Política de acesso aberto avança

por
Daniela Lessa
,
31/01/2017

Arquivamento de artigos, teses e dissertações de pesquisadores, estudantes e profissionais da Fiocruz no repositório institucional, o Arca, é requisito inicial


A convicção de que informação é um bem público e um determinante social da saúde é o que norteia a Política de Acesso Aberto ao Conhecimento da Fiocruz, lançada em março de 2014. Seu objetivo é garantir à sociedade acesso gratuito, público e aberto à produção intelectual da Fundação, em consonância com o movimento internacional em favor da democratização do conhecimento por meio da disponibilização de produtos acadêmicos e científicos em formatos digitais.

A política foi formulada a partir de um grupo de trabalho constituído no âmbito da Câmara Técnica de Informação e Comuncicação, com apreciação de várias instâncias coletivas e deliberada no Conselho Consultivo da Fiocruz em um processo coordenado por uma parceria entre a Vice-presidência de Ensino, Informação e Comunicação (VPEIC) e o Icict. Inicialmente, ela exige o arquivamento de artigos, teses e dissertações de pesquisadores, estudantes e profissionais da Fiocruz no seu repositório institucional, o Arca, e a expectativa de futuro é de que avance e abarque outros produtos intelectuais, tais como vídeos, recursos educacionais, dados brutos de pesquisa, etc.

Paula Xavier, da Coordenação de Comunicação e Informação da VPEIC, informa, inclusive, que a ampliação da iniciativa já será objeto das próximas reuniões do comitê de regulação criado para monitorar a política de acesso aberto. “A perspectiva é ampliar o arquivamento no Arca para outros formatos de conteúdo, embora não necessariamente em caráter mandatório, como é o caso dos artigos, teses e dissertações”, antecipa.

Entre as ações planejadas para fomentar o desenvolvimento da política, está o treinamento dos membros dos Núcleos de Acesso Aberto ao Conhecimento (Naacs) das unidades para que tenham domínio da metodologia e tecnologias utilizadas no processo de arquivamento dos documentos. Outra ação prevista é a assinatura institucional de revistas de acesso aberto para apoiar os pesquisadores, uma vez que algumas das que adotam essa política cobram taxa de publicação dos autores. Paula explica: “Com a assinatura institucional, a Fiocruz é que arcaria com esses custos”.   Ela acrescenta que a análise das publicações a serem assinadas será mais uma tarefa do comitê de regulação nas próximas reuniões.

Mais uma ação importante no bojo das atividades de estímulo ao acesso aberto na Fiocruz é a adequação de uma série de documentos institucionais, especialmente editais, à nova condição. “É preciso incluir, nesses editais, cláusulas que informem os pesquisadores ingressantes na Fiocruz ou os que estejam almejando novos projetos de pesquisa sobre o fato de a instituição apoiar a iniciativa mundial do acesso aberto, o que implica na submissão dos trabalhos às condições dessa política”, informa Paula.

Ela acrescenta, ainda, que a instituição também precisa estudar diretrizes para a disponibilização de dados que os pesquisadores utilizaram em suas pesquisas, uma vez que a transparência sobre essas informações representa uma grande contribuição para a realização de outros estudos a partir dos mesmos dados.

Contexto articulado

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação, Nísia Trindade Lima, comenta o interesse do desenvolvimento da Política de Acesso Aberto para além da Fiocruz e informa que a instituição tem se mobilizado em nível parlamentar nesse sentido. A análise da gestora, entretanto, é de que a evolução de uma política nacional de acesso aberto requer articulação com entidades políticas, acadêmicas, de fomento e da sociedade em geral.

Nesse processo, já houve aproximação da Fiocruz com o senador Rodrigo Rollemberg, autor do projeto de lei de acesso aberto à produção de universidades públicas (PLS 387/2011), com o Departamento de Ciência e Tecnologia (Decit) do Ministério da Saúde, além de contatos com as agências de fomento CNPq, Capes e Faperj, entre outros parlamentares, pesquisadores e defensores do acesso aberto.

Internamente o movimento também envolveu articulações entre unidades e instâncias da Fiocruz. “Todo o processo foi considerado muito positivo e acreditamos que ele possa servir como referência metodológica para análise e aprovação de outros projetos e políticas da Fundação”, comenta Nísia. Ela conta que por ser uma atividade de vários atores, o processo de elaboração da política também mobilizou as câmaras técnicas de Pesquisa, de Informação e Comunicação e de Ensino, além de ter sido objeto de uma consulta pública para toda a comunidade Fiocruz. “A Reciis [Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde] publicou um artigo*, que está em acesso aberto, contando todo esse processo”, acrescenta.

