Edição de julho da Radis aborda a remoção de usuários de crack em São Paulo

por
Revista Radis
,
04/07/2017

Violência na remoção de usuários de crack do centro de São Paulo e ameaça de internação compulsória afrontam direitos humanos e saúde de população vulnerável

Com jatos d’água de alta pressão, uma equipe de funcionários da prefeitura de São Paulo se esforça para limpar as calçadas da praça Julio Prestes, diante da estação de trem de mesmo nome. Assim como as paredes cinza que, lavadas pela chuva, revelam frustrada a tentativa de apagamento de grafites e pichações, o entorno ainda permite notar que por mais de 20 anos a região abrigou a maior cena de uso de crack do Brasil, a chamada cracolândia. Os tijolos de concreto que lacram as portas de bares e pensões da alameda Dino Bueno, entre a rua Helvétia e a alameda Glete, justificam a falta de movimento nesse trecho, que ficou conhecido pelo vaivém de até 1.500 usuários da droga por dia.

Na tarde de 1º de junho, pouca gente arrisca atravessar esses metros sitiados, sob os olhares repressores de dezenas de policiais militares, civis e guardas metropolitanos, ali instalados desde o domingo 21 de maio.

Passava das 6h30 da manhã quando 978 agentes das polícias civil e militar chegaram à região para cumprir a ordem do prefeito João Doria (PSDB) e do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de “acabar com a cracolândia”. Uma cortina de fumaça branca provocada por bombas de gás, somada às balas de borracha, dispersou os usuários pela cidade sem que pudessem sequer carregar seus pertences. “Foi desastroso”, relata um guarda metropolitano que assistiu à intervenção. “As pessoas saíram só com a roupa do corpo, deixando tudo para trás”. Ficaram lonas, papelão, cobertores, documentos.

O plano era demolir os prédios de um quarteirão inteiro, entre o Largo Coração de Jesus e a alameda Dino Bueno, sob a alegação de evitar reocupação pelo tráfico — em 19 de maio, o prefeito já havia declarado a área “de utilidade pública”. Na terça-feira 23, operários em retroescavadeira chegaram incumbidos de levar ao chão três imóveis. Mas já no primeiro deles o trabalho precisou ser interrompido: um muro caiu sobre pessoas que estavam dormindo em uma pensão. Três ficaram feridos. Nas ruínas desse muro, hoje se leem as inscrições: "Doria", " higienização social” e “seja humano”.

Uma decisão judicial paralisou temporariamente as remoções de moradores, interdições e demolições de prédios sem que houvesse cadastro para atendimento posterior. “Retirar as pessoas às pressas, sem ritos, sem cadastro, sem equipes de saúde e assistência caracteriza a existência de uma política pública de extermínio dessa população”, avaliou a juíza Laura Rodrigues Benda, presidenta do conselho executivo da Associação Juízes para a Democracia (AJD), em ato público na noite de 1º de junho, no Largo General Osório.

Espaço ou pessoas

A entidade aponta que há interesse financeiro por trás da “criminalização da pobreza, invisibilização de oprimidos e descarte de indesejáveis”. “É inconcebível que interesses econômicos de construtoras e seguradoras, as quais vêm adquirindo terrenos e imóveis na região a preços baixos para, mais tarde, lucrarem com a ‘limpeza' do local, se sobreponham à dignidade das pessoas que ali habitam”.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e o Escritório Regional para América do Sul do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) expressaram, em nota, “profunda preocupação pelo uso excessivo da força por parte do Estado brasileiro em operações no contexto da remoção urbana de dependentes químicos usuários de drogas ilícitas”. No Rio, participantes do seminário “Cenários da Redução de Danos na América Latina” lançaram a Carta de Manguinhos, na qual lamentaram que “a política pública de cuidado, promoção da saúde e de direitos tenha sido substituída pela repressão e violação de direitos”

A Associação Brasileira Multidisciplinar de Estudos sobre Drogas (Abramd) também criticou a força-tarefa na região, avaliando que essa busca esconder a pobreza resultante da miséria política brasileira, que emprega "o mínimo do mínimo" para cuidar dos problemas e fenômenos sociais. “Cuidar e acolher exigem um processo com a ação da ciência e da diversidade, de local para morar, recurso para se alimentar e se vestir, respeitando a intimidade como direito humano, seja de pobres, médios ou ricos”. Para a organização, essa política, chamada de higienista, “quer varrer os corpos indesejáveis e fazê-los desaparecer da visibilidade urbana”.

