Fiocruz acelera ações de acessibilidade para enfrentar avanço da pandemia

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Assessoria de Comunicação do Icict/Fiocruz
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29/07/2020

Um cego que anda pelas ruas da cidade pode ter que tocar em superfícies (como paredes e corrimões) e precisar do apoio de outras pessoas para achar seu caminho. Mas, tocando em diferentes superfícies, ou falando com pessoas que ele não sabe se estão usando máscara, como evitar a contaminação pelo novo coronavírus? Já as pessoas surdas precisam de legendas ou tradução em Libras (Língua Brasileira de Sinais) para ter acesso às inúmeras informações sobre a Covid-19 transmitidas quase sem parar pelas TVs. 

Antes da epidemia, quem é cego, surdo, cadeirante ou tem algum tipo de deficiência física ou intelectual já enfrentava várias barreiras em seu cotidiano. Aí, veio a Covid-19 com suas inúmeras e imprevisíveis consequências sociais e econômicas. E novos desafios surgiram para a acessibilidade.

Fabrício Romero Saavedra, administrador em Gestão de Saúde do Centro de Saúde Escola Germano Sinval Faria (CSEGSF) da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (ENSP/Fiocruz), é cadeirante desde 2002 por conta de um acidente doméstico. Com a chegada da epidemia, seu dia a dia sofreu dois impactos grandes. O primeiro foi a interrupção dos treinos de canoa polinésia, às terças e quintas-feiras, e das aulas de musculação em academia, às segundas, quartas e sextas. O outro foi a higienização da cadeira de rodas, coisa que nunca precisou fazer. Além disso, ao passar álcool em gel nas mãos, deparou-se com novo problema quando está na rua: fica difícil segurar o aço das rodas, as mãos molhadas de álcool escorregam, dificultando o controle da cadeira.


Pandemia acirrou questões de mobilidade para pessoas com deficiência. Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil/CC)

Já Rafaela Sousa de Araújo, assistente administrativa II da Coordenação-Geral de Infraestrutura dos Campi da Fiocruz (Cogic), conta que o uso das máscaras acabou representando uma dificuldade nova e de forte impacto para ela, que é surda: “Não é possível fazer a leitura labial”. A comunicação, acrescenta, sempre foi uma grande dificuldade social para os surdos e a sociedade em geral evolui de forma lenta nesse aspecto: “Soube que o prefeito Marcelo Crivella anunciou que hospitais terão intérpretes de Libras. É um avanço, mas o certo seria ter em todos os lugares, como clínicas, bancos, órgãos judiciais etc”. 

Na questão dos exercícios interrompidos, Fabricio acabou achando uma solução inovadora, que ele mesmo contribuiu para criar. Ligou para a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação, procurando orientação sobre a realização de exercícios em casa para cadeirantes, e conversou com um professor de Educação Física sobre a questão. Alguns dias depois, recebeu uma ligação do professor propondo a criação de uma turma de cadeirantes online, através da plataforma Meet, para realização de exercícios diários de alongamento, pela web, específicos para cadeirantes. Ele está adorando a turma, que começou com duas aulas semanais e agora são diárias, meia hora por dia, e já conta com seis alunos cadeirantes. 

A questão da acessibilidade já vem sendo discutida internamente na Fiocruz há um bom tempo. Desde 2015 funciona dentro do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict) o Grupo de Trabalho sobre Acessibilidade. Em maio de 2017, foi lançado o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência. E em setembro de 2019 foi publicada a Política da Fiocruz para Acessibilidade e Inclusão das Pessoas com Deficiência, com o objetivo de promover, internamente, práticas mais inclusivas e acessíveis.

Porém, com a epidemia, a discussão ganhou nova relevância. Rapidamente o Comitê Fiocruz e o GT do Icict perceberam que a falta de garantia de direitos e o não reconhecimento das demandas ampliaram os desafios para as pessoas com alguma deficiência. 

Por isso, em maio o Comitê Fiocruz pela Acessibilidade realizou um encontro on-line para discutir esses impactos, com a participação de trabalhadores da instituição. Participaram do encontro um trabalhador surdo, um cadeirante e um familiar de criança com síndrome de Down. Na conversa, trocaram informações e reflexões sobre as dificuldades enfrentadas diante da epidemia. Algumas questões levantadas: nas ruas ou em um supermercado, como garantir a higienização da cadeira de rodas? As informações de prevenção são passadas em Libras? Como tem sido a rotina escolar a distância para crianças com síndrome de Down?  

Ações mais acessíveis em tempos de epidemia 

Além do encontro online, o Comitê Fiocruz tem apoiado a tradução para Libras de vídeos institucionais com informações sobre Covid-19, a partir da atuação dos intérpretes vinculados ao Projeto Empregabilidade Social da Pessoa Surda, da Cooperação Social da Presidência da Fiocruz, e ao Programa Fiocruz Saudável. As assessorias de comunicação das unidades da instituição foram mobilizadas para encaminhar seus vídeos ao Comitê que, por sua vez, vem traduzindo o material. 

