Um outro olhar para a violência urbana

por
Graça Portela
,
20/04/2015

Parceria entre Iesp/Uerj e equipe do Laboratório de Informação em Saúde mostra novos ângulos sobre o tema


(Foto: Peter Ilicciev)

Em dezembro de 2013, uma notícia sacudiu a mídia carioca e de todo o país: as milícias - grupo armado, formado por membros das forças de segurança, civis ou militares, da ativa ou aposentados, que atuam na ilegalidade - presentes em algumas favelas da cidade do Rio de Janeiro, estão ampliando sua área de influência e atuação, passando a dominar 45% do total das 1001 favelas no Rio de Janeiro.

A informação veio à tona a partir de um estudo intitulado “Homicídios no entorno de favelas no Rio”, realizado pelo Icict e o Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Uerj, e foi divulgada durante o “Seminário sobre o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora ou como transformá-la em Polícia de Proximidade”, realizado no início de dezembro/2013, no Iesp, coordenado por Alba Zaluar e Rodrigo Monteiro, ambos do Iesp, e que contou com a presença de especialistas como Christovam Barcellos (Icict/Fiocruz), César Caldeira (Unirio), Elizabete Albernaz (Secretaria de Segurança do Estado do Rio de Janeiro), Jacqueline Muniz (Iuperj), Eduardo Batitucci (Fundação João Pinheiro/MG) e Frederico Caldas (comandante da Coordenadoria de Polícia Pacificadora – CPP/Seseg/RJ), dentre outros.

A pesquisa, realizada pelas equipes da antropóloga Alba Zaluar, do Iesp/Uerj, e do pesquisador Christovam Barcellos, coordenador do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict), contou com um diferencial: para analisar as áreas foi utilizado o georreferenciamento. A equipe do Núcleo de Geoprocessamento do Lis, a partir de cerca de 4.600 endereços de pessoas que morreram assassinadas entre 2006 e 2009, tomou as localizações como pontos de referência, considerando diversas variáveis, e os referenciou usando mapas de ruas do Rio de Janeiro; em paralelo, o grupo do Iesp identificou os domínios armados de todas as favelas da cidade (grupos de tráfico, milícias, além das UPPs e os grupos neutros).

O cruzamento dos dados – a relação das mortes com os domínios armados, acrescido dos dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), do Governo do Estado do Rio de Janeiro, e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, apontaram, dentre outras informações, a descoberta de que as áreas de risco não são as favelas, mas sim os entornos, que concentram grande número de mortes violentas por serem pontos de confronto entre os grupos armados. Os dados também demonstram a movimentação territorial dos grupos de tráfico de drogas, o avanço das milícias na Zona Oeste da cidade em direção à Zona Norte, e a expansão das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) da Zona Sul para a Zona Norte e subúrbios da Leopoldina, o que indicaria uma possibilidade de confronto.

Números da violência

Durante o seminário, ficou evidente a necessidade de se buscar outras abordagens para tratar a violência urbana no Rio de Janeiro e no país inteiro, já que ela envolve aspectos econômicos, culturais e geopolíticos, e não apenas sociais. Em 2012, segundo dados do Ministério da Saúde, foram registradas 19.575 internações provocadas por acidentes com arma de fogo, que custaram à saúde do país R$ 38,4 milhões. Entre janeiro e setembro de 2013, foram 16.529 internações, totalizando R$ 32,1 milhões. Os últimos dados disponíveis no SIM referentes a óbitos por armas de fogo são de 2011 e indicam 38.744  notificações.  

A pesquisa realizada aponta que a área do entorno da favela (entre 100 e 250 metros) é o local onde os homicídios variam entre 100 e 140 mortes por cada 100.000 habitantes, pois é ali que, segundo Christovam Barcellos, se dão os confrontos, onde se realizam os roubos, onde existe maior disponibilidade de armas e onde se dá a demonstração de força de cada grupo, indicando o limite de seu território.

Os palestrantes destacaram os seguintes problemas: a credibilidade institucional da Polícia Militar, em especial junto aos moradores de favelas; a necessidade de entendimento de que o que mata não é a droga, mas sim o tráfico armado, com toda a violência gerada; as modificações que vêm sendo trazidas pelas UPPs à própria Polícia Militar, forçando-a a se reestruturar e se preparar para um novo tipo de atuação,  a fim de lidar com problemas do dia a dia do morador; a desconstrução da lógica do sistema de segurança brasileiro, cujo foco vinha sendo a “guerra às drogas”, com a vigilância da sociedade e a punição do criminoso, passando a uma nova lógica operativa em que todo o sistema atue como um mediador de conflitos; e o paradoxo de que o índice de sucesso das UPPs é justamente a sua desmobilização, uma vez que o crime foi reduzido ou eliminado.