O antropólogo Maurício Fiore, coordenador científico da Plataforma Brasileira de Política de Drogas (PBPD) e pesquisador do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), tem visão semelhante: “A ideia por trás dessa ação não é acabar com o uso e o tráfico de crack; é tirar de vista, varrer usuários de drogas e promover uma ‘limpeza’ urbana a partir da estética que o Doria imagina para a região. Trata-se de um contraponto entre visões de política pública: o espaço ou as pessoas?”

Essa estratégia encontra ressonância na sociedade. Levantamento do instituto de pesquisa Datafolha indicou que 59% dos paulistanos entrevistados apoiam a operação que visa “acabar com a cracolândia” (34% se opõem), apesar de 53% avaliarem que houve violência contra os usuários de crack (37% acreditam que não houve violência). São favoráveis à demolição de imóveis utilizados como pensões e hotéis 55% dos ouvidos (41% são contra). “O que as pessoas querem de fato é parar de ver a cena de uso”, corrobora Fiore.

"Tudo que tentamos evitar"

Principal responsável pelas ações de cuidado aos usuários na região da cracolândia, a secretaria de Direitos Humanos e Cidadania não participou da operação, o que levou a pedidos de demissão em série. A secretária, a vereadora Patrícia Bezerra (PSBD), entregou o cargo dias depois, classificando a remoção como “desastrosa” e “injusta”. Foi seguida pelo secretário-adjunto, Thiago Amparo, e pela coordenadora de Política de Drogas, Maria Angélica de Castro Comis.

“Fomos comunicados extraoficialmente de que haveria essa força-tarefa dois dias antes. No sábado, já não consegui dormir. No domingo, às 7 horas já tinha funcionário da secretaria me ligando chorando. Foi uma angústia tamanha, uma sensação de impotência e de frustração. Tudo que tentamos evitar esses anos todos estava acontecendo”, relata Angélica, que começou a trabalhar na secretaria em junho de 2014, seis meses depois da implantação do programa De Braços Abertos (Radis 158).

Nem ela nem Fiore negam que havia a necessidade de ser realizada uma ação de inteligência da polícia na região. “Desde 2015 o governo vinha discutindo como isso se daria, porque o tráfico estava crescendo. As lideranças do território mudaram, e se viam mais armas, mais organização e mais varejistas”, informa Angélica. “Sempre existiu a necessidade de uma ação ali, de assistência social, de saúde e também policial, por mais que sejamos críticos à guerra às drogas”. Fato é que, segundo eles, a força-tarefa de Doria e Alckmin não atingiu sequer o suposto objetivo de combater o tráfico. “Apreender 12 quilos de crack e dois revólveres não é nada. É óbvio que o crime organizado saiu antes da intervenção”, sugere Angélica.

A craco resiste

 “A cracolândia aqui acabou, não vai voltar mais. Nem a prefeitura permitirá, nem o governo do estado. Essa área será liberada de qualquer circunstância como essa. A partir de hoje, isso é passado”, afirmou Doria para as câmeras na tarde do domingo 21 de maio. Dias depois, os usuários já estavam concentrados no que foi chamado de “nova cracolândia”, na praça Princesa Isabel, a menos de 400 metros da área desocupada.

Em 1º de junho, a vida segue normal em torno da praça. Lojas vendem automóveis, hotéis recebem hóspedes, o camelô anuncia a fatia de abacaxi por R$ 2. Mas no centro há pelo menos 600 usuários de crack vagando entre barracas de lona, em fluxo semelhante ao observado por 20 anos na região. “A prefeitura apostou na fragmentação da cena, que as pessoas se dispersariam pela cidade em pequenos grupos, mas há um vínculo forte entre elas”, comenta Fiore.