Nísia lembra que antes da aprovação da política de acesso aberto pelo Conselho Deliberativo da Fiocruz, ocorreram importantes iniciativas de acesso aberto na Fundação, tais como a participação no Portal Scielo Periódicos, a criação do Repositório Institucional Arca, em 2011, pelo Icict, e a aprovação da política de acesso aberto, em 2012, pela Ensp. Ela valoriza tanto as propostas precursoras quanto o processo de convergência alcançado a partir da operacionalização das atividades. “As iniciativas das unidades são fundamentais e, por isso mesmo devem inspirar um movimento de ampliação e integração. É preciso integrá-las e fortalecê-las para que se desenvolvam em um leito comum em benefício do conjunto da instituição”, pondera.

Em concordância com Hooman Momen, editor do boletim da Organização Mundial e Saúde (OMS) e defensor do acesso aberto, Nísia analisa a importância dos repositórios para reforçar a imagem da instituição e chancelar sua produção acadêmica. “A internet tem milhares de trabalhos ditos acadêmicos e é difícil identificar o que é de qualidade ou não; já quando a pessoa encontra um artigo no repositório da Fiocruz, sabe que ali tem uma informação chancelada pela instituição”. Além disso, completa: “os repositórios são instrumentos de preservação da memória institucional, de gestão do conhecimento e fortalecem outras iniciativas, a exemplo do projeto coordenado pela VPEIC e a Vice-presidência de Pesquisa e Laboratórios de Referência (VPPLR) de criação do Observatório de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico na Fiocruz”.

*Artigo na Reciis: Política de Acesso Aberto ao conhecimento: análise da experiência da Fundação Oswaldo Cruz/Fiocruz – Link: http://www.reciis.icict.fiocruz.br/index.php/reciis/article/view/944
 

Ciência aberta

Ana Maranhão, uma das coordenadoras do Arca, corrobora a visão de Nísia sobre o papel dos repositórios como instrumentos de preservação da memória institucional. Em defesa do acesso aberto, ela acrescenta: “o acesso aberto é tudo para a ciência. Os resultados de uma pesquisa, quando conhecidos por outros cientistas, podem gerar muito mais conhecimento em benefício das pessoas; e na saúde isso é ainda mais importante porque trabalha-se com a vida humana”.

O acesso aberto contribui, assim, para o desenvolvimento da ciência e, além disso, para uma melhor distribuição do conhecimento em nível global. É que, com a disponibilização na internet, os grandes centros acadêmicos tomam conhecimento de descobertas e novas teorias e mesmo as regiões mais remotas do mundo podem encontrar informações de que precisam. Em alguns casos, isso pode salvar vidas e melhorar as condições de saúde de uma coletividade.

Viviane Veiga, também coordenadora do Arca, é outra profissional a defender o depósito dos dados utilizados nas pesquisas no repositório institucional para reaproveitamento dos mesmos em outros trabalhos intelectuais. Ela acrescenta, entretanto, que é necessária uma curadoria visando sua disponibilização. “Os dados precisam ser avaliados quanto à possibilidade de serem fornecidos ou não e, quando podem estar em acesso aberto, devem ser tratados para que sejam compreensíveis”, informa. Entre os dados que não podem ser apresentados publicamente, estão aqueles que permitiriam a identificação das pessoas que participaram da pesquisa; entre os que precisam de tratamento para facilitar a compreensão, estão, por exemplo, siglas e gráficos.

Outros casos que exigem análises específicas antes da publicação são pesquisas cujo produto resultante tem potencial de patenteabilidade, que contenham segredo industrial e artigos em negociação para publicação ou já publicados em periódicos científicos que exijam exclusividade. Em ambos os casos, a solução é a aplicação da regra de embargo ao acesso. “Isso significa que o trabalho é depositado no repositório, mas o conteúdo não pode ser lido pelos internautas durante o período definido pelo embargo”, explica Viviane. Ela comenta, entretanto, que o depósito continua a ser importante porque dá a dimensão do que a instituição produz e contribui para a gestão da informação e para sua memória intelectual.

