Debate no Icict abre comemorações pelos 25 anos do SUS na Fiocruz

por
Cristiane d'Avila
,
11/06/2013

Com citações de Ulisses Guimarães extraídas do texto da Constituição de 1988, o pesquisador José Noronha, professor do Programa de Pós-gradução em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict) e diretor do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), abriu no Icict a série de celebrações que ocorrerão na Fiocruz lembrando a criação do SUS e do direito à saúde, e em comemoração ao 25º aniversário da promulgação da Constituição, quando foram lançadas as bases do SUS. O debate, que originalmente seria a aula de encerramento da disciplina “Fundamentos Teóricos da Saúde, Ciência e Tecnologia’, ministrada pelos professores Maria Cristina Guimarães e José Noronha, do PPGICS, pela relevância do tema ganhou a dimensão de um evento, do qual participaram a presidente do Conselho Nacional de Saúde, Maria do Socorro de Souza, a deputada federal Jandira Feghali, a pesquisadora Lígia Bahia e o diretor do Icict, Umberto Trigueiros. A mediação foi de José Noronha.

Com o tema “Futuro do Sistema de Saúde Brasileiro, 25 anos depois da Constituição Cidadã – A participação do Icict nas comemorações do 25º aniversário da Constituição da República Federativa do Brasil”, o debate transcorreu por mais de três horas, com intervenções críticas e aprofundadas sobre um sistema que chega aos 25 anos com falhas, mas também muitas conquistas.

Reflexões contundentes sobre a gestão de um sistema que preza pela universalidade e a integralidade de seus serviços a toda a população brasileira pautou a fala de Lígia Bahia. A pesquisadora do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) fez pesadas críticas ao atual modelo econômico do governo brasileiro e às coalizões políticas, inclusive de grupos de esquerda, que estão apoiando a privatização do Estado. “As coalizões que sustentam a privatização incluem desde as entidades médicas que se associam à Unimed, à associação de grupos políticos com os bancos de investimentos. Essas coalizões são muito antidemocráticas. A agenda delas é falar para a nova classe média, é esquecer o SUS, é falar para quem tem plano de saúde ou vai ter”.

Lígia Bahia reconhece a atual fragilidade do SUS, mas ressaltou a importância de iniciativas como os Bancos de Leite Humano, ligados à Fiocruz por conta da Rede BLH-BR, os avanços no tratamento da aids e a luta antimanicomial. “São movimentos que ajudam a empurrar o SUS para a frente. Mas precisamos ampliar a oferta pública, a privatização está ganhando. Temos hoje um pacto de desigualdade sólido, intermediado pela política fiscal, extremamente regressiva.  Quem discute hoje com o núcleo duro do governo sobre saúde infelizmente não somos nós, os movimentos sociais”, completa.

A agenda da saúde na mídia foi o tema da apresentação de Umberto Trigueiros. Lembrando os tempos em que atuava como repórter em jornais do Rio, contou que teve a oportunidade de ver nos grandes hospitais de emergência pessoas que não tinham como ser atendidas, e que eram assistidas somente em santas casas. “Isso o SUS procurou atingir desde o início, com a cobertura universal. Mas muitas concessões foram feitas para que o sistema fosse implantado, e a mídia reflete essas lutas por espaços de poder”.

Para Umberto, a mídia prefere cobrir o que não funciona do que dar espaço a programas de promoção da saúde. “A mesma mídia que cobra a sobrecarga de impostos não questiona porque esse dinheiro não vai para o SUS. As grandes questões do SUS não são discutidas, porque a mídia não dá relevância a um sistema criado no Brasil que atende a população e é sustentado pela sociedade. Isso só vai se inverter com a mobilização social, pois há, inclusive no governo atual, absoluta dificuldade em se debater políticas de comunicação para a saúde”.

“O movimento sindical politizou muito pouco a pauta da saúde. Hoje só se debate o que interessa a grandes grupos financeiros. Construímos um projeto de pais com pouca crítica ao modelo de desenvolvimento, um pais de milhões de analfabetos, onda a cultura do clientelismo prevalece. Que SUS teremos daqui há 25 anos?”, provocou Maria do Socorro de Souza.

A presidente do CNS citou experiências pessoais de falhas do atendimento do SUS, motivo de duras críticas da sociedade ao sistema, e a falta de investimento do Ministério da Saúde na atenção básica. “Se ainda temos um país dependente de todos esses investimentos, como podemos construir um sistema de modelo universal? Não rompemos com a cultura da dependência, conservadora, boa parte da esquerda está no congresso defendendo projetos do governos e autorizando o poder conservador a determinar a pauta para a sociedade. É na fila do SUS que está o lugar de debate”, considerou Maria do Socorro.

Relatora do Projeto de Lei Complementar 48/11 na Comissão de Seguridade Social e Família, em tramitação na Câmara dos Deputados, que cria a Contribuição Social Sobre Grandes Fortunas, Jandira Feghali também criticou o modelo econômico atual. “No debate sobe saúde, a qualidade de vida das pessoas é o fim, todo o resto é o meio. Nossos pilares macroeconômicos estão mantidos. Hoje 48% dos tributos estão sobre bens e serviços, e isso incide sobre os mais pobres. Hoje não se paga IPVA sobre aviões particulares e iates. A riqueza não paga tributo, não temos redistribuição de renda, a riqueza ainda está concentrada. Tributar a riqueza é um desafio que os governos não conseguiram enfrentar”, pontuou.

“Precisamos investir em inovação tecnológica, não podemos mais exportar produtos primários, precisamos apostar em inovação, em produtividade diferenciada. Não possemos ter como único projeto de distribuição de renda os programas sociais, pois esses programas tem limites, precisam estar acompanhados de outros. Precisamos de um programa estruturante. Na saúde, buscamos a universalidade, mas estamos vivendo um imenso risco de retrocesso”, completou Feghali.

O evento contou com a presença do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, do presidente do Sindicato Nacional dos Servidores da Fiocruz (Asfoc-SN), Paulo Garrido, e dos vice-presidentes da Fiocruz Nísia Trindade e Valcler Rangel.

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Público presente ao debate sobre os 25 anos do SUS no Icict
Jandira Feghali no debate sobre os 25 do SUS no Icict
Ligia Bahia no debate sobre os 25 anos do SUS no Icict
Maria do Socorro de Souza no debate sobre os 25 anos do SUS no Icict
Umberto Trigueiros no debate sobre os 25 anos do SUS no Icict

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