“Somos uma família”, afirmou o beneficiário do programa De Braços Abertos Cleiton Ferreira, conhecido como Dentinho, em ato público no mesmo dia. “É muito difícil para a gente ver o que está acontecendo. Também a gente está passando dias duros, são enquadros toda hora, o descaso da população, o medo das crianças. O preconceito, a opressão é demais”.

A Guarda Civil Metropolitana e a Polícia Militar tentaram repetidas vezes dispersar a cena — por exemplo proibindo tendas e barracas na praça — mas os usuários mostraram a força de quem precisa resistir para sobreviver. Ficou claro, então, que a cracolândia não é um lugar, mas uma rede.
"O fluxo simplesmente mudou de lugar, com o agravamento de as pessoas estarem muito mais vulneráveis, porque foram distanciadas dos equipamentos públicos, de banheiro, de água”, observa Maria Angélica. Segundo contam múltiplas fontes, houve ainda a recomendação para que organizações não governamentais parassem de levar comida e água para os que vivem na rua.

Cansar e sufocar

De acordo com Angélica, a estratégia da prefeitura era "cansar" e "sufocar" os usuários até que concordassem com a internação. “O secretario de saúde ordenou ‘a saturação no território’, com equipes de até oito agentes para convencer uma pessoa a se internar”. Balanço das secretarias estadual da Saúde e municipal de Assistência Social um mês após a força-tarefa, em 26 de junho, informou que de um total de 7.243 atendimentos, 619 pessoas (ou 8,5%) foram encaminhadas para internação e tratamento pelo programa Recomeço, do governo do estado. Pelo Redenção, da prefeitura, houve 7.500 atendimentos, com 616 internações voluntárias.

Sobre a permanência do fluxo no centro de São Paulo, João Doria afirmou na mesma ocasião que “o que você tem ali é uma concentração de usuários e a tentativa frustrada do PCC [Primeiro Comando da Capital, a facção criminosa que domina a área] de reimplantar a cracolândia. Não vai conseguir”. Em 21 de junho, porém, o grupo se deslocou para a alameda Cleveland, ocupando a praça em frente à estação Júlio Prestes — aquela mesma que estava sendo lavada em 1º de junho —, a uma quadra da antiga cracolândia.

Logo na esquina com a rua Helvétia está desgastada a tenda que funcionava como estrutura de apoio do De Braços Abertos (DBA), anunciado em janeiro de 2014 pelo então prefeito Fernando Haddad (PT) para “resgatar socialmente” usuários de crack por meio de trabalho remunerado, alimentação e moradia. A placa com o nome do programa foi retirada no domingo da expulsão da população que ali vivia, apesar de o decreto de criação do DBA não ter sido revogado até então. O novo prefeito confirmou na mesma data o fim do programa de Haddad e sua substituição por outro, batizado de Redenção.

Precarização do cuidado

 “Haverá a interdição imediata de todas as pensões e hotéis. Serão bloqueados hoje. Na sequência, derrubados. Serão demolidos. O mais rápido possível. Serão demolidos, essa área será reestruturada urbanisticamente”, informou Doria, que se referiu ao pagamento de bolsa aos beneficiários que trabalhavam em frentes de varrição como “mesada” que piorou a situação do tráfico no local.

Segundo conta Maria Angélica, o DBA vinha sendo esvaziado desde a mudança de gestão. A coordenação do programa foi dissolvida, depois reconstituída, a fim de preparar a transição para o Redenção. “Eram 398 beneficiários, que continuavam indo para as frentes de trabalho, recebendo a bolsa e morando em hotéis populares; as equipes de saúde e assistência social seguiam atuando no território; a tenda distribuía sopa e achocolatado, mas tudo de forma cada vez mais precária e desorganizada”, relata ela.

Apenas uma semana após pedir demissão da secretaria de Direitos Humanos, Angélica ainda lamenta em conversa com a Radis ver a demolição do programa que ajudou a manter de pé: “O De Braços Abertos foi uma das melhores experiências em políticas de drogas que já conheci. Respeitava a autonomia e a escolha dos indivíduos”. O programa oferecia habitação, alimentação e renda a usuários de crack sem atrelar a participação a nenhum condicionante. Ninguém era obrigado a passar por tratamento ou buscar a abstinência. O objetivo principal não era reduzir danos, mas melhorar as condições de vida.