Segundo Viviane, a curadoria e a análise dos textos para inclusão no repositório institucional com acesso aberto ou com embargo serão feitos pelos Naacs de cada unidade. Os autores de artigos, por sua vez, podem consultar as políticas dos periódicos em que pretendem publicar seus trabalhos por meio de duas bases de dados: a Sherpa Romeo (internacional) <http://www.sherpa.ac.uk/romeo/index.php?la=pt&fIDnum=&mode=simple> e a Diadorim (brasileira) – <http://diadorim.ibict.br/>. Nas duas, basta escrever o título da publicação no campo indicado e verificar se há exigência de exclusividade e quais as condições de embargo. Ana Maranhão ressalta, entretanto, que o embargo deve obedecer critérios específicos pois a política é mandatória e a tendência é de disponibilização das informações.

Afirmação do direto à informação

A percepção de que a Fiocruz precisa consolidar e ampliar sua política de acesso aberto também é apresentada pelo vice-diretor de Informação e Comunicação do Icict, Rodrigo Murtinho. Para ele, a importância do acesso aberto está no fato de essa iniciativa reconhecer a informação como um direito e promover o livre acesso à informação científica. Por isso, ele defende a criação de uma política de Estado para o Brasil, a exemplo do que já ocorre em vários países. Recentemente, México (em maio de 2014) e Argentina (em novembro de 2013) lançaram suas políticas de acesso aberto.

“Estamos na era da informação e o controle desse insumo resulta em poder e lucro, o que requer políticas de Estado para se contrapor aos interesses das grandes corporações, que restringem o acesso a informação, e defender o interesse coletivo”, resume Murtinho. Ele compartilha a ideia de que quanto mais amplo é o acesso à informação, maior é a possibilidade de desenvolvimento científico e tecnológico de um país. Em relação à Fiocruz, Murtinho advoga pela consolidação e ampliação da política atual. “Após a fase inicial, de implantação da política de acesso aberto, precisamos pensar em projetos complementares, como a digitaliza- ção de acervos físicos como teses e dissertações que estão disponíveis somente nas estantes das bibliotecas. Hoje, essa produção pode ser consultada livremente, mas o conteúdo não está disponibilizado em formato digital, está fora da internet, ou seja, tem acesso limitado”, observa. Ele comenta, ainda, a importância do fortalecimento do Arca como instrumento adequado para a operacionalização da política de acesso aberto da Fiocruz: “é importante que a plataforma destinada a reunir a produção intelectual da instituição seja gerida e chancelada pela própria instituição”. Em sua avaliação, nada impede que o mesmo texto esteja em outros suportes virtuais ou físicos: “o que não pode é deixar de estar depositado no repositório da própria instituição. Precisamos nos preocupar com a memória da nossa produção científica e garantir a continuidade do acesso a ela.”

Assim como Murtinho, o coordenador do Centro de Estudo do Icict e pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict), Marcel Pedroso, também defende a criação de uma política de Estado para tratamento de informações científicas em acesso aberto e informa que a reativação do Centro de Estudos, que coincide com o período de desenvolvimento da Política de Acesso Aberto da Fiocruz, terá o tema como destaque nas primeiras atividades realizadas. O seminário do segundo semestre de 2014, por exemplo, é intitulado Acesso à Informação Científica em Saúde e, segundo Pedroso, foi uma escolha consensual entre os membros do Comitê Assessor do Centro. Ele acredita que a motivação da escolha tem relação com a defesa do acesso aberto de uma forma geral e com o fato de o Icict estar capitaneando sua implementação institucional.

As estratégias de atuação da nova fase do Centro de Estudos do Icict, aliás, é marcada pela influência do acesso aberto, já que os registros dos eventos estarão disponíveis para consulta na área Centro no site do Icict e em outros sites internacionais. Pedroso informa que estão previstos três tipos de atividades durante o ano: o seminário, cuja periodicidade é de dois por ano, um em cada semestre; o TEDx Icict, que acontecerá no segundo semestre de cada ano; e o Hackaton, que acontecerá sempre no primeiro semestre. Os seminários - que terão um formato de talk show - e o TEDxIcict - que obedece ao formato das palestras TED (Tecnologia, Entretenimento e Design) idealizadas na Califórnia em 1984 - serão gravados pela VídeoSaúde – Distribuidora da Fiocruz e disponibilizados no site do Icict. O TEDxIcict também estará disponível na página concedida pelo TED para entidades que adotam o seu formato de palestras, todas com o palestrante de pé e o tempo máximo de 18 minutos.

