veterinário da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) relatou os casos de animais abandonados no campus e descreveu as ações que foram tomadas para coibir a negligência humana. “A universidade precisou estabelecer regras, mas ainda é preciso um trabalho de educação”, informou.
Nos campos da informação e comunicação, os destaques foram a apresentação do sistema e aplicativo Viconsaga, desenvolvido pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, que permite localizar em mapas notificações sanitárias e a Biblioteca Pública de Niterói, que criou seção específica com obras sobre a questão do bem estar animal.
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