Eles chegaram animados, querem saber mais e incorporar a expertise do Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Icict, em seus trabalhos. Sete policiais civis do Programa “Papo de Responsa”, da Secretaria de Estado de Segurança do Rio de Janeiro (SESEG/RJ), um policial federal e uma funcionária da Prefeitura de Niterói/RJ vieram participar da oficina “Prevenção ao uso problemático das drogas”, no dia 22 de março último.

Um dia inteiro de muita informação, na qual os agentes de segurança do estado puderam saber mais sobre os efeitos das drogas e padrões de uso, a epidemiologia do uso de substâncias psicoativas no Brasil, a rede de atenção psicossocial, os conceitos, modelos e práticas, níveis e estratégias de prevenção ao uso de drogas. A oficina, que é coordenada pelos pesquisadores Francisco Inácio Bastos, Carolina Coutinho e Lidiane Toledo (pesquisadoras associadas ao LIS), foi realizada a pedido dos integrantes do Programa.

O “Papo de Responsa” surgiu há 15 anos, no Rio de Janeiro, como uma iniciativa da polícia civil fluminense. Em 2008, ele foi institucionalizado para todo o país. Ele tem como público alvo adolescentes e jovens, estudantes do segundo segmento escolar e do ensino médio de escolas públicas e privadas, e seus familiares. O programa preconiza um diálogo descontraído – pode se dizer que um bate-papo – sobre prevenção às drogas, violência e o papel do policial na sociedade. Nos últimos três anos (de 2015 a 2017), o Programa, em suas palestras, teve um público total 107 mil pessoas. 

Oficina sob medida

O encontro entre as equipes do pesquisador Francisco Inácio Bastos e a do Programa Papo de Responsa estiveram juntas nos encontros mensais do Grupo de Estudos de Políticas Públicas relacionadas às Drogas, da SESEG/RJ. A partir daí, as duas equipes decidiram realizar um evento que pudesse contar com a troca de experiências e conhecimentos. Daí, para a realização da oficina, foi rápido. Luiz Claudio Mendes da Cunha, o coordenador do Programa, fez o pedido – “a ideia era que pudéssemos apresentar alguns conceitos sobre uso de drogas e prevenção, para fomentar o debate entre os participantes”, explica Carolina Coutinho. O conteúdo sobre os principais efeitos das drogas mais utilizadas no Brasil foi um dos interesses pontuados pelo coordenador do Programa, inicialmente. “Nós, então, construímos a grade da oficina, destacando alguns conceitos sobre efeitos das substâncias, epidemiologia do uso e prevenção”, completa Lidiane Toledo. A ementa da Oficina enfatizava a prevenção ao uso problemático de drogas e a mudança de paradigmas desta área nas últimas décadas.

A equipe de pesquisadores do Laboratório de Informação em Saúde é só elogios para o trabalho realizado pelo Programa: “o Papo faz um trabalho de prevenção em escolas muito interessante há muitos anos, e queríamos poder contribuir, de alguma forma, com informações que eles pudessem utilizar para enriquecer e aprimorar o trabalho que eles já fazem”, afirma Carolina Coutinho.

Comprometimento 

As coordenadoras da Oficina foram unânimes em destacar a participação da equipe do Programa na Oficina. “Todos do Papo são muito comprometidos com o que fazem e nos deram a oportunidade de apresentar novos conceitos e trocar experiências, assim como enriqueceram o debate com o relato de experiência em campo deles”, explica Carolina Coutinho. Durante a Oficina, os alunos participaram ativamente, trazendo questões de seu dia a dia, falando de suas experiências e fazendo inúmeras perguntas. Lidiane Toledo fez questão de destacar “o interesse (dos participantes) em aperfeiçoar suas  práticas, com a intenção de fazer o melhor para o público que atendem. Toda equipe é muito comprometida com o trabalho e levam para os alunos das escolas um olhar crítico dos temas que permeiam a adolescência como a prevenção ao uso de drogas”.  

Para a coordenadora destacou a atenção que a equipe do Papo tem com o público de suas palestras: “eles têm uma preocupação com as crianças e adolescentes, em especial, as mais vulneráveis. Foi possível perceber na fala de cada um, a motivação em querer fazer a diferença, contribuindo para o bem estar social”, afirma a pesquisadora.

O site do Icict ouviu o coordenador do Programa Papo de Responsa”, Luiz Claudio Mendes da Cunha, onde ele sobre a Oficina e o trabalho que a equipe do Programa desenvolve:  

O que levou vocês a fazerem a Oficina "Prevenção ao uso problemático das drogas"?

Em razão de conhecermos a excelência da equipe do Icict, na Secretaria de Segurança, onde fazemos parte do grupo de estudos que analisa o problema das drogas no nosso estado, e para elaborar propostas de políticas públicas que visem a minorar as consequências indesejadas que a população experimenta em razão do uso, tráfico e relações conexas com os entorpecentes ilícitos. 

O que destacariam na Oficina?

A Oficina foi muito bem elaborada e trouxe para nós uma visão completa do que chamamos do ciclo da droga, falando das características dos indivíduos que optam pela relação com a droga, desde a mera experimentação até o uso continuado, que pode levar à adicção, passando pelos hábitos de uso, percorrendo a relação do indivíduo com a droga até a etapa de tratamento ou diminuição de dano. Foi uma viagem ilustrada, com muita ciência embutida, pelo fenômeno de uso e abuso das drogas.

Como é o trabalho desenvolvido por vocês no dia a dia?