O Hackaton é o único evento que não envolve o acesso aberto diretamente, ainda que tenha uma filosofia colaborativa, já que reúne vários desenvolvedores de softwares para encontrarem soluções tecnológicas para problemas propostos pelo Icict, em 42 horas. Do ponto de vista de pesquisador, Pedroso analisa a importância do acesso aberto: “da mesma forma que os laboratórios da Fiocruz produzem dados que podem ser utilizados em pesquisas de outras instituições, eles também consomem muitos dados e seria interessante uma política que favorecesse essa troca de informações”. E como cidadão, acrescenta: “além disso, é interessante que todas as instituições públicas tenham instrumentos que garantam o acesso a informações científicas por parte da sociedade”.

Códigos e políticas
 

Os códigos utilizados para definir os tipos de políticas de acesso dos periódicos científicos são:

Verde -  política permite o arquivamento das versões preprint e postprint (antes e depois da revisão de editores) ou a versão PDF do editor em repositórios institucionais

Azul - indica que a política do periódico permite o arquivamento da versão postprint ou da versão PDF do editor no repositório

Amarelo - informa que a política da revista ou jornal restringe o arquivamento em repositórios institucionais à versão preprint

Branco - informa que o periódico não permite o armazenamento de nenhuma versão dos artigos em repositórios institucionais

Em relação à Fiocruz, Murtinho advoga pela consolidação e ampliação da política atual. “Após a fase inicial, de implantação da política de acesso aberto, precisamos pensar em projetos complementares, como a digitalização de acervos físicos como teses e dissertações que estão disponíveis somente nas estantes das bibliotecas. Hoje, essa produção pode ser consultada livremente, mas o conteúdo não está disponibilizado em formato digital, está fora da internet, ou seja, tem acesso limitado”, observa.
Ele comenta, ainda, a importância do fortalecimento do Arca como instrumento adequado para a operacionalização da política de acesso aberto da Fiocruz: “é importante que a plataforma destinada a reunir a produção intelectual da instituição seja gerida e chancelada pela própria instituição”. Em sua avaliação, nada impede que o mesmo texto esteja em outros suportes virtuais ou físicos: “o que não pode é deixar de estar depositado no repositório da própria instituição. Precisamos nos preocupar com a memória da nossa produção científica e garantir a continuidade do acesso a ela.”

Assim como Murtinho, o coordenador do Centro de Estudo do Icict e pesquisador do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict), Marcel Pedroso, também defende a criação de uma política de Estado para tratamento de informações científicas em acesso aberto e informa que a reativação do Centro de Estudos, que coincide com o período de desenvolvimento da Política de Acesso Aberto da Fiocruz, terá o tema como destaque nas primeiras atividades realizadas. O seminário do segundo semestre de 2014, por exemplo, é intitulado Acesso à Informação Científica em Saúde e, segundo Pedroso, foi uma escolha consensual entre os membros do Comitê Assessor do Centro.

Ele acredita que a motivação da escolha tem relação com a defesa do acesso aberto de uma forma geral e com o fato de o Icict estar capitaneando sua implementação institucional. As estratégias de atuação da nova fase do Centro de Estudos do Icict, aliás, é marcada pela influência do acesso aberto, já que os registros dos eventos estarão disponíveis para consulta na área Centro no site do Icict <http://www.icict.fiocruz.br/content/centro-de-estudos-1> e em outros sites internacionais.
Pedroso informa que estão previstos três tipos de atividades durante o ano: o seminário, cuja periodicidade é de dois por ano, um em cada semestre; o TEDx Icict, que acontecerá no segundo semestre de cada ano; e o Hackaton, que acontecerá sempre no primeiro semestre. Os seminários - que terão um formato de talk show - e o TEDxIcict - que obedece ao formato das palestras TED (Tecnologia, Entretenimento e Design) idealizadas na Califórnia em 1984 - serão gravados pela VídeoSaúde – Distribuidora da Fiocruz e disponibilizados no site do Icict. O TEDxIcict também estará disponível na página concedida pelo TED para entidades que adotam o seu formato de palestras, todas com o palestrante de pé e o tempo máximo de 18 minutos. O Hackaton é o único evento que não envolve o acesso aberto diretamente, ainda que tenha uma filosofia colaborativa, já que reúne vários desenvolvedores de softwares para encontrarem soluções tecnológicas para problemas propostos pelo Icict, em 42 horas.

