Acesso Aberto: Kuramoto elogia iniciativa da Fiocruz e vê nova função para as bibliotecas

por
Graça Portela
,
07/07/2014

Em um artigo publicado no último dia 29/06, o pesquisador Helio Kuramoto, um dos maiores especialistas no país sobre acesso aberto, elogiou a iniciativa e o pioneirismo da Fiocruz em estabelecer a sua Política de Acesso Aberto. Nessa entrevista, o pesquisador faz um breve histórico da Política de Acesso Aberto no país, fala do novo papel das bibliotecas e de como os pesquisadores só terão a ganhar com essa Política.

 

Em artigo publicado em seu blog, o senhor elogia a iniciativa da Fiocruz e destaca que ao priorizar o autoarquivamento pelos pesquisadores, a Fiocruz inova. Por quê?

Quando elaborei aquele post em meu blog, não o fiz para fazer qualquer elogio leviano, mas porque a Fiocruz estabeleceu uma política em concordância com os preceitos designados pela declaração BOAI (Budapest Open Access Initiative), cuja primeira estratégia estabelecia o uso do conceito de autoarquivamento (do inglês, self archiving).  Ou seja, desde o seu início, o movimento Open Access (OA) preconizou que os próprios pesquisadores fizessem o autoarquivamento de sua produção científica. No Brasil, as instituições de ensino superior preferiram indicar as bibliotecas universitárias como responsáveis por esse depósito, e isto provoca a necessidade de o autor assinar uma autorização para que as bibliotecas o façam em seu lugar.

Obviamente, nem todas as bibliotecas seguiram o mesmo caminho. Entretanto, o método comum predominante no Brasil preconiza esse depósito por parte das bibliotecas universitárias, poupando os autores dessa atividade, que foi adotada mundialmente. É preciso entender o papel de cada ator nesse processo. O autor ou pesquisador é uma pessoa altamente capacitada e capaz de executar essa tarefa.

Por que o autoarquivamento é fundamental para expandir a Política de Acesso Aberto?

O futuro do Acesso Aberto depende dessa medida. Um fato importante relacionado a essa forma de depósito é que o autor ou pesquisador ao fazer ele próprio o depósito de sua produção científica, além de agilizar o povoamento dos repositórios digitais, ajuda na ampliação da visibilidade da sua produção científica, sem depender de quem quer que seja.

O senhor acha que há receptividade dos pesquisadores em autoarquivar seus trabalhos em um repositório ou dependeria de um incentivo por parte das instituições ou do Governo?

Acredito que, quando o pesquisador perceber os benefícios do autoarquivamento, eles não hesitarão em adotá-lo. Trata-se de algo novo para eles e somente a prática poderá mostrar as vantagens desse procedimento.

O senhor crê que a iniciativa da Fiocruz possa causar impacto no mundo acadêmico e nas instituições dedicadas à pesquisa no Brasil, levando-as a implantar também suas Políticas de Acesso Aberto?

Na medida em que a Fiocruz vier a adotar a prática do autodepósito e os resultados começarem a aparecer – ou seja, o ganho de visibilidade da produção científica depositada no repositório Arca – com certeza esse será um fato novo para a comunidade científica.

Hoje, temos o Google Scholar, que mostra de forma mais fácil a visibilidade de um paper. Nos últimos quatro, cinco anos, o Google começou a indexar também os repositórios digitais de uma forma geral e isto proporcionou a qualquer pesquisador conhecer a visibilidade de sua produção científica. Experimente acessá-lo e veja a visibilidade de seus papers. É uma experiência agradável e surpreendente. Há alguns anos, depositei um artigo que publiquei na revista "Ciência da Informação" e, desde então, acompanho a quantidade de citações que esse artigo tem recebido. Fiz o mesmo com outros artigos que publiquei e tem sido uma grata satisfação verificar que esses artigos, que se encontram depositados em um repositório temático para área da ciência da informação e áreas afins, o e-Lis, têm sido acessados e citados.

