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Na tarde da última quinta-feira, 21/04, o site do Icict ‘deu um papo’ com o grupo de pesquisadores do Dicionário de Favelas Marielle Franco. Estavam lá reunidos a coordenadora do Dicionário, Sônia Fleury, Marcelo Fornazin (UFF); Gabriel Nunes, graduando de Serviço Social (UFRJ); Palloma Menezes, socióloga e professora da UFF, que pesquisa favela há 15 anos, e Clara Polycarpo, socióloga e doutoranda do IESP/UERJ. Leia o que conversamos:
Sônia Fleury: O que que percebi é que várias favelas estavam buscando esse movimento de ouvir as vozes das favelas. A Maré já tinha um museu, o Santa Marta já tinha o Grupo Eco, no Alemão, o ‘Raízes em Movimento’ – são instituições que resgatam a memória. Aí, nós resolvemos participar desse esforço coletivo que era dar voz as favelas para falar sobre si mesmas, com o que os moradores queriam falar, e ao mesmo tempo, trazer o conhecimento acadêmico que está disperso nas várias áreas disciplinares para uma linguagem acessível e que pudesse estar à disposição de todas as pessoas, e até porque a pessoa vai lá, estuda, depois faz a sua tese, fica lá no banco da Capes, mas não volta isto para os moradores – e essa era outra demanda e reclamação dos moradores, essa é uma forma de estar devolvendo a eles o conhecimento das milhares de entrevistas que fizemos com eles e outros pesquisadores também.
Créditos das fotos: Morro do Alemão - Acervo Instituto Raízes em Movimento - CPDOC | Morro Santa Marta - Sônia Fleury - Dicionário de Favelas Marielle Franco
Sônia Fleury: Nós não queríamos um dicionário físico, nós queríamos a possiblidade de qualquer morador poder, em um dado momento, falar sobre a sua experiência na favela, a liderança que foi importante na favela ou outras coisas que ele gostasse, como a cultura.... Então, isto tinha que estar acessível, não poderia ser um livro fechado. Então, surgiu a ideia da plataforma Wiki .
Marcelo Fornazin: Quem vai definir os rumos (do Dicionário) é o coletivo e não alguns indivíduos. Enquanto estamos construindo a plataforma tecnológica, a gente tem que estar junto, mobilizando as pessoas para que elas criem os dicionários – que chamamos de uma abordagem sóciotécnica – é, ao mesmo tempo, agenciar a tecnologia e agenciar as pessoas para construírem os verbetes, evoluírem, aprimorarem, acrescentarem conteúdo, editarem... Então, isto pra gente é um grande desafio, mais ao mesmo tempo é uma oportunidade de fazer o uso da tecnologia de forma diferente, do que tradicionalmente a gente vê nos usos organizacionais.
Gabriel Nunes: Sou ‘cria’ do Morro do Andaraí, nascido e criado lá até os 12 anos. Saí de lá e fui morar em Nova Iguaçu. E se tem uma palavra que define em relação ao Dicionário é “aprendiz”, porque sou não só no Dicionário, mas na vida.
Eu já tenho o meu conhecimento, eu morei 12 anos lá, então, não é só um conhecimento da favela, mas também um conhecimento da vida, então, era uma oportunidade de eu conhecer ainda mais a favela, que é um assunto do meu interesse. Mas, também do meu caminho acadêmico, de me aprofundar mais, ter mais maturidade.
Sônia Fleury: Isto diferencia muito para eles em relação a pessoas que estão lá pesquisando ou que casaram e foram morar lá, e aqueles que nasceram lá. A identidade de ser daquela comunidade, de ter nascido ali, constitui uma identidade individual e coletiva extremamente forte.
Créditos das fotos: Morro do Alemão - Acervo Instituto Raízes em Movimento - CPDOC | Casa Viva (Manguinhos) - Luiza Gomes - Cooperação Social Fiocruz
Palloma Menezes: Pra mim, o Dicionário é uma possibilidade de articular e potencializar os saberes que são produzidos tanto pelos próprios moradores, quanto por acadêmicos que vêm há anos investindo em pesquisas sobre esses territórios da cidade.
É uma experiência muito potente de articulação entre pesquisa, extensão, militância, atuação política e do encontro desses saberes complementares que a gente tenta trabalhar da maneira a mais igualitária possível, entre as pessoas que vivem o cotidiano das favelas, a partir de seus locais de moradia ou trabalho, e aqueles que tomam a favela como objeto de estudo.
Minha palavra é articulação – tem um sentido de conexão no Dicionário, entre muitos atores, entre muitos locais, eu acho que é muito potente, uma conexão de saberes e valorização de memórias.
Sônia Fleury: Desenrolo é uma situação em que o conflito é de alguma forma negociado. O Dicionário é uma espécie de ‘desenrolo’ entre a academia e a militância. Eu acho que a tensão entre os dois é grande, mas na medida, o Dicionário tenta articular saberes produzidos dentro e fora da favela.
Palloma Menezes: Neste sentido, o Dicionário busca ser um desenrolo de conhecimento porque as pessoas que vão produzir os verbetes – o verbete não vai ficar fechado, estático, a partir daquela pessoa que produziu – ao final, outras pessoas vão poder questionar aquele saber, propor outras versões daquele verbete, ter divergências, apresentar diferenças ou concordâncias em relação a aquele texto que foi proposto inicialmente.
