“O maior desafio do SUS é político”, afirma Jairnilson Paim, em aula aberta na Fiocruz

por
André Bezerra
,
03/05/2016

O Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) recebeu na manhã de segunda-feira o pesquisador Jairnilson Silva Paim, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), para a palestra “Desafios do Sistema de Saúde Brasileiro”. A atividade marcou o encerramento da disciplina Fundamentos Teóricos da Saúde, Ciência e Tecnologia, ministrada por José Noronha, do Icict/Fiocruz.

Abordando os desafios do SUS a partir de uma perspectiva histórica sobre a complexidade das relações políticas vigentes no país, o convidado fez uma profunda observação sobre os diferentes projetos de saúde pública que se encontram em disputa por diversos grupos sociais e políticos, e detalhou fragilidades e também ataques ao modelo de sistema criado a partir da transição democrática no Brasil.

Paim deu início a sua apresentação relembrando o contexto histórico da reforma sanitária, da qual participou ativamente, e o momento da discussão e criação do Sistema Único de Saúde. Ele descreveu a diversidade de atores que coletivamente contribuíram com ideias e se mobilizaram pelo projeto de democratização da saúde.

Ao citar o livro de sua autoria “A reforma sanitária brasileira”, explicou que na época de sua pesquisa, a partir de 2006, se perguntava porque a reforma não realizou plenamente seus objetivos. “Hoje, talvez eu convidasse vocês, que estão fazendo pesquisa, a responder a pergunta inversa: por que, apesar de tudo, nós conseguimos fazer tanta coisa?”, questionou, ao enumerar vitórias do SUS, como a marca de mais de 3,5 bilhões de atendimentos anuais, referência em termos de transplantes no mundo, mais de 50% da população vinculada aos programas de Saúde da Família, a vigilância epidemiológica, dentre outras.

Cenário restritivo

Após delimitar características conceituais e práticas do sistema, incluindo gestão e financiamento, o pesquisador prosseguiu a uma análise de conjuntura do SUS. Para ele, o sistema vive diante de cenários restritivos, que pioraram a partir de 2008, quando, para o autor, a questão da saúde e do bem-estar social passou a sofrer ofensivas do capital, por todo o mundo.

(Fotos: Raquel Portugal - Multimeios/Fiocruz)

Segundo ele, os três poderes produziram ataques que dificultaram o estabelecimento do SUS conforme seu projeto inicial. “Historicamente, tanto executivo, o legislativo e o judiciário atuam contra o SUS, na contramão da Constituição cidadã e da legalidade constituída”, afirmou, citando como exemplos a extinção da CPMF pelo Congresso, em 2007, e decisões judiciais favoráveis a entidades de saúde suplementar, como os planos de saúde particulares.

Nesse contexto restritivo, Paim destacou uma lista de doze ataques recentes ao direito à saúde no Brasil, incluindo a abertura do setor ao capital estrangeiro, propostas de desvinculação de receitas nas esferas federal, estaduais e municipais, a expansão do modelo de gestão baseada em organizações sociais (OS), além de agendas neoliberais em ascensão.

Para ele, há três grandes projetos em disputa no campo da saúde: o mercantilista, ou expansionista, onde a saúde não figura como direito, mas como mercadoria; o racionalizador, ou revisionista, em que há certa flexibilização das diretrizes do sistema diante de forças hegemônicas; e, o modelo democrático, mais diretamente ligado à luta da reforma sanitária brasileira, o qual defendeu, por admitir a pluralidade de ideologias e favorecer a participação social.

Oito desafios para o SUS

Finalizou a sessão enumerando oito desafios importantes para o sistema de saúde. Dentre eles, destacou que o maior de todos é o desafio político, já defendido pelo autor, em 2011, ao lado de outros autores como Lígia Bahia e Cláudia Travassos. “Esse desafio permanece. Nós precisamos ampliar, cada vez mais, as forças sociais capazes de dar bases ao sistema universal, ainda que conviva com um sistema privado, mas que, na consciência das pessoas se entenda a saúde como um bem público, como um direito da cidadania e da vida”, finalizou.

Ainda destacou a importância da prevalência do interesse público na relação público-privado, a sustentabilidade econômica e financiamento do SUS, o fortalecimento institucional e modelos de gestão, a sustentabilidade científico-tecnológica, a formação e a política de valorização para os trabalhadores da saúde, a conformação de redes regionalizadas e modelos de atenção, além da descentralização e gestão participativa.

O anfitrião, José Noronha, agradeceu e convidou alunos, pesquisadores e gestores presentes a participar de um debate com o autor, e também destacou o lançamento do e-book “O que é o SUS”, de Jairnilson Paim, recém-publicado pela Editora Fiocruz. “Convido todos a conhecerem essa obra, agora em um formato pioneiro com conteúdo multimídia, imagens e ilustrações e aberta ao público”, destacou Noronha.

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Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
Aula aberta de Jairnilson Paim (ISC/UFBA), na Fiocruz, em 02/05/2016.
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Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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