Pesquisadora do Icict integra lista de cientistas mais influentes do mundo

por
Júlia Motta (Icict/Fiocruz)
,
24/11/2020

A trajetória da pesquisadora carioca Celia Landmann Szwarcwald é marcada por pioneirismos. Foi da primeira turma de doutorado da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz). Sua tese foi pioneira ao desenvolver uma metodologia para estimar a mortalidade infantil nos municípios brasileiros. Foi coordenadora do primeiro levantamento a aferir, com abrangência para todo o país, informações detalhadas da saúde da população: a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), de 2013. Servidora pública da Fiocruz desde 1977, tornou-se a primeira pesquisadora do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict) a integrar o ranking dos 100 mil cientistas mais influentes do mundo. Celia está entre os 600 pesquisadores brasileiros — 31 deles da Fiocruz — a compor a lista do Journal Plos Biology, criada a partir de um estudo do impacto da produção científica conduzido pela Universidade de Stanford (EUA).

Formada em Matemática na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1973), tem mestrado em Estatística e Matemática pela University of Rochester (1975), doutorado em Saúde Pública pela Fundação Oswaldo Cruz (1993) e pós-doutorado na Southern Methodist University (1994). É bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq (nível 1A) e, além de pesquisadora, dá aulas e orienta alunos de mestrado e doutorado do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) e da Ensp.

Atualmente, trabalha em pesquisas que analisam o impacto da pandemia da Covid-19 nos hábitos dos brasileiros. Integra a equipe da nova edição da Pesquisa Nacional de Saúde (2019) e coordena um inquérito para avaliar se o Brasil está próximo de eliminar o tracoma, doença infecciosa que causa cegueira e que é estreitamente relacionada à desigualdade social. Além disso, prossegue investigando os contornos da infecção por HIV no país: desta vez, atua em inquéritos comportamentais e na análise da incidência de HIV em subgrupos populacionais de risco à infecção.

Como decidiu ser cientista?

Celia: Quando me formei em Matemática senti a necessidade de usar meus conhecimentos para uma área mais aplicada, pois não queria trabalhar com matemática pura. Minha mãe era geógrafa e historiadora e meu pai era médico [clínico geral] e muito voltado para a promoção da saúde. Ele foi diretor do Hospital Universitário Pedro Ernesto, da Uerj, e era também professor catedrático da Uerj. Comecei a ter interesse pela aproximação entre a Matemática e a Saúde. Queria contribuir com os estudos para a população, e a saúde pública abriu um novo horizonte para mim.

Sentiu dificuldade por ser uma cientista mulher?

Celia: Não senti dificuldade por ser mulher, mas sim pela idade, porque me formei muito cedo, aos 20 anos. Fiz tudo cedo: casei cedo, tive meus dois filhos cedo. Com 22 anos já tinha mestrado completo, e quando comecei a dar aula era mais nova do que os alunos. Em casa, meu marido sempre apoiou a minha carreira e consegui desenvolver o meu trabalho junto às responsabilidades com a família. 

Quais são os desafios de ser um cientista hoje?

Celia: No Brasil, o envelhecimento da população tem gerado mais necessidades de saúde pública, tanto no que se refere à assistência como na promoção da saúde. Um dos nossos grandes desafios, atualmente, é a conscientização da população sobre a importância da adoção de comportamentos saudáveis ao longo da vida, para ter menor risco de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis e maior qualidade de vida na velhice. Superar as permanentes desigualdades brasileiras é outro desafio histórico. O desenvolvimento do SUS e a ampliação da atenção primária em saúde conseguiram diminuir, mas não completamente, as desigualdades em nosso país. As pessoas mais vulneráveis socialmente acabam procurando assistência apenas quando já estão com o estado de saúde deteriorado, têm mais limitações, e menos anos de vida saudáveis. Finalmente, não se pode deixar de falar sobre os desafios no enfrentamento de epidemias de doenças infecciosas, a exemplo da pandemia da Covid-19, que vem provocando danos intensos à saúde da população mundial.

Quais trabalhos são mais importantes em sua carreira?

Celia: A minha tese de doutorado [Estimativas da mortalidade infantil como função da distribuição etária dos óbitos registrados (1993)] considero das mais importantes. Na época da pesquisa, não havia informações fidedignas de mortalidade infantil no Brasil. Desenvolvi métodos para estimar a mortalidade infantil no Brasil, a partir de pesquisas de busca ativa de óbitos não informados ao Ministério da Saúde, em áreas rurais e indígenas. Esse tema provocou grande interesse de países da América Latina que também enfrentavam o mesmo problema. Outras pesquisas que considero de muita relevância são os inquéritos de saúde. Coordenei alguns inquéritos de comportamentos, atitudes e práticas para ter mais conhecimento sobre a adoção de comportamentos de risco às infecções sexualmente transmissíveis. Coordenei também a Pesquisa Mundial de Saúde, em 2003, inquérito de saúde da OMS que foi aplicado em vários países do mundo. Outra pesquisa que tenho muito orgulho de ter coordenado foi a PNS, cuja primeira edição foi realizada em 2013, e forneceu informações detalhadas sobre as condições de saúde da população brasileira. Gosto muito também dos trabalhos em que uso meus conhecimentos de matemática e estatística. Desenvolvi um método para estimação do número de casos novos de HIV, que está sendo usado no Brasil e em outros países.

Como recebeu a notícia de entrar no ranking de cientistas mais influentes do mundo?

Celia: Recebi a notícia pelo meu orientador do doutorado, o Euclides Castilho. Ele ficou orgulhoso e me mandou [a notícia]. Para mim, foi um grande reconhecimento ao meu trabalho.

No que está trabalhando agora?

Celia: Além de seguir na pesquisa de infecção por HIV, na análise e comparação dos dados das duas edições da PNS, coordeno também uma pesquisa de tracoma em populações rurais. Estávamos na fase de fazer o trabalho de campo em áreas indígenas, mas, com a pandemia da Covid-19, tivemos que adiar essa etapa. Também sigo com duas pesquisas pela internet com adultos e adolescentes para avaliar como a pandemia tem provocado mudanças no estilo de vida dos brasileiros.

A senhora está na Fiocruz desde 1977. O que poderia destacar nesse tempo como pesquisadora e professora da instituição?

Celia: Desde que eu entrei na Fiocruz, sempre tive a liberdade de poder escolher os temas de pesquisa. Enquanto eu represento a Fiocruz apresentando novos trabalhos em congressos, em artigos, a Fiocruz sempre confiou e apoiou as minhas pesquisas. É uma via de mão dupla no ato de fazer ciência. Também destaco a área de docência. Já dei muitas aulas e orientei vários alunos de pós-graduação, que hoje são grandes pesquisadores da área de saúde pública. A docência tem uma contribuição muito importante para a ciência, ao formar recursos humanos.

 

Crédito

Foto: Raquel Portugal - Multimeios/Icict/Fiocruz

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