Eleições e violência

O governo do Estado do Rio de Janeiro segue na implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, (atualmente, 40 em todo o estado), mas as críticas apontam para a necessidade de se aprimorar o modelo e se pensar em novas propostas de segurança, independentemente de disputas políticas que já estão marcando as eleições para o Governo do Estado em 2014. Segundo Alba Zaluar, em plena disputa eleitoral, alguns candidatos seguem questionando a estratégia de implantação das UPPs, inclusive afirmando o fracasso da iniciativa. A antropóloga rebateu essa ideia e ressaltou que é muito mais importante apostar nas questões sociais (educação, saúde, habitação) do que na construção de presídios.

Homicídios no entorno de favelas no Rio de Janeiro

(Acima, Christovam Barcellos, coordenador do Laboratório de Informação em Saúde - Lis/Icict.)

Entrevista:

Alba Zaluar, antropóloga Iesp/Uerj

Em entrevista à Inova Icict, a pesquisadora falou, com exclusividade, sobre o que espera para a política de segurança no Estado do Rio.

(Foto: Thiago Facina/ Diretoria de Comunicação Social - UERJ)

Qual o objetivo do “Seminário sobre o projeto das Unidades de Polícia Pacificadora ou como transformá-la em Polícia de Proximidade”?

Acho lamentável que a disputa eleitoral tenha se concentrado e se dividido a favor ou contra a UPP. Não se trata de disputa eleitoral, mas de se pensar qual a melhor política de segurança pública para o Estado, considerando que a desmilitarização da Polícia Militar vai demorar muito, pois envolve negociação com os outros 27 estados da Federação e depende de uma mudança constitucional e não deveria estar na pauta da eleição estadual. Na nossa pauta de política de estado deve estar: o que podemos fazer para melhorar a UPP? Foi esse o objetivo do seminário: tornar a UPP uma polícia de proximidade, apoiada por outras instituições e tendo como pano de fundo os projetos para melhorar as condições de vida da população local, assim como as oportunidades de trabalho para os mais vulneráveis.

A senhora acredita ser possível transformar as UPPs em Polícia de Proximidade?

Claro que acredito, senão não teria sentido propor. A polícia de proximidade é a que atua junto com a população local, criando laços no dia a dia de convivência, respeitando a sociabilidade local, como por exemplo, cumprimentar as pessoas, fazer encontros para discutir os problemas de segurança segundo o ponto de vista delas, ouvi-las, respeitar seus direitos, não entrar em suas casas a não ser se convidados ou com um mandato judicial, não abusar do uso da força, negociar com elas o nível de ruído permitido e o horário das festas e bailes a que estão mais ou menos habituados, sempre com a preocupação de promover o entendimento.

Que diferencial trouxe o georreferenciamento à pesquisa sobre violência nas favelas, realizada pelo Iesp/Icict?

O georreferenciamento foi muito importante para localizar os diferentes domínios das facções e milícias que atuam na cidade, cujo levantamento foi mapeado pela equipe do Icict e acompanhado desde 2005. Assim foi feito também com os dados do ISP (homicídios) e do SUS (mortes violentas) desde 2005 até 2010, o que permitiu identificar as áreas de maior risco na cidade quanto aos homicídios ou às mortes violentas, que atingem principalmente homens jovens. Descobrimos que essas áreas estão onde havia facções de traficantes, mas também onde havia diferentes facções ou milícias muito próximas disputando o poder. Isto confirmou a hipótese de que grande parte dos homicídios se deu pelo estado de conflagração ou guerra entre facções, milícias e policiais. Descobrimos também que o registro do local do evento mostra que a maior parte deles está no entorno das favelas e não dentro delas, o que também aponta para essa guerra. 

Os resultados do estudo feito, a partir da parceria com o Icict, podem mostrar uma nova direção à política de segurança do Estado?

Sim, caso os nossos dados sejam levados em consideração pelas autoridades. Apontamos para as áreas de maior risco porque são aquelas mais próximas a grandes vias de circulação, aéreas, marítimas e rodoviárias, onde se concentra também a maior quantidade de armas e drogas pela facilidade de transporte. E demonstra que é preciso entender melhor como, no interior das favelas, faz-se a segurança dos moradores, que impede diversos pequenos crimes como roubos e furtos, mas também os mais graves como os homicídios, de acontecer dentro delas. Não impede, porém, a agressão, mais comum entre moradores de favelas do que no resto da cidade.

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