Entre os beneficiários, a maioria era de homens (58%), de pele parda, mestiça ou negra (68%), com mais de 30 anos de idade (77%) nascidos no estado de São Paulo (66%), de acordo com pesquisa da Plataforma Brasileira de Políticas sobre Drogas coordenada pela antropóloga Taniele Rui, em parceria com o antropólogo Maurício Fiore e o psiquiatra Luís Fernando Tófoli. Já haviam passado pela prisão pelo menos uma vez 66%.

Contar com quem?

Mais da metade dos entrevistados consideraram sua saúde como regular, ruim ou péssima (51%). Levando em conta diagnósticos autorreferidos, 19% declararam ter tuberculose, 18% hepatites, 14% hipertensão sistêmica, 12% HIV/aids, 7% diabetes. Quase um em cada cinco usuários (17,2%) informou que pensou, no mês anterior, em terminar com sua vida. Perguntados sobre o número de parentes e amigos íntimos com os quais eles achavam que podiam contar em caso de alguma dificuldade, 36% disseram não poder contar com nenhum parente e 47% com nenhum amigo.

“Chamou atenção o fato de 47% afirmarem nunca ter realizado tratamento para uso problemático de drogas”, revela a pesquisa, ressalvando que não foi possível aferir se a definição que eles tinham de tratamento corresponde aos conceitos tradicionais. Ficou claro, diante das observações feitas durante a coleta de dados, que os beneficiários têm dificuldade em diferenciar instituições de tratamento, de saúde e instituições de assistência social.

Dentre os 51% que já realizaram tratamento, 32% foram internados em clínica para atenção em álcool e drogas, 29% realizaram tratamento ambulatorial em CAPSad (centros de atenção psicossocial álcool e outras drogas), 26% frequentaram grupos anônimos (como os Alcóolicos e os Narcóticos Anônimos), 21% realizaram tratamento espiritual e religioso.

Na pergunta genérica sobre o impacto do DBA em suas vidas, 95% indicaram impacto positivo ou muito positivo. Ao longo da pesquisa, mais de 65% afirmaram ter reduzido o consumo de crack depois de ingressar no programa e mais de 50% disseram ter reduzido o consumo de tabaco e cocaína aspirada.

Como pontos mais positivos do DBA, foram citadas as equipes e as possibilidades de ter trabalho, renda e moradia. Entre os aspectos mais negativos, estavam os problemas de controle e regras nos hotéis (que ficavam a critério dos proprietários), sua qualidade e localização. “Várias críticas podem ser feitas ao De Braços Abertos, não fico idolatrando o programa, mas é lamentável que tenha acabado. De fato, as pessoas estavam vivendo melhor”, comenta Fiore.

Na tarde em que a Radis esteve na região, a tenda que serviu de base de apoio do DBA tinha cerca de 80 pessoas. Do outro lado da rua, as estruturas do programa Recomeço, do governo do estado, e de um CAPS da prefeitura não tinham mais do que cinco e 10 pessoas, respectivamente. “O usuário é o mais perdido e prejudicado com toda essa mudança. Os vínculos, tão difíceis de serem estabelecidos com essa população, foram quebrados”, observa Angélica.

Para o professor de Psiquiatria da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi), Luís Fernando Tófoli, o De Braços Abertos não deveria ter sido extinto e sim aperfeiçoado. “São Paulo nunca teve ações de redução de danos suficientemente firmes para lidar com o tema. O DBA foi uma tentativa promissora, mas tímida. Ainda assim, teve resultados interessantes”, avalia. Ele e outros especialistas no tema sugerem que haja espaços controlados pelo Estado, com higiene e cuidados, para o uso do crack.

Exclusão compulsória

A proposta que vem sendo apresentada como solução por Doria e Alckmin é diametralmente oposta: a internação compulsória. Três dias após a operação policial na cracolândia, a Procuradoria-Geral do Município entrou com pedido de liminar na Justiça de São Paulo pedindo autorização para retirar à força “dependentes químicos que vaguem pelas ruas da cidade”. O juiz Emílio Neto atendeu o pedido, que liberaria agentes públicos a apreender usuários e encaminhá-los para uma equipe multidisciplinar a qual caberia avaliar a necessidade de internação, mesmo contra a vontade. Logo em seguida, porém, a liminar foi barrada pelo desembargador Reinaldo Miluzzi, por solicitação do Ministério Público e da Defensoria Pública.