Em relação aos repositórios institucionais, há alguma iniciativa para que eles se comuniquem, ou seja, que o usuário possa acessar simultaneamente vários repositórios institucionais, em sua pesquisa? Caso isto não exista, é possível ser estruturado?

Quando submetemos o projeto de construção de repositórios à Finep, a nossa ideia era a criação de um portal que pudesse integrar todos os repositórios digitais no país, de forma que o globo terrestre poderia acessar toda a produção científica brasileira. Quando me aposentei do  Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), havia um grupo de técnicos estudando a criação desse portal. Soube há algum tempo que o IBICT teria construído esse portal. Entretanto, não tenho maiores informações.

Que perspectivas o senhor vê em relação às bibliotecas a partir do momento que as instituições brasileiras adotarem o autoarquivamento?

Sempre achei que as bibliotecas brasileiras, especialmente as bibliotecas universitárias, desempenhariam papel fundamental na questão da implementação do Acesso Livre no país, e continuo acreditando nisso, apenas não concordo que essas bibliotecas se reduzam a simplesmente depositarem a produção científica dos nossos pesquisadores.

Elas podem assumir uma função mais importante, que é a gestão dos repositórios institucionais e a proposição de serviços de informação, não apenas para a comunidade científica em geral mas, especialmente, para a sociedade civil brasileira. Nesse quesito, há muito ainda que se criar e se desenvolver. As tecnologias da informação e da comunicação estão aí disponíveis para dar suporte a essa tarefa.

Como um defensor da Política de Acesso Aberto, como está caminhando a sua implantação no Brasil? Tirando a Fiocruz, há outras iniciativas? 

Bem, na realidade eu venho defendendo as iniciativas de acesso aberto desde 2003, quando o IBICT implantou a Biblioteca Digital de Teses e Dissertações e, posteriormente, quando traduziu e distribuiu o software OJS – Open Journal System, que no Brasil recebeu a denominação de Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (SEER) e promoveu a construção de diversos periódicos científicos e portais de periódicos científicos no País.

Hoje, o Brasil é considerado o segundo maior país em termos de revistas científicas de acesso livre, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Conseguimos com essa ação criar uma alternativa ao SciELO, que era a única iniciativa que possibilitava a criação de revistas científicas eletrônicas. Atualmente, o Brasil oferece duas alternativas para a criação de revistas científicas eletrônicas de acesso aberto, o SciELO e o SEER.

Após essas iniciativas serem implantadas, elaboramos – eu e a professora Sely Costa – o Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre e o lançamos em setembro de 2005 em uma videoconferência promovida pelo Ibict com o apoio da RNP – Rede Nacional de Educação e Pesquisa, na qual contamos com a participação de diversos pesquisadores localizados em diversas cidades brasileiras, inclusive com a participação do presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), professor Ennio Candotti.

Em seguida, articulamos junto ao Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT) a submissão de dois projetos junto à Finep, com o propósito de obter recursos para a construção de repositórios digitais no país. Desses dois projetos resultaram alguns repositórios que hoje se encontram em operação no Brasil.

No ano de 2007, articulamos junto ao ex-deputado Rodrigo Rollemberg a submissão do projeto de lei 1120/2007, que foi arquivado em 2011. Posteriormente, articulamos junto ao atual senador da república Rodrigo Rollemberg o Projeto de Lei do Senado PLS 387/2011, que corre o risco de seguir o mesmo caminho do PL 1120/2007.

Esses dois fenômenos apenas mostram o quão fraca é a nossa comunidade científica, ou, certamente, a ignorância de nossos pesquisadores, que poderiam contribuir na articulação da classe política. Este é o estágio do Acesso Aberto, que pessoalmente prefiro chamar de Acesso Livre, pois o Acesso Aberto não representa nada, apenas mostra que o caminho está aberto, enquanto que o Acesso Livre designa que o acesso é livre de custos, portanto, esta última expressão é para mim mais representativa dos seus objetivos.

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Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre

Manifesto Brasileiro de Apoio ao Acesso Livre é uma iniciativa de pesquisadores brasileiros que lutam por uma política nacional de Acesso Livre à informação científica. .

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