Governança climática é tema de livro a ser lançado dia 6/11

por
Graça Portela
,
29/10/2015

No próximo dia 6/11, o pesquisador Carlos Saldanha, do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Licts) e colaborador do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), lançará o livro “Governança Climática no Antropoceno”, em parceria com Rodrigo Machado Vilani.

Se no livro anterior (“Desenvolvimento Sustentável para o Antropoceno”, de Carlos Saldanha) são enfocadas as mudanças climáticas que estão ocorrendo e que ainda virão, seus efeitos sobre o planeta e o papel da sociedade nesse contexto, neste os autores se aprofundam na questão do papel do homem na governança climática, mantendo uma visão humanista e levando em consideração questões como altruísmo pragmático e esperança, com os autores apresentando proposições que “demandam atenção prioritária nos debates sobre as mudanças climáticas”, conforme esclarece Saldanha.

“Governança Climática no Antropoceno” será lançado na sexta-feira (6/11), às 19h, na Blooks Livraria, que fica no Espaço Itaú de Cinema, na Praia de Botafogo, 316, Lojas D/E, em Botafogo, no Rio de Janeiro.

Nesta entrevista ao site do Icict, Saldanha fala sobre o livro que será lançado e sobre questões como a 21ª Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática – a COP 21 e as expectativas de mudança para o Brasil.

Quais são os principais dilemas que o senhor enxerga na questão da governança climática?

Eu diria que avanços e retrocessos vêm caracterizando as políticas ambiental e climática do Brasil. Mas posso afirmar, com base nas análises das ações governamentais colocadas em prática pelo Executivo federal nos últimos anos, que as metas anunciadas recentemente para cortar emissões de gases de efeito estufa, mais conhecidas como INDC, não serão cumpridas. O governo federal estabeleceu a redução desses gases em 37% até 2025 – tomando-se por base os níveis de emissão de 2005. Infelizmente, a prevalência de interesses dos lobbies no Congresso Nacional é o principal nó para a democratização da estrutura política nacional. Por exemplo, a banca ruralista no Congresso Nacional conta com 119 deputados diretamente ligados ao agronegócio, cerca de 23% do total de 513 Deputados Federais. Todos os dias surgem notícias sobre a intensa corrupção entre dois dos três poderes da República, o Executivo e o Legislativo, sendo a mais atual a da compra de medidas provisórias (atos presidenciais com força de lei e vigência temporária que dependem de aprovação do Congresso Nacional para sejam convertidas em lei) por empresas do setor automotivo para favorecer seus interesses com redução de impostos e aumento dos lucros com a venda de uma fonte de emissão expressiva de dióxido de carbono, o CO2. Há um evidente descompasso e uma falta de articulação entre Executivo e Legislativo. Este fator, por óbvio, dificulta a composição e a otimização de esforços para o cumprimento das metas climáticas, em particular, e dos objetivos do desenvolvimento sustentável, de maneira geral. Entre os interesses do presente e os direitos do futuro, esta lacuna é, atualmente, o grande desafio do Estado brasileiro.

No livro, os senhores fazem algumas propostas...

Há pelo menos 11 proposições, que são desenvolvidas no livro, que demandam atenção prioritária nos debates sobre as mudanças climáticas pelos três poderes que formam o Estado, sobretudo pelo Poder Executivo: 1) Definir os royalties do petróleo e do gás natural como fonte de financiamento para a execução de políticas públicas de economia de baixo carbono; 2) Enunciar de forma clara o modelo de governança climática; 3) Fortalecer a base organizacional do arcabouço jurídico-institucional; 4) Valorizar mecanismos de responsabilização de atividades econômicas pró-ativas; 5) Valorizar o trabalho científico para uma sociedade sustentável; 6) Formar a base demográfica do futuro da cidadania para uma vida republicana; 7) Viabilizar o letramento científico sobre as mudanças climáticas para um diálogo esclarecido entre os cidadãos e para o controle social; 8) Incentivar à sociedade civil a participar de uma ação pública responsável; 9) Aprimorar a política nacional sobre a mudança do clima; 10) Investir em fontes de energia renovável e reduzir os investimentos em combustíveis fósseis; e 11) Incentivar gestores públicos a utilizar tecnologia da informação voltada para às atividades de planejamento que incorporem, em suas configurações, clima e desastres.

Com base em suas pesquisas, como, então, resolver ou contribuir para a superação desse desafio, tendo como horizonte a sustentabilidade da sociedade brasileