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“O Sistema Único de Saúde está ameaçado pela expansão do setor privado, pelo subfinanciamento publico, pela tímida regulação estatal e limitada participação social. Precisamos de um outro conjunto de estratégias que realinhe as forças políticas que engendraram a reforma sanitária”. Esta foi a conclusão da palestra "Sistema Único de Saúde: impasses e desafios", ministrada por Ana Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), na última terça-feira (13/3), no auditório do Icict.
A palestra abiu a disciplina do professor José Noronha, 'Política e Politicas de Saúde', do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict). No encontro, além de apontar as condições que conduziram o país à reforma sanitária e sublinhar os aspectos subjetivos e objetivos que fizeram do SUS o sistema que é hoje, Ana Costa avaliou dados sobre a saúde no país publicados por pesquisadores da Fiocruz, na edição sobre o Brasil da revista científica The Lancet, em 2011.
“A reforma sanitária não se restringiu à implantação do SUS, pois repousou em um conceito inovador, ampliado, de bem-estar, de cidadania. Estava em questão um modelo que exigia uma outra concepção de estado, já que vivíamos um momento histórico particular, de profunda desigualdade, exclusão de assitência médico-primária e clima político sombrio. Precisamos agora retormar o processo que levou à reforma sanitária e questionar que modelo de estado queremos”, questiona Ana Costa.
Segundo a presidente do Cebes, vivemos em um contexto de mercantilização da saúde, em que a prática privada cresceu de forma autônoma, a despeito do SUS, e “abraçou” o sistema. A saúde tornou-se um mercado sustentado por grandes grupos com diferentes interesses políticos, porém norteados pela lógica do capital e do consumo. “Nas últimas eleições, 62% dos parlamentares receberam subsídios dos planos de saúde para financiar suas campanhas”, revela.
Para a pesquisadora, o senso comum aponta para um SUS que nasceu para ser ruim, e onde hoje circulam distintos interesses neocorporativos. Criou-se, segundo Costa, a ideia de que o sistema não funciona mesmo e que é melhor todos optarmos por um plano de saúde. Soma-se a isso a ampliação do consumo do grupo populacional que mais utiliza o SUS e o fetichismo do acesso aos bens de consumo, entre eles os planos de saúde privados. “Como transformar essa sociedade emergente em sociedade de lutas por seus direitos, uma vez que estas conquistas, como o acesso ao consumo, não se deram a partir da luta social?”, indaga.
Ao citar os dados do artigo publicado na The Lancet, Ana Costa aponta um quadro em que quase 70% dos hospitais são privados, apenas 35,4% dos leitos são públicos e somente 38,7% dos leitos privados estão disponíveis para SUS. Soma-se a esse panorama um percentual baixo de equipamentos, como tomógrafos e de ressonância magnética, disponíveis no setor público.
“Há tempos que a luta pela integralidade, um dos princípios do SUS, nos pede para fugirmos do olhar norteado por lógicas de ‘atendimento’, ‘doenças’, ‘grupos populacionais’, ‘partidos políticos’, e valorizarmos a competência técnica e a qualidade”, reflete. Para Ana Costa, é preciso aumentar o financiamento público, que vem caindo substancialmente desde 2003, a fim de ampliar a infraestrutura e a operção dos serviços públicos de saúde. “Hoje observamos, até mesmo por parte de militantes e conselheiros do SUS, um ufanismo insustentável que não questiona as formas de acesso, os modelos de atenção e a qualidade do cuidado do sistema. Essas práticas distorcem o que a população vivencia e não cativa o público, despolitizando-o”, acrescenta.
Segundo Costa, do orçamento geral da União em 2010, quase a metade foi destinada ao pagamento de juros, amortizações e refinamentos da dívida pública, enquanto apenas 3,91% foram destinados à saúde, 0,56% à segurança pública, 0,04% ao saneamento e 2,89% à educação. Para a pesquisadora, a imagem do SUS pobre e para os pobres é difundido pela mídia e percebido por milhões de usuários, pois o SUS que temos não é aquele no qual prevalece o interesse público e se respeitam os direitos dos cidadãos. Por essa razão, não bastam apelos ideológicos para a população mudar a sua visão do SUS, nem impedir que a ‘classe C’ tenha os planos de saúde como ‘objeto de desejo’. Para isso, é preciso aumentar o financiamento público e ampliar a infraestrutura e a operação dos serviços públicos de saúde.
“O SUS democrático da reforma sanitária, que tinha a gestão participativa na base de seu processo de gestão, que defende o direito à saúde, à universalidade, à equidade, não passa de um conjunto de ficção, tanto para os trabalhadores como para os conselheiros e delegados. Vivemos hoje essa ficção de uma forma irônica e dolorosa. Nosso único caminho é garantir acesso e qualidade ao SUS”, aponta.
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