“A partir dessa iniciativa, já traduzimos cerca de 70 vídeos da Fiocruz com informações diversas sobre o novo coronavírus para a população. Ainda temos muito a fazer para ampliar os recursos de acessibilidade nos nossos materiais audiovisuais, mas a tradução para língua de sinais é um caminho no sentido de disseminarmos conteúdos acessíveis e garantirmos o direito à comunicação”, explica Marina Maria, integrante do Comitê e também do GT Acessibilidade Icict. 

Os vídeos institucionais sobre Covid-19 acessíveis estão disponíveis na área especial sobre a doença, no Portal Fiocruz, e também na Biblioteca Virtual de Saúde Fiocruz, organizada pela seção de Informação do Centro de Tecnologia da Informação e Comunicação em Saúde (CTIC) do Icict.


Marina Maria. Foto: Raquel Portugal/Icict-Fiocruz 

Outra ação importante foi a reabertura do curso “Acessibilidade e os princípios do SUS: formação básica para trabalhadores da saúde”, realizado pelo GT Acessibilidade Icict e disponível no Campus Virtual Fiocruz.  O curso foi lançado em 2019 e retomado agora para ajudar no desenvolvimento e atualização de profissionais de saúde neste contexto de Covid-19. O conteúdo traz informação sobre práticas mais acessíveis e inclusivas no atendimento em saúde, sobretudo com base nas demandas de pessoas surdas, e é oferecido na modalidade de educação a distância (EAD), online. As inscrições podem ser feitas pelo site do Campus Virtual Fiocruz e, embora voltado a profissionais da área de saúde, pode ser feito por qualquer pessoa interessada no tema.

“Há muito conteúdo sobre Covid-19 sendo gerado e publicado pelas diversas áreas da Fiocruz, diariamente. Esse conteúdo precisa estar completamente acessível. Já temos em nosso portal uma área para vídeos com Libras, mas precisamos melhorar ainda em pontos como a descrição das imagens, que é essencial para os cegos. Por isso, estamos criando uma metodologia para capacitar jornalistas e conteudistas da Fiocruz sobre a descrição das imagens publicadas, fundamental para pessoas cegas”, conta Valéria Machado, do GT sobre Acessibilidade do Icict e também coordenadora do curso “Acessibilidade e os Princípios do SUS”. 

Valéria relata que um dos desafios encontrados foram os cards de informações, disponíveis para download no Portal Fiocruz para compartilhamento em redes sociais. Além de uma descrição textual, os cards precisam de uma versão em PDF acessível, somente com o texto, que possa ser baixada e compartilhada nas redes sociais.

“Verificamos que a legibilidade de alguns cards não estava boa, faltava contraste, dificultando sua leitura por pessoas com deficiência visual parcial. Conversamos com a equipe do Portal Fiocruz e planejamos elaborar uma orientação específica para os designers da Fiocruz, abordando itens como tipos de fontes mais adequadas, percentual mínimo de contraste do texto com o fundo, tamanho do texto, levando-se em consideração sua visualização na tela dos celulares, entre outros pontos importantes para ampliar a acessibilidade ”, conta Valéria.

Marina lembra que, além do visual, a linguagem textual precisa ser pensada nos materiais informativos. Por exemplo, adotar linguagem simplificada, com mensagens objetivas, diretas, sem jargões técnicos demais, pode facilitar a compreensão mais ampla e é indicado para a acessibilidade na informação para pessoas com deficiência intelectual. “Ao produzirmos conteúdos com muitos termos técnicos e informação pouco objetiva podemos gerar barreiras comunicacionais, em vez de fortalecer o direito ao acesso. Precisamos rever essa prática”, conta. 

A partir do desenvolvimento do curso “Acessibilidade e os Princípios do SUS”, ela destaca também a questão vital da acessibilidade no atendimento médico: 
“Uma pessoa surda que chegue a um hospital ou posto de saúde que não tenha intérprete de Libras já encontrará uma barreira de cara, que poderá ter sérias consequências, pois ela não conseguirá explicar direito o que seu corpo sente, qual o seu problema e sua dor. Há previsão legal para a disponibilização de intérprete de Libras mediante aviso prévio, e o serviço é oferecido em algumas cidades. Mas no caso de um setor de atendimento de emergência, como agendar?”

Valéria complementa chamando atenção para o aumento do volume de conteúdo produzido na Fundação neste contexto de Covid-19. O GT Acessibilidade Icict tem buscado uma “visão do todo” ao pensar na produção de informação, o que, para ela, facilita a identificação e a solução dos problemas para ampliar o acesso. “Apesar desses tempos difíceis que estamos vivendo, a acessibilidade está avançando na Fiocruz. Precisamos aproveitar e fortalecer essa oportunidade”, conclui.

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