Então, o Dicionário não foi só proposto como uma coisa fechada ou, nesse sentido é vivo, como o Marcelo falou. É algo que estará em constante construção, porque as outras pessoas também podem colaborar, contribuindo também tanto com discordâncias, quanto com concordâncias
Clara Polycarpo: Eu acho muito importante esse Dicionário para trazer realmente outras histórias, porque muito coisa acontece nas comunidades e a mídia fica muito presa às questões de violência, às questões de segurança.
E como a minha área é Política de Segurança nesse recorte, eu acho interessantíssimo e necessário que se amplie as visões de conhecimento sobre as favelas até mesmo para além as questões de segurança. Na verdade, é uma disputa de fato, de narrativas e histórias que estamos contando aqui no Dicionário.
Clara Polycarpo: Saberes e conhecimentos. Não consigo ter uma palavra somente para definir o Dicionário.
Gabriel Nunes: Existem também os moradores para contar a sua própria história, as lideranças. Não existe só um tipo de conhecimento, mas há vários conhecimentos. Trazer o conhecimento popular, trazer as pessoas da favela para contar a sua própria experiência, junto com os acadêmicos e com os seus próprios saberes – isto é o Dicionário de Favelas Marielle Franco.
Sônia Fleury: O que observamos é que o Estado trata a favela como sendo um pano em branco, como se toda favela é favela e é tudo igual, e não é. Cada uma é uma experiência política, social, econômica, completamente diferente da outra, tem uma história por trás que forma uma relação muito tensa quando chega lá e é tratado como se eles não existissem antes do estado entrar ali. É um desrespeito à história.
O mais interessante é que nas favelas as pessoas têm certeza que foram elas que construíram aquilo ali, aquele bairro. Esta identidade de cria vai além, ela tem a ver com a cidade, eles construíram a cidade e têm noção disso.
Créditos das fotos: Morro do Alemão - Acervo Instituto Raízes em Movimento - CPDOC | Morro Santa Marta - Sônia Fleury - Dicionário de Favelas Marielle Franco
Duas palavras estão muito presentes no cotidiano das favelas: esculacho e desacato. Não por acaso, as duas se referem à presença policial nas comunidades. São questões que passam a ser incorporadas, porque moradores e trabalhadores das favelas vivem aquilo no dia a dia da relação tensa com as forças policiais.
Esculacho é a forma de humilhação que alguém – detentor de poder – impõe para controlar o local.
Desacato – pelo Código Penal, em seu artigo 331 - significa menosprezar, menoscabar, desprezar, humilhar o funcionário público no exercício da função ou em razão dela. Na realidade das favelas, quando alguém contesta uma autoridade policial, diz-se que esta pessoa está “desacatando” aquela autoridade.
Em 15 de dezembro de 2016, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que ‘desacato a autoridade não pode ser considerado crime, pois vai na contramão do humanismo porque ressalta a preponderância do Estado – personificado em seus agentes – sobre o indivíduo”. Nas palavras do relator do caso, o ministro Ribeiro Dantas, “A existência de tal normativo em nosso ordenamento jurídico é anacrônica, pois traduz desigualdade entre funcionários e particulares, o que é inaceitável no Estado Democrático de Direito preconizado pela Constituição Federal de 88 e pela Convenção Americana de Direitos Humanos".
Gabriel Nunes: A expressão "desacato" está usualmente ligada ao desrespeito à figura policial que detém o "poder". Então, eu acho que o desacato está em dar voz às favelas com seus moradores, promovendo o saber popular e desacatando a ideia de que só o conhecimento acadêmico é valido!
Sônia Fleury: É um desacato você dizer que existem pessoas legais que estão produzindo um conhecimento, uma história de vida, tem lideranças fantásticas e deixar de tratar. Quando chega um ator do estado e os trata como se eles não existissem antes, é um desacato. E nós queremos desacatar, mostrando tudo isso.
Para se inscrever no evento, clique no cartaz digital!
Leia a matéria principal - Icict lança, dia 10/04, o Dicionário de Favelas Marielle Franco - aqui
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Comentários
Frinéa Souza Brandão
sex, 05/04/2019 - 11:41
Trabalhei com mulheres em favelas de 1986 até 2004
Adaptei um método para trabalhar traumas em mulheres para que qualquer pessoa possa utilizá-lo. Estou disponível para demonstrar, instruir e orientar.
graca.portela
sex, 05/04/2019 - 12:34
Olá Frinéa,
Olá Frinéa, Queira entrar em contato com wikifavelas-peep@googlegroups.com Att., Assessoria de Comunicação - Ascom/Icict/Fiocruz
Regina Rosa Mehl Figueiredo
sex, 05/04/2019 - 10:54
Desejo conhecer o projeto
Desejo conhecer o projeto para ver se tenho como contribuir.
graca.portela
sex, 05/04/2019 - 10:57
Dicionário de Favelas Marielle Franco
Olá Regina, por favor, entre em contato com wikifavelas-peep@googlegroups.com Att., Assessoria de Comunicação - Ascom/Icict/Fiocruz
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