Importância dos Bancos de Leite Humano para a saúde global continua na Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

por
Raíza Tourinho
,
15/09/2015

Um dos principais objetivos dos representantes da Rede Latino-ibero-afro-americana de Bancos de Leite Humano (rBLH) no II Fórum ABC/Fiocruz/Ministério da Saúde de Cooperação Internacional em Bancos de Leite Humano, a ser realizado de 21 a 25 de setembro em Brasília, é consolidar as estratégias de atuação frente a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável para o setor saúde.

O protagonismo resultante dos impactos positivos na saúde materno-infantil que a rBLH construiu diante dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM) – especialmente em relação ao quarto objetivo, referente à redução da mortalidade infantil – deve se manter diante das novas metas estabelecidas pela Organização das Nações Unidas (ONU), os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS). A meta ODM 4 continua incluída na nova agenda global, visto que embora a redução tenha sido significativa (cerca de 50%, segundo a Unicef), a meta de reduzir em dois terços em relação a 1990 ainda não foi atingida.

Em 2001, a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano, coordenada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), como uma das ações que mais contribuiu para a redução da mortalidade infantil no mundo, na década de 1990. A visibilidade gerada a partir disso tornou o Brasil referência mundial no tema, sendo a rBLH-BR, composta por 24 países, a maior e mais complexa rede de bancos de leite humano do mundo atualmente. De 2012 até hoje, a taxa de mortalidade infantil no Brasil caiu 70,5%, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A cooperação técnica internacional em Bancos de Leite Humano, fruto da ação integrada entre a Fiocruz e a Agência Brasileira de Cooperação (ABC/MRE), foi reconhecida pelas Agências das Nações Unidas como um exemplo de êxito na cooperação Sul-Sul, além de ser considerado um caso de cooperação Sul-Norte, visto que se estende aos países da Península Ibérica (Portugal e Espanha). A rBLH possui 292 bancos de leite em países da Península Ibérica, África, América Latina e Caribe, beneficiando mais de 1 milhão de recém-nascidos.

Cooperação internacional: transferência de princípios

O modelo brasileiro de bancos de leite humano se destaca de outros modelos, por funcionar como um centro de proteção, promoção e apoio ao aleitamento materno. Todo o leite coletado passa por um rigoroso controle de qualidade e é fornecido conforme as necessidades de cada bebê. As orientações e apoio oferecidos para estimular o aleitamento materno situa a saúde da criança e da mãe em um contexto mais amplo da saúde pública. De acordo com a Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), somente com a amamentação já é possível reduzir a mortalidade infantil em 13%.

Outro diferencial aprimorado no Brasil foi o desenvolvimento de soluções tecnológicas de baixo custo, mas com alta qualidade. O exemplo mais emblemático são os frascos para o condicionamento de leite. Até 1985, o Brasil importava frascos feitos internamente de silicone, o que gerava um custo alto. Diversos materiais foram testados como alternativa, e descobriu-se que os frascos recicláveis de vidro com tampas rosqueáveis, como o de maionese ou de café solúvel, não apresentavam diferenças significativas em termos imunológicos ou microbiológicos dos importados. Essa inovação representou uma redução de custos em torno 85%.

Em relação a Cooperação Internacional, a rBLH visa uma cooperação horizontal, baseada no princípio de não interferência em assuntos internos, no diálogo inclusivo e aprendizado mútuo, estabelecendo canais abertos e transparentes com os países parceiros. O objetivo final é gerar autossuficiência nos países.

“É válido ressaltar que visamos uma cooperação baseada não apenas na transferência de tecnologia, mas de princípios: a rede é uma estratégia de qualificação técnica e ambiental em termos de segurança alimentar e nutricional. Não importa se o banco está na África, na Guatemala, em El Salvador ou na Espanha: a metodologia de controle de qualidade é a mesma em qualquer banco de leite da rede”, explica o coordenador da rBLH, João Aprigio de Guerra Almeida. 

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável

Recém-publicado, o relatório da Organização Mundial de Saúde (OMS) e do Fundo das Nações Unidas para Infância (Unicef) Committing to Child Survival indica que a taxa de mortalidade infantil em todo o mundo caiu 53% entre 1990 e 2015. Este ano, a taxa deve ficar abaixo de seis milhões (5,9 mi), enquanto há 25 anos 12,7 milhões de crianças abaixo de cinco anos morriam anualmente, principalmente por causas evitáveis.

Contudo, ainda é necessário manter o objetivo em foco para que a meta de redução da mortalidade infantil em dois terços seja atingida.  Assim, a Unicef propôs que esta meta fosse renovada na proposição do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 3: “Garantir uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades”. Se a meta for alcançada, a estimativa do Fundo é que 38 milhões de crianças serão salvas de 2016 a 2030.

Os ODS foram propostos após a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável (Rio+20) para suceder os ODMs, e deverão incorporar as três dimensões do desenvolvimento sustentável (ambiental, social e econômica) e suas interconexões. O texto final do documento será aprovado na Assembleia Geral da ONU, no final de setembro deste ano.

Para situar a Rede dentro desse cenário, no primeiro dia do Fórum (21), o médico e diretor do Centro de Relações Internacionais em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Cris/Fiocruz), Paulo Buss, realizará a conferência “A rBLH no contexto da Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável”. A distribuição de leite humano com qualidade para bebês prematuros e de baixo peso, além do estímulo à amamentação, são ações essenciais para o alcance da referida meta.

Entre as causas da mortalidade infantil encontram-se doenças evitáveis como pneumonia, diarreia e malária, mas aproximadamente metade dos casos se dá devido à desnutrição, cujo declínio ainda é mais lento do que o das outras causas, conforme apontou o relatório. Além disso, os primeiros dias de vida são fundamentais para se mudar este quadro, uma vez que cerca de 45% das mortes de crianças até os cinco anos ocorrem antes que a criança complete um mês de vida.

“Já são mais de 20 anos de cooperações construídas. Os ganhos para todos os envolvidos são numerosos, já que é muito gratificante o trabalho realizado: quando vemos que um bebê recém-nascido, que não tinha condições de sobreviver sem o auxílio do banco de leite humano, está cuidado e já consegue absorver e digerir nutrientes sozinho, com uma mãe igualmente amparada, podemos constatar que todo o empenho para a consolidação de uma rede de qualidade vale muito a pena”, afirma Almeida.

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