Francisco Viacava

por
Renata Augusta
,
08/12/2015

Vida entrelaçada com a história da saúde coletiva no Brasil


Envolvido com temas como informação em saúde, avaliação de sistemas e serviços de saúde desde o início de sua carreira, nos anos 1970, Francisco Viacava recebe, em novembro de 2015, o título de Pesquisador Emérito da Fiocruz. O reconhecimento, proposto pela diretoria do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), e aceito pelo Conselho Deliberativo da Fundação, advém das quase quatro décadas de dedicação à instituição com trabalhos de destaque para a saúde coletiva no Brasil e com alcance internacional.

A homenagem pelo conjunto de realizações durante a carreira é mais um estímulo para que Chico, como é chamado pelos seus pares, continue à frente da coordenação do Projeto de Avaliação de Desempenho do Sistema de Saúde Brasileiro (Proadess), que analisa o desempenho do SUS em um contexto político, social e econômico. Com base na identificação dos determinantes sociais da saúde, o Projeto visa montar um cenário sobre a magnitude dos problemas de saúde brasileiros e sua expressão em diferentes regiões geográficas e grupos sociais. Ao relacionar questões sociais com a saúde pública, o Proadess leva a marca de Viacava, que desde o início de sua carreira em medicina esteve engajado em buscar soluções para a saúde das populações menos assistidas.

O pesquisador, que chefiou o Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict) até 2013, ingressou no curso universitário no início do regime militar e lembra que o período era de contrastes, com muitas ideias se contrapondo ao que estava estabelecido. “A nossa geração começava a se manifestar e avaliar o que havia sido proposto para a gente fazer”, conta.

Ele próprio graduou-se pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 1970 e aproximou-se da Medicina Preventiva e Social, interesse que já manifestava antes mesmo de ingressar no curso e que se intensificou após o contato com a prática nas enfermarias da Santa Casa de Misericórdia, onde se deparou com o atendimento a populações carentes. “Quando escolhi fazer medicina, pensava nas populações mais carentes, nos índios... pensava em como dar um jeito para melhorar as condições de saúde dessas populações”, comenta.

Coerente com sua escolha em favor da saúde coletiva, foi monitor do Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, onde se aproximou do grupo que passou a ser coordenado por Sergio Arouca. Viacava selecionou a desnutrição infantil como campo de atuação e passou a trabalhar no serviço de puericultura do Centro de Saúde de Paulínia (SP). Recém-formado, trabalhou com José Eduardo Dutra de Oliveira, da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, onde também fez mestrado em Medicina Preventiva e Social. Em 1973 foi contratado pela Unicamp, e nos anos seguintes realizou pós-graduação no Instituto de Nutrição Humana e na Escola de Saúde Pública da Universidade de Columbia (EUA).

A Fiocruz e a opção pela informação em saúde

Em 1977, contratado pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), que em convênio com o Instituto Nacional de Alimentação e Nutrição – INAN do MS e IBGE – promoveu a análise dos dados do Estudo Nacional da Despesa Familiar (Endef), realizado no biênio 74/75. Mais tarde, quando Arouca assumiu a presidência da Fundação, em 1985, o pesquisador foi cedido à Fiocruz para acompanhar os projetos desenvolvidos com apoio da própria Finep. Nessa fase, participou da criação da área de informação em saúde, junto com os pesquisadores Euclides Castilho e Célia Landmann, no recém-criado Centro de Informações em Saúde (CIS), embrião do futuro Icict.

Viacava lembra da resistência em relação à nascente área de informação em saúde, uma vez que não existia parâmetro que norteasse suas características. “Havia uma discussão com a área de bibliotecas, onde ciência da informação era um tema consagrado. Mas nós queríamos fazer outra coisa, queríamos fazer um departamento de informação em saúde (dados para a avaliação e monitoramento da política de saúde) e isso era inovador”, resume Viacava, que também completa: “O Arouca admitia a importância da informação para a saúde, mas mesmo assim não foi simples delimitar os campos no interior da recém-criada Superintendência de Informação Cientifica e Tecnológica (Sict), a cargo do Dr. Henrique Lenzi”.

Superado esse momento inicial, o Icict se desenvolveu e abarcou vários aspectos das áreas de comunicação e informação em saúde. Na sua estrutura foi criado, entre outros laboratórios, o de Informação em Saúde (LIS), que foi chefiado por Viacava de 1992 até 2013. Ao lado dos pesquisadores que vinham do CIS, o LIS passou a contar com Christovam Barcellos e Claudia Travassos, cuja expertise com os indicadores de saúde em diferentes áreas é considerada por Viacava como essencial para o desenvolvimento dos projetos realizados. Atualmente, o LIS já conta com 20 servidores permanentes, além de terceirizados e bolsistas dos projetos.

Outro instrumento de informação em saúde que contou com a participação de Viacava foi a Rede Interagencial de Informações para a Saúde (Ripsa), iniciativa do Ministério da Saúde e da Organização Pan-americana de Saúde (Opas/OMS) e que congrega instituições responsáveis pela geração, análise e disseminação de dados aplicados a políticas públicas de saúde. “A Ripsa foi criada como uma rede institucional de informação para a saúde tendo um grupo acadêmico disposto a trabalhar com o Ministério da Saúde na formulação dessa política”, analisa o pesquisador, que completa: “o primeiro resultado disso foi a criação dos indicadores – os Indicadores e Dados Básicos para a Saúde, conhecidos como IDBs”.

Mais um projeto institucional, em conjunto com a pesquisadora Claudia Travassos, foi o desenvolvimento do suplemento de saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios do IBGE, cujo primeiro questionário, feito ao longo de quase dois anos, foi a campo pela primeira vez na Pnad 1998 e, posteriormente, nas Pnads 2003 e 2008. “Como a Pnad é um inquérito domiciliar, você colhe a renda, a escolaridade da família e outras variáveis que vão possibilitar a geração de informação epidemiológica e social”, resume.

Ao longo do tempo, o Icict passou a colaborar com iniciativas de outras unidades da Fiocruz, do Ministério da Saúde e de outras entidades do setor. Um caso exemplar e que acabou por ser um marco na carreira de Viacava foi a análise do Informe 2000, documento da Organização Mundial de Saúde (OMS) para análise do desempenho de sistemas de saúde em 191 países-membros. O trabalho coordenado pelo Icict envolveu pesquisadores da Fiocruz e outras sete instituições universitárias, que elaboraram textos científicos demonstrando a fragilidade da proposta e dos indicadores utilizados. Foi a partir desse contexto que nasceu o Proadess, mantido no Icict e coordenado pelo pesquisador até hoje. Dados das Pnads, e agora da Pesquisa Nacional de Saúde analisados pelo projeto indicam que apesar do subfinanciamento, no período de 1998 a 2013, o acesso aos serviços tem melhorado substancialmente, verificando-se aumentos nas taxas populacionais de consultas médicas e odontológicas, no percentual de pessoas que procuram atendimento em postos e centros de saúde e na realização de mamografia e Papanicolau.

Por tantos trabalhos significativos, pode-se dizer que o médico sanitarista e agora pesquisador emérito da Fiocruz tem sua carreira mesclada com a história da saúde coletiva no Brasil. Sempre contribuindo para o SUS, Viacava se emociona ao comentar sua trajetória: “A minha geração é de pessoas que contribuíram intensamente para o SUS. Teve o Arouca e o pessoal que pensou o sistema e nisso todos nós conseguimos participar de alguma forma”. E por isso, o merecido reconhecimento.

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