O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) e a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS) manifestaram, em nota conjunta, preocupação com a possibilidade de se internar compulsoriamente e em massa usuários de drogas em São Paulo. O texto destacou que resolução de 2016 aprovada por consenso pelos países-membros da ONU recomenda que a abordagem do tema deve ser multilateral, com enfoque integrado, equilibrado, amplo e baseado em evidências, por meio da atenção adequada às pessoas e comunidades, para proteção da saúde. E que, nesse campo, é determinante que qualquer ação seja feita de forma voluntária e consentida por parte das pessoas que dela necessitam, de forma a prevenir a estigmatização e a exclusão social.

Documento discutido na 70ª Assembleia Mundial da Saúde, em maio, na Suíça, orientou a implementação de ações que abordem integralmente o conjunto de elementos da saúde pública, de maneira intersetorial e coordenada, apoiadas nos princípios de equidade, justiça social e direitos humanos. Da atenção primária aos serviços de base comunitária, das abordagens feitas na rua até as estratégias de redução de danos, o cuidado deve priorizar as populações mais vulneráveis e ser orientado pelos determinantes sociais e sanitários, pelas intervenções baseadas em evidências e pelas abordagens centradas nas pessoas.

"Vassoura da internação"

“Dentre uma série de opções de cuidado, o Estado opta pela força violenta e canalha com a desculpa de cuidar das pessoas”, criticou o presidente do Conselho Regional de Psicologia de São Paulo, Aristeu Bertelli da Silva, no ato público de 1º de junho. Aristeu comparou a possibilidade de internação compulsória de usuários de drogas com outras violações históricas aos direitos humanos justificadas pela saúde, como os manicômios e sanatórios para pessoas com hanseníase.

Para além da questão legal e de direitos humanos, o tratamento involuntário de uso de drogas é reconhecidamente pouco efetivo. Revisão sistemática apresentada pela UNODC concluiu que não há evidências de melhoras em tratamentos compulsórios. Pelo contrário: estudos sugerem o risco de ampliação dos danos.

“O medo impede o julgamento e o debate e permite que as pessoas tomem decisões erradas, como tentar fazer os usuários de crack serem varridos da cena pública com a vassoura da internação, à força. Isso não resolve o problema, tanto porque os usuários voltarão cedo ou tarde para a rua quanto pelo fato de que a miséria humana não se resolve com medidas de cunho supostamente sanitário”, argumenta Tófoli.

Levantamento da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad), ligada ao Ministério da Justiça, identificou que 41% das pessoas que buscam internação deixam o tratamento depois de 60 dias. Em torno de 75% não conseguem completar os seis meses recomendados.  A Pesquisa Nacional sobre o uso de crack, coordenada pelo pesquisador da Fiocruz Francisco Inácio Bastos, indicou que 78% dos entrevistados manifestaram genericamente o desejo de se tratar. Indagados, contudo, sobre qual o tratamento desejariam, apontaram, na realidade, serviços de cuidados básicos de saúde e outros de caráter social, como oferta de hospedagem, alimentação, higiene pessoal, programas de requalificação profissional etc.

"Diante desse cenário, há de fato necessidade de políticas sociais integradas, para além do enfoque específico do tratamento da dependência química. Ou seja, no manejo integral do abuso de crack, a oferta de serviços de saúde não é suficiente, sendo a oferta de ações sociais absolutamente estratégica, desde o serviço mais simples de acolhimento e oferta de alimentação e higiene pessoal, até os programas que buscam efetivamente emancipar e oferecer condições para uma vida digna numa dimensão mais ampla”, concluiu a pesquisa.

“A saúde, por si só, não dá conta de oferecer soluções para questão tão complexa. Focar no problema médico — a dependência química — é a receita para não dar certo, é um sinal muito ruim das intenções do prefeito. É uma violação e não vai produzir nada de positivo”, prevê Fiore.  

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