Entrevista: Wilson Couto Borges

por
Cristiane d'Avila
,
05/05/2016
Inova Icict - Em sua avaliação, como o campo da comunicação vem sendo construído no Icict?

Wilson Borges: Diria que com muito trabalho, especialmente porque majoritariamente a comunicação é sempre vista como uma estratégia para informar melhor. Ou seja, ela é vista como uma ferramenta que torna a transmissão da informação mais eficiente. Mas, concretamente, essa é uma forma de conceber a comunicação superada, pelo menos do ponto de vista intelectual, há umas cinco décadas. Autores como Paulo Freire, Jesus Martin-Barbero, Mikhail Bakhtin, Néstor Garcia Canclini, já destacaram e apontaram os limites dessa comunicação "instrumental". Isso acaba nos colocando num lugar delicado, porque trabalhar com a noção de que a comunicação é um processo, é um circuito, que todos são interlocutores, não produz resultados de curto-prazo. Pelo contrário, há casos em que as transformações demoram muito tempo para acontecer. Tivemos um exemplo bem significativo à época da pesquisa que fizemos aqui para a Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS) sobre a H1N1.

No início da "crise", a fala do ministro apontava sempre para a noção de ruídos na comunicação, que atrapalhava a compreensão da população sobre os "reais" efeitos da doença. Após a pesquisa e a elaboração do relatório, colhemos informações em que o José Gomes Temporão já passava a falar, através da imprensa, em disputa por sentidos. Não é uma mudança simples ou trivial, mas levou meses para acontecer. O que quero dizer com isso é que um processo semelhante acontece dentro do Icict. Como com a informação - e aqui não vai nenhum juízo de valor - os produtos são mais palpáveis: um sistema de informação, uma base de dados, um site, são resultados em que todo o esforço da pesquisa, todo o processo de investigação ganha imediatamente uma visibilidade. Com a comunicação, não. Os resultados são mais paulatinos e processuais e levamos muito tempo para "entregar um produto". Mas, diria que a própria mudança de visão do Icict, que hoje incorpora a dimensão da comunicação com esses preceitos, materializada na participação de pesquisadores vinculados ao Laces em atividades que envolvem outros setores, é uma evidência dessa mudança de perspectiva.

Inova Icict - Como o Icict vem contribuindo para a consolidação do campo de comunicação e saúde?

Wilson Borges: Há iniciativas, a exemplo da que mencionei na resposta anterior, que mostram que o Icict vem mudando a forma de ver a comunicação. Mas, quando se cobra publicamente "o produto de algumas pesquisas em comunicação e saúde", minha percepção é que voltamos a tomar a comunicação como instrumento e não como processo. Veja, eu diria que a existência da Especialização em Comunicação e Saúde (há mais de uma década), assim como a presença da Comunicação e Saúde no Programa de Pós-Graduação em Informação Comunicação e Saúde são evidencias de que o Icict vem tentando contribuir para fortalecimento do campo. Esse apoio, acredito, tem sido fundamental para que, no que diz respeito à Comunicação e Saúde, vários pesquisadores do Laces sejam convidados para participar ou mesmo protagonizar iniciativas inerentes ao campo. Lógico, isso é sintoma de que o Icict conta hoje com profissionais aptos a exercer algum tipo de influência, nos debates, na formação de quadros, de expertise para a Comunicação e Saúde. Mas, acho que ainda é uma participação muito tímida da nossa unidade.

Por que digo isso? Porque mesmo dentro do Icict, em vários casos onde a comunicação é convocada à participar ela o é a reboque daquilo que pode melhorar na "entrega" da informação à população. Poucas vezes somos chamados a pensar junto sobre se, de fato, é aquela informação que está sendo fornecida que a população está demandando. Te dou um exemplo. Posso ter um site em que todas as informações sobre saúde estejam disponíveis (é um exercício bem ficcional, pois creio ser difícil um espaço que abarque todas as informações sobre saúde). Os sujeitos que poderiam demandar tais conteúdos têm acesso à internet? Têm smartphone ou PC para acessá-las? Moram em uma residência que disponha de eletricidade? Estão preocupados em acessar alguma informação sobre saúde ou com a procura de um emprego? Veja, são questões em que a oferta de informações não resolve - não sei também se buscam resolver. O que quero destacar com isso é que para a comunicação todos os elementos que aqui aponto como pergunta são centrais num processo de diálogo entre interlocutores.

