“Não quero desistir dos meus sonhos só porque eu tenho um fantasma que me persegue”

por
Graça Portela
,
19/02/2014

Em uma entrevista franca, a jovem LD, 26 anos, fala sobre o seu sofrimento como vítima de cyberbullying.

Durante quanto tempo vc sofreu bullying e a partir de que idade? Foi no período escolar? Por que motivo?

A minha vida toda praticamente, não lembro da data exata mas foi até antes da pré-escola. As crianças do prédio já implicavam comigo falando que eu era estranha e maluca, porque eu preferia brincar sozinha ou com animais de estimação; eu era meio “autista”. Mas, isso foi mais pela meu TDA (Transtorno de Déficit de Atenção), e também pela minha timidez, não conseguia me socializar com pessoas. Aí, o bullying continuou, sendo de “estranha/maluca” até segunda ou terceira série, quando passou a ser de “burra”, “mulher macho”, “feia”, este último que continua até hoje.

Vc também sofreu o cyberbullying?

O bullying piorou mesmo na adolescência quando me incentivaram a praticar "sexting". Foi a pior coisa que eu já fiz na minha vida! Meu maior arrependimento. As fotos vazaram pra tudo o que é lado, muita gente me xingando. Perdi muitos amigos.

Até hoje me xingam no Facebook, Twitter e, principalmente, no Askfm, que dá para enviar mensagens como anônimo.

Chegaram a divulgar imagens suas nua, por exemplo?

Sim, acho que muita gente hoje em dia ainda tem fotos minhas no computador e ainda deve ter em sites como o 4chan ou 55chan na sessão de "vazadas da net"... O pior foi quando um ex meu usou as fotos em um perfil falso, como se eu fosse uma prostituta querendo atrair clientes, botou até meu telefone! Foi aí que denunciei ele na delegacia de crimes virtuais, mas descontinuei o caso depois dele ter deletado o perfil fake.

Como você se sentiu?

Foi o período que mais tentei me matar. Já perdi a conta de quantas vezes tentei o suicídio por causa disso. Era tanto ódio, medo e nojo, que eu não sabia controlar e nem sabia o que fazer.. Infelizmente ou felizmente, nenhuma de minhas tentativas deu certo...

De que forma você tentou tirar a sua vida?

Acho que foram mais de 30 vezes... A maioria delas foi tomando remédios e álcool juntos, mas já cortei os pulsos algumas vezes e me joguei na frente de um carro. Acho que nenhuma das vezes eu queria mesmo morrer, senão eu teria me enforcado logo ou pulado do 10º andar. Eu não queria morrer, só não sabia mais o que fazer da minha vida.

Seus pais sabiam que você estava sendo assediada moralmente?

Não, só souberam sobre o "feia" no período escolar, todo o resto eu escondi deles e graças a Deus as fotos não chegaram nas mãos deles.

Você buscou por conta própria, ou levada por amigos ou por parentes, algum tipo de tratamento?

Não procurei tratamento. Eu até faço acompanhamento psiquiátrico a minha vida toda, mas não falo do bullying com eles por vergonha.

Como é hoje para você falar sobre isso e o que você diria para os jovens que sofrem o cyberbullying?

Ainda tenho vergonha. E quando o assunto surge, dependendo da pessoa, eu desvio a conversa.

Sou péssima em dar conselhos, mas acho que acabar com a própria vida resolve o problema, mas cria outros, não sei. Eu luto contra isso a vida inteira, mas não quero desistir dos meus sonhos só porque eu tenho um fantasma que me persegue...

E quanto as feridas dessa agressão? 

Quando elas começam a cicatrizar, chega alguém e joga ácido sulfúrico nelas.

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