Modelo de desenvolvimento, riscos e impactos ambientais pautam debate no Icict

por
André Bezerra (Ascom/Icict) e Daniela Lessa (Portal Fiocruz)
,
02/04/2019

O modelo de desenvolvimento brasileiro e a produção de desastres foram o tema da aula inaugural do Icict, realizada no dia 19/03, no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos. Concebida a partir da discussão sobre as causas e efeitos de tragédias como as ocorridas nesse ano em Brumadinho, e em 2015, em Mariana, ambas em Minas Gerais, em barragens de mineração, o evento reuniu estudantes dos cursos do Icict, pesquisadores e docentes e profissionais das áreas de informação, comunicação e saúde.

Na palestra de abertura, o pesquisador do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional (IPPUR/UFRJ) Carlos Vainer abordou, inicialmente, o evento mais recente, que ainda traz desdobramentos no município de Brumadinho e arredores. “O desastre da Vale em Brumadinho é, na verdade, um crime”, afirmou. Segundo ele, existem formas conhecidas de evitá-lo, mitigá-lo e repará-lo, mas que não são adotadas porque há um modelo econômico-político que acaba por facilitar a ocorrência e a repetição de desastres desse tipo.

A impunidade está no cerne do que analisa como “ciclo infernal da produção de desastres”, composto pelas fases de imprevisão (quando não se avalia corretamente os riscos inerentes a barragens), dano (quando ocorre o desastre), não reparação (quando as empresas não indenizam as vítimas ou o fazem de forma insuficiente e demorada) e a impunidade (quando não se penaliza as empresas). “Com a impunidade, ocorre a virtuosidade do ciclo, e ele se repete”, destaca.


Carlos Vainer (IPPUR/UFRJ), na aula inaugural do Icict/Fiocruz. (Foto: Raquel Portugal - Icict/Fiocruz)

O pesquisador lembra que há uma série de questões geopolíticas e sociais envolvidas em desastres de barragens de rejeitos, como o de Brumadinho e Mariana, e que são reduzidas, na imprensa em geral, apenas a aspectos técnicos, como se a solução fosse exclusivamente um melhor ajuste das condições de instalação da barragem. Ele alerta, entretanto: “não existe barragem segura”.

O Banco Mundial tem uma Comissão Mundial específica para tratar do tema, a Comissão Mundial de Barragens, que produziu um relatório em 1997, já apontando a ineficiência dessas construções em cumprirem as funções anunciadas e, além disso, o conflito inerente entre elas e o interesse público local. “Onde tem barragem, tem arbitrariedade”, assegura Vainer e pontua: “o direito à informação, por exemplo, é violado porque as pessoas não são informadas corretamente dos riscos; o direito à saúde também é atacado pelas profundas mudanças ambientais que as barragens provocam”.

Ele lembra, ainda, que o movimento da construção de barragens tem relações com a geopolítica internacional e o mapa do desenvolvimento mundial, que distribui empreendimentos poluentes, tóxicos e arriscados em países ou regiões designadas como “zonas de sacrifício”. Esses países são justamente os que têm sofrido um processo de “primeirização” (voltando ao setor primário) da sua economia, como é o caso do Brasil, Argentina e México. No Brasil, ele cita, a oscilação do percentual da indústria de transformação ao longo do tempo: 11,9% em 1947, 21,6% em 1986 e 11,8 em 2017.

Visões sobre o risco e as consequências

No debate, dois pesquisadores complementaram a discussão com visões sobre a questão dos riscos à saúde, consequências e seus significados.

No lado direito, a mediadora Cristina Guimarães (Icict), acompanha os debatedores Eliane Lima e Silva (LAGAS/UnB) e Valdir de Castro Oliveira (PPGICS/Icict). (Foto: Raquel Portugal - Icict/Fiocruz)

Após refletir sobre como as escolhas individuais e coletivas impactam a sociedade e o meio ambiente, Eliane Lima e Silva, pesquisadora do Laboratório de Geografia, Ambiente e Saúde (LAGAS), do Departamento de Geografia, da UnB, abordou o risco como consequência de um quadro complexo de comportamentos relacionados ao modelo econômico e de desenvolvimento vigente. "É importante olhar o problema antes que ele culmine no máximo do seu dano", afirmou, destacando o papel de ações e estudos que previnam eventos como os desastres mencionados.

Também participou como debatedor o professor do Programa de Pós-Graduação e Informação e Comunicação em Saúde (PGGICS/Icict/Fiocruz) Valdir de Castro Oliveira. Sua apresentação teve um tom a mais de emoção, pois como morador de Brumadinho, compartilhou como acompanhou os desdobramentos do desastre. "Me coloco não só na condição de estudioso, mas, também, uma vítima desse desastre. Perdi vários entes queridos e estou na luta, no dia a dia, ajudando pessoas, e tentando entender o significado disso, não só para a população, mas para o Brasil", dividiu.

Do ponto de vista da comunicação, fez uma breve análise dos materiais de comunicação utilizados pela empresa Vale destinados à população local, em descompasso com os impactos provenientes do rompimento da barragem. Nesse contexto, também apresentou iniciativas comunitárias de comunicação que vem buscando manter os informados os moradores do município sobre o tema. "A sociedade está buscando se organizar para manter sua segurança e transformar os modos de funcionamento das mineradoras", avaliou.

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