Meio ambiente e a experimentação neoliberal é tema de livro

por
Graça Portela
,
14/12/2018

A palestra proferida no dia 19 de fevereiro de 2018, por Carlos Saldanha como professor visitante no Centre d’Étude et Recherche Travail, Organization, Pouvoir (Certop) da Université de Toulouse Jean Jaurès e do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), na França, acabou sendo transformada em livro pelo pesquisador do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Licts)/Icict/Fiocruz. “L´expérimentation néolibérale et la dégradation de l´environnement au Brésil” (em tradução livre, ‘A experimentação neoliberal e a degradação do meio ambiente no Brasil’) traz mais uma vez a sua preocupação com o meio ambiente, que acaba sendo usada como fio condutor para a análise crítica da sociedade brasileira e a exploração de perspectivas para o Antropoceno.

Autor de livros como “Práticas religiosas afro-brasileiras e as Ciências Ambientais” (com mais outros cinco autores), "Desenvolvimento Sustentável para o Antropoceno", "Temas e problemas da vida em sociedade no Brasil" ou “Governança Climática no Antropoceno”, em parceria com Rodrigo Machado Vilani, Carlos Saldanha conversou sobre mais esse lançamento. Leia abaixo.

Do que trata o livro “L´expérimentation néolibérale et la dégradation de l´environnement au Brésil”?

Trata-se da versão completa com reflexões e ideias que surgiram após a sessão de perguntas e respostas e algumas notas e referências bibliográficas atualizadas. A palestra fez parte das atividades que desenvolvi durante os meses de fevereiro e março enquanto professor visitante do CERTOP, com todas as despesas pagas pela Universidade. 
Globalmente, eu diria que através desta palestra, e de uma outra que não foi publicada na forma de livro, procurei demonstrar como concebo e pratico uma ciência sócio-ambiental descritiva, analítica, reflexiva, normativa e biocêntrica, dotada de valores sociais, na compreensão da realidade brasileira e do mundo transnacional da vida em comum a todos nós. O fato de considerar fenômenos históricos como objeto de análise científica como, por exemplo, o neoliberalismo e a degradação ambiental, que afeta diretamente a saúde das populações, implica a necessidade de ajustar continuamente teorias e conceitos por conta dos processos empíricos estarem constantemente mudando. 

O senhor tem quase que uma metodologia própria para escrever sobre o tema. Como é o seu processo de produção de conhecimento?

Ao olhar para o caso da realidade brasileira, mergulhada em uma abrupta fratura institucional, todo o meu esforço intelectual visou precisamente escapar da divisão entre fenômenos materiais e fenômenos morais, entre dimensões físicas e dimensões culturais. Procurei demostrar que o meio ambiente não é uma essência, mas uma montagem entre humanos e natureza, assumindo diferentes formas de acordo com os contextos culturais, sociais e institucionais. A ciência socioambiental que pratico é um processo de produção de conhecimento científico que articula, por meio de tentativas e reformulações, e graças ao uso de uma metodologia mista que combina métodos qualitativos e quantitativos, três componentes que estruturam esse processo: dados, evidências e ideias. Esta combinação é vantajosa em termos de compreensão, corroboração, explicação, validação, transferibilidade ou generalização dos conhecimentos produzidos.

Em sua análise da realidade brasileira...

Procurei demonstrar que o neoliberalismo é um estreitamento do campo de direitos e a ampliação do espaço de privilégios e desigualdades ambientais, resultando em injustiças sociais. A racionalidade neoliberal busca minar as estruturas do Estado do Direito Democrático e os limites impostos ao exercício do poder e a onipotência da elite se confundem em favor do lucro, do mercado e da circulação do capital financeira. A globalização neoliberal se apega aos processos de criação de uma economia global unificada que transforma os recursos naturais em matérias-primas e energia – desconsiderando os sistemas biológicos e físicos que sustentam a vida no planeta Terra – e intensificando, ao mesmo tempo, o fluxo de capital como a atividade mais importante, ainda mais importante do que as atividades de produção e comercialização de produtos.

Como isto tem sido feito?

Este processo vem sendo consolidado através da liberalização do comércio, da expansão dos cabos submarinos responsáveis por 99% das comunicações globais transoceânicas, da modernização dos meios de transporte, o desenvolvimento do contêiner e de navios porta- contêineres e o progresso das tecnologias de informação e comunicação que abrangem todo o globo e conectam lugares distantes de regiões do planeta Terra habitadas por mais de sete bilhões de pessoas.