Temos uma marca pública e consolidada em 15 anos de atuação e, em razão disso, somos demandados para comparecer em diversas instituições para aplicar a nossa metodologia que se compõe dos seguintes passos:

1 - Encontro com a alta gestão da instituição, no qual apresentamos o programa Papo de Responsa, falamos da sua história, dos preceitos conceituais dos valores e dos conhecimentos que serão informados ao nosso público alvo (no caso de instituições de ensino, os alunos), e, em seguida, apresentamos os passos da nossa metodologia;

2 - Encontro com operadores da instituição (no caso de instituições de ensino, os professores), no qual fazemos a mesma apresentação realizada para os gestores e conversamos sobre o público alvo, na busca de informações das peculiaridades do público final. Esta fase é de apresentação e diagnóstico;

3 - Encontro com o público alvo, onde serão tratados, de modo direto e informal, os assuntos que foram elencados nas duas reuniões de diagnóstico (passos 1 e 2), segundo os preceitos conceituais do Papo de Responsa e da Polícia Civil, que convergem para o que o senso comum da sociedade chamaria de bom viver e viver com segurança;

4 - Visita à Cidade da Polícia. Nesta visita, o complexo de serviços e delegacias especializadas é apresentado, em detalhes, para todos os visitantes que tem a oportunidade de conhecer as instalações, pessoal e a natureza dos serviços especializados prestados por cada órgão.
Ao final da visita, todos são conduzidos ao Centro Desportivo da Cidpol, onde é ministrada, para os visitantes, uma atividade típica do curso de formação de policiais civis;

5 - Reunião com os familiares indicados pelos alunos, geralmente os pais, onde tratamos de assuntos referentes aos cuidados necessários para a prevenção e segurança de todos e respondemos às duvidas e questionamentos. Esse momento tem se mostrado muito especial, em razão do fluxo de informações que recebemos e prestamos, constituindo um importante momento de avaliação e revisão dos nossos preceitos e metodologia.

Em todos esses anos de atuação do Programa, nas centenas de palestras que vocês ministraram, houve algum momento em que perceberam que o trabalho que realizam vale a pena? Por quê?

Todos os dias! É incrível, mas todos os dias em que conversamos com os públicos das mais diversas regiões do estado, das mais distintas classes sociais e culturais, somos remunerados, ao final, pela aproximação simpática e com os muitos relatos que são feitos nas nossas mídias sociais. 

Nosso Facebook ‘bomba’ de participação, perguntas, informações e elogios, e isso nos dá muita alegria.

Vocês teriam algum exemplo no qual as palestras ministradas por vocês mudaram o rumo de jovens e adolescentes?

Sim, muitos, mas vou citar apenas um. No inicio do ano passado (2017), comparecemos em uma escola pública estadual na Baixada Fluminense e, ao chegarmos à escola, fomos recebidos com tiros. Mesmo assim, permanecemos na escola e, à pedido da diretora, iniciamos o nosso ‘papo’ com os alunos. Durante o ‘papo’, percebemos que os alunos estavam tensos, não riam, não prestavam atenção e não participavam. Achamos muito estranho, porque isso não é comum, mas continuamos a nossa missão. 

Logo em seguida percebemos que um rapaz exercia a liderança do grupo e que ele determinava as reações de todo grupo. Em um dado momento, esse rapaz interrompeu a minha fala e disse, literalmente o seguinte: "aí, agora que eu tô percebendo qual é a de vocês, vocês não vieram aqui, de Polícia para esculachar a gente não, tô percebendo que vocês vieram para dar um papo legal na gente." Imediatamente esse rapaz se levantou, tirou o celular do bolso e disse que ia fazer uma ligação e foi para o corredor, e, curiosamente, assim que ele ligou para alguém, os tiros que estavam nos incomodando cessaram.

Ele retornou para a sala e começou a sorrir, participar, perguntar e, logo, toda a turma mudou e começou a sorrir e participar ativamente com perguntas e considerações sobre o assunto.

No final, este rapaz pediu para conversar comigo e me contou que era da ‘boca’, do tráfico e que já vinha pensando na sua vida e que o ‘papo’ conosco foi determinante para que ele fizesse uma mudança radical daquele momento para frente.

Dias depois, ele fez contato com o Papo de Responsa, pela nossa página do Facebook e pediu para que eu conversasse particularmente. Marcamos um encontro, tivemos algumas conversas e ele se retirou daquele bairro, daquela ‘boca’, do tráfico e foi tentar uma nova vida em outra cidade, apoiado por parentes. Recentemente, tivemos notícias de que ele está bem, de que permanece vivo e afastado das atividades criminosas.

Esse foi um dos muitos momentos de transformação com que somos presenteados!

O conteúdo abordado trouxe uma nova perspectiva para o trabalho que vocês realizam?

Sim, a Oficina nos fez repensar no trabalho que fazemos e abriu nossos olhos para novos horizontes. 

Como vocês pretendem utilizar o que foi aprendido na Oficina?

Vamos rever a nossa metodologia, ampliar o nosso conteúdo, introduzindo o que a Fiocruz nos forneceu, e fazer algumas pesquisas e diagnósticos mais complexos, e para isso, temos certeza, vamos contar com a valorosa contribuição das doutoras Lidiane, Carol e do doutor Francisco, modelos de investigadores da realidade, cientista, nos quais nos inspiraremos para realizar, a cada dia, um trabalho melhor.

Veja ao lado a galeria de fotos da Oficina e acesse também o facebook do Papo de Responsa, para conhecer melhor o trabalho que é desenvolvido.

Créditos

Foto Alunos e professoras da Oficina: Carolina Coutinho & Lidiane Toledo (LIS/Icict/Fiocruz)

Demais fotos: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)