Do ponto de vista de pesquisador, Pedroso analisa a importância do acesso aberto: “da mesma forma que os laboratórios da Fiocruz produzem dados que podem ser utilizados em pesquisas de outras instituições, eles também consomem muitos dados e seria interessante uma política que favorecesse essa troca de informações”. E como cidadão, acrescenta: “além disso, é interessante que todas as instituições públicas tenham instrumentos que garantam o acesso a informações científicas por parte da sociedade”.

Elemento de inovação

Do ponto de vista jurídico, a iniciativa do acesso aberto pode ser considerada um elemento de inovação social. O pesquisador e advogado especialista em Direito Autoral e consultor da Fiocruz sobre o tema, Allan Rocha de Souza, argumenta que esse é um processo de transformação da visão sobre como o conhecimento é produzido e aplicado. “Este passo implica na superação do paradigma individualista, em que se supervaloriza o papel do indivíduo em detrimento do conjunto de interações interindividuais que produzem o resultado”, ressalta.

Segundo Souza, a perspectiva individualista alcançou o seu ápice no século XIX, período em que se consolidaram os direitos autorais na forma como conhecemos, sendo o elemento central dessa perspectiva a ideia da autoria individual, do autor-gênio etc. Por outro lado, a revolução das tecnologias da informação e da comunicação na atualidade, suscita reflexão sobre as relações e as construções coletivas, implicando em discussão da visão individualista anterior. No entanto, lembra o jurista: “este processo de superação do individualismo é recente e está longe de acabado, aliás, estamos apenas começando a discutir suas bases”. Ele observa, entretanto, que embora o Direito não tenha instituído uma categoria de “autoria coletiva”, já oferece instrumentos contratuais que permitem assegurar a legalidade dos usos autorizados ao público em geral. Em sua avaliação, é nesse sentido que a Fiocruz está construindo uma sólida estrutura jurídica, que é necessária à operação efetiva do acesso aberto, ao lado das estruturas técnica e organizacional.

Souza lembra que o acesso aberto é uma reação aos excessos cometidos pelas editoras de livros e periódicos científicos no passado (e algumas ainda na atualidade). “Há editoras que exigem cessões completas e exclusivas de todos os direitos do autor e este chega a perder a possibilidade de usar o próprio material e sem receber qualquer remuneração por isso”, comenta.

Na sua avaliação, foi a partir da evolução das tecnologias de comunicação e informação e compartilhamento de arquivos entre usuários na internet que vários cientistas e instituições – a partir da pressão de seus professores, pesquisadores e estudantes - puderam se opor às práticas dessas editoras e criar alternativas a elas, o que veio a ser conhecido como Acesso Aberto. Ele comenta que a publicação de um trabalho científico continua a exigir a transferência de direitos do autor para a editora ou repositório, mas a diferença é que os contratos envolvendo o acesso aberto não precisam exigir exclusividade nem têm finalidade comercial.

Base tecnológica

Constituído a partir da intersecção entre a visão crítica sobre a indústria editorial científica e o aumento das possibilidades de compartilhamento de informações entre usuários na internet, o acesso aberto tem a tecnologia como uma de suas bases.  “Infraestrutura adequada facilita o acesso à informação de maneira geral. Nesse caso, em que estamos trabalhando com acesso aberto, isso é fundamental”, resume Paulo Marques, membro da equipe executiva do Repositório Institucional Arca.

Marques conta que o processo de desenvolvimento do Arca, iniciado ainda em 2009 a partir de um projeto do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (LICTS/Icict/Fiocruz), envolveu a análise de vários produtos tecnológicos disponíveis. Antes das escolhas definitivas, entretanto, os sistemas utilizados no repositório institucional da Fiocruz foram avaliados a partir de critérios como: possibilidade de crescimento do conteúdo; escalabilidade de software (prevendo o aumento do número de acessos); facilidade de configuração; entre outros.

O resultado foi a escolha do DSpace como ferramenta de interface com o usuário, o PostgreSQL como sistema de base de dados, o TomCat para servidor de aplicação e o Linux como sistema operacional. “Todos têm código aberto e livre e esse também foi um critério de escolha”, acrescenta. Marques comenta que especialmente o Dspace é uma tendência mundial, verificada em diversos repositórios institucionais. “Fizemos um levantamento em vários países e constatamos que Portugal, que é um dos países precursores do acesso aberto, usa a ferramenta; e que ela também é difundida no Canadá, onde das 15 maiores  universidades em números de alunos, 13 utilizam DSpace”.