E a relação desenvolvimento versus meio ambiente?

Sempre observo o modelo de desenvolvimento dos governos da federação de maneira bastante crítica, pois há mais de 70 anos esse modelo tem sido baseado na privatização dos lucros e na socialização das perdas. Por exemplo, entre 2000 e 2017, mais de 1,2 milhão de pessoas foram forçadas a deixar o território onde moravam, devido à implementação de grandes projetos de infraestrutura, incluindo a construção de hidrelétricas, rodovias e rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, mas também como resultado de projetos de urbanização, como projetos de pavimentação, drenagem, abastecimento de água, saneamento e apoio a encostas.

A ciência pode ser neutra?

Vivemos em um mundo injusto e criticável, não há neutralidade. Assim, o pesquisador que se refugiar em uma ideia de neutralidade e deixar de se perguntar quais formas devem assumir a sua pesquisa, se quer participar do surgimento de um mundo menos desigual e agir em prol de um mundo sustentável, renuncia de fato à possibilidade de viver uma vida ética.

Por que o senhor fala em responsabilidade do pesquisador?

É imperativo que reconheçamos nossa responsabilidade moral e legal pelo mundo em que vivemos, ou seja, pelo planeta Terra onde os homens vivem, se movem e extraem as matérias-primas para a fabricação de seus artefatos. O exercício dessa responsabilidade cívica pode nos fornecer a resposta ao que é devido aos indivíduos através de uma ética ambiental biocêntrica, que se opõe à existência de uma divisão entre a humanidade e o meio ambiente, típica do antropocentrismo, uma vez que uma depende da outra para sobreviver e se desenvolver. Para nós que praticamos o biocentrismo e pensamos na sustentabilidade social e de longo prazo das sociedades, o mercado auto-regulador, emancipado de instituições e sociedades, é um mito. Em outras palavras, a economia deve estar subordinada às necessidades dos homens, e não o contrário.

Qual ênfase o senhor deu em sua palestra na França?

Procurei descrever e analisar, de forma mais detalhada para os colegas franceses, a força contemporânea mais devastadora para os ecossistemas terrestres, os povos indígenas, as comunidades quilombolas e a agricultura familiar do Brasil: os ruralistas. Como sabemos, são atores econômicos e políticos praticantes do antropocentrismo, defensores da economia de mercado livre e da ideologia neoliberal, desde que suas atividades estejam apoiadas e protegidas pelo Estado. 

E no Brasil?

Aqui, os ruralistas são responsáveis pela destruição aniquiladora da biodiversidade e pelo esgotamento impiedoso dos solos e dos recursos hídricos, com suas monoculturas extensivamente mecanizadas (soja, cana-de-açúcar, milho, algodão, eucalipto, etc), nos biomas Cerrado e Amazônia. Esses agentes econômicos e políticos são herdeiros da secular tradição brasileira de destruição ambiental e de assassinato no campo; são verdadeiros racistas homicidas e ecocidas no território nacional; são neoliberais que querem sobreviver com a implementação do capitalismo livre de risco porque apoiados pelo Estado, em um ambiente de negócios competitivo e cujas cadeias produtivas globais estão em constante mudança. 

Mas, há danos no meio ambiente...

Os ruralistas não se sentem preocupados com os danos irreparáveis causados ao patrimônio biológico e genético brasileiro devido ao consumo exponencial de recursos hídricos e ao uso de pesticidas. Eles também não se percebem como uma força motriz expressiva por trás das emissões de gases do efeito estufa, como o óxido nitroso [N2O] e o metano [CH4] no processo de produção de alimentos, como a soja. e milho através do uso de pesticidas e dezenas de milhões de animais que fazem parte do rebanho global.

O livro está sendo lançado pela editora e-Papers e já está disponível para compra no site da editora. 

 

Créditos das imagens:

Seca: Banco de Imagens da Agência Brasil - Ceará

Desastre de Mariana (com carro): Rogério Alves / TV Senado

Desastre de Mariana (com casario): Romerito Pontes - Creative Commons

Capa do livro “L´expérimentation néolibérale et la dégradation de l´environnement au Brésil”: Carlos Saldanha (desenho)

 

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