Inova Icict - Como o Icict pode colaborar para a elaboração de uma política de comunicação na Fiocruz?

Wilson Borges: Creio que um primeiro movimento seja o que alargar a compreensão sobre as potencialidades/dificuldades de se conceber a comunicar como processo, como circuito, ou múltiplos circuitos (se levarmos em conta as potencialidades da rede). Essa ampliação levaria a um amadurecimento do que a comunicação, inclusive junto com a informação, pode trazer para o campo e para a saúde em particular. Outro movimento seria o de disputar sentidos na direção da construção de uma comunicação que vai além da instrumentalização para uma comunicação institucional mais eficiente. Veja, embora a comunicação da Fiocruz fique, em larga medida, à cargo da CCS e da Presidência, esse processo não pode ficar restrito a se encontrar formas mais eficientes de se comunicar. Nesse sentido, é tão importante o que tem a contribuir os pesquisadores que trabalham como comunicação e saúde quanto o são aqueles que desenvolvem processo para potencializá-la. Ou seja, se o debate já nasce enviesado pelo interesse numa melhor forma de se comunicar creio que a própria formulação da política pode não encontrar ressonância nos interlocutores internos e externos.

Inova Icict - Como você avalia a comunicação praticada no Icict em seus mais diversos setores?

Wilson Borges: Creio que parte dessa resposta já veio sendo antecipada nas respostas dadas às perguntas precedentes. De qualquer forma, minha percepção é a de que, no mais das vezes, nos esmeramos em aumentar nosso poder de difusão, mas não de comunicação. Não quero aqui ficar tecendo comentários sobre todas as iniciativas realizadas pelo Icict no que diz respeito à comunicação. Entretanto, o que percebo é que em muitos casos usamos a interatividade permitida/fomentada pelas redes como sinônimo de interação comunicacional. Tento explicar melhor. Pelo primeira, entendo o processo pelo qual a interatividade funciona à moda de um feedback. Por que? Porque lançamos uma informação, uma pergunta, uma questão, e damos as “opções” para o receptor “escolher”. No limite, trata-se de uma escolha condicionada, tutelada. O sujeito não tem muito espaço para demandar, mas para responder à demanda de quem lhe oferece os dados. A interação implica um processo em que precisamos estar preparados para lidar com a demanda. É o que acontece, por exemplo, quando fazemos pesquisas e a escuta é ampliada. Para tentar dar mais concretude ao que estou dizendo, cito a conclusão de uma pesquisa que realizamos aqui pelo Laces. Um dos resultados apontados é que o WhatsApp vem sendo utilizado como ferramenta para melhorar a comunicação entre profissionais de saúde. No entanto, pelos depoimentos fornecidos, as chamadas “rodas de conversa” se revelaram uma estratégia muito potente na exata medida em que, ao aproximar esse mesmo conjunto de profissionais, nessa interação face a face, a possibilidade de ser perceber as mudanças de expressão, o cansaço, as dificuldades para o deslocamento e as ações cotidianas e se tratar sobre elas produziram efeitos muito mais concretos.

Inova Icict - Em sua avaliação, quais os marcos históricos da construção dessa comunicação no instituto?

Não tenho muitos anos de Fundação, mas, da comunicação como processo, como interação, creio que remonte aos primeiros trabalhos desenvolvidos pela Áurea Maria da Rocha Pitta, ainda como uma componente do Departamento de Comunicação e Saúde (DCS), do CICT. Dentro dessa mesma estrutura administrativa, a criação do Núcleo de Pesquisa em Comunicação e Saúde (NEPCOM), do qual participei como bolsista ao longo de pouco mais de três anos. Outra importante iniciativa foi a criação do curso de Especialização em Comunicação e Saúde, que à época era oferecido tanto aqui na sede quanto em outros estados da Federação. A criação do Laboratório de Pesquisa em Comunicação e Saúde (Laces) também foi fundamental para a incorporação da comunicação como dimensão estratégica para a unidade. Não poderíamos de deixar de mencionar a criação do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), que acabou contribuindo para o crescimento do protagonismo do próprio Icict na formação de quadro para o SUS com a percepção de uma comunicação diferente daquela majoritariamente praticada. É importante mencionar que, a despeito desses avanços, ainda há muito o que fazer na direção de ampliarmos a compreensão das potencialidades que esse tipo de comunicação que defendemos traz, seja para a unidade, para a Fundação, seja para a própria sociedade.

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