O sucesso da ferramenta, na avaliação do especialista, deve-se ao fato de ela ser simples para o usuário e poderosa no quesito de customização. No caso da Fiocruz, por exemplo, a organização da produção científica e tecnológica se deu a partir da customização das Comunidades (primeiro nível de organização do DSpace) presente na ferramenta, com cada uma das unidades da instituição e as Coleções (segundo nível de organização), com as tipologias de arquivos a serem depositados.

O repositório, afinal, poderá receber arquivos de teses, dissertações, artigos científicos, livros, capítulos de livros, trabalhos de conclusão de cursos (TCC), fotos, vídeos, relatórios de pesquisa e muitas outras tipologias. E outro benefício da ferramenta é que os formulários puderam ser elaborados conforme o tipo de documento, simplificando-os. “Se um usuário quer depositar uma tese, o campo sobre o tempo em minutos não vai aparecer para ele da mesma forma que não aparecerá o campo sobre número de páginas para quem quer depositar um vídeo”, resume.

Entrevista:

Para entender os Direitos Autorais no acesso aberto

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O pesquisador Allan Rocha de Souza, consultor sobre direitos autorais para a Fiocruz, esclarece alguns aspectos do Direito Autoral para os casos de arquivamento em repositórios institucionais.

Quando uma publicação científica exige exclusividade de um artigo, esse mesmo artigo pode estar depositado no repositório da instituição em que o pesquisador atua?

Em geral não há qualquer conflito entre os contratos de direitos autorais com as editoras e o simples depósito do artigo no Repositório Institucional, desde que - no caso de a editora ter a exclusividade da publicação - esteja sob embargo, evitando sua divulgação pública durante o período que o embargo exigir. Isso permite um tempo de exploração exclusiva por parte da editora do periódico sobre os direitos patrimoniais referentes ao artigo.  Um número razoável de editoras já desenvolveu ou está em vias de desenvolvimento de uma política de publicação que considera a prática do acesso aberto, com ou sem embargo. É quase sempre uma questão de solicitação e negociação.

Poderia explicar o que são direitos morais e patrimoniais?

Direitos morais são direitos de ordem pessoal. Não podem ser contratualmente transferidos e podem ser genericamente classificados em quatro grandes categorias: paternidade, que é o direito de ter o seu nome atrelado a qualquer divulgação da obra; comunicação, que é o direito de comunicar ou não a obra ao público, mantendo ou não a obra inédita e também de, em circunstâncias específicas, retirar a obra de circulação; modificação, que é o direito de modificar, autorizar a modificação ou se opor a esta garantindo a integridade da obra; e acesso a exemplar raro da obra, para fins de compor sua memória intelectual.

Direitos patrimoniais são os direitos de natureza econômica e podem ser transferidos total ou parcialmente. Por exemplo: pode haver uma cessão de direitos para uma editora publicar o texto apenas em português e em versão digital. Essa transferência pode ser feita por meio de contratos de cessão ou licenciamento de direitos. Quando não há transferência, os direitos patrimoniais pertencem aos autores, que são seus titulares originais.

No caso do acesso aberto à informação, o direito moral sobre a obra é preservado, certo? O que significa isso exatamente?

Isso quer dizer que ninguém estará autorizado usar a obra como se fosse de sua auotoria, substituindo o nome do autor, ou mutilar a obra, afetando a sua integridade.

Por outro lado, o direito patrimonial deixa de ser exercido tanto pelo autor quanto pela instituição ou agência financiadora, uma vez que o conteúdo é disponibilizado gratuita e livremente. É isso mesmo?

Não. Os direitos obtidos pela instituição junto aos autores são de caráter não exclusivo e unicamente para fins não comerciais. Isso quer dizer que tanto os autores como a instituição poderão continuar a usar livremente estes direitos para fins não comerciais, ao passo que os direitos morais e os de uso para fins comerciais continuam reservados exclusivamente aos autores.

No caso de trabalhos com possibilidade de patenteabilidade ou relacionados com a produção industrial, como se resolve a questão acesso aberto x sigilo industrial x sigilo comercial?

A figura do embargo – já prevista na lei de propriedade industrial – assegura a compatibilidade entre estes interesses. Nestes casos a obra ficaria depositada mas não disponível. Em alguns casos, apenas alguns poucos dados da obra estariam disponibilizados ou mesmo inseridos no sistema, mas isso não é algo problemático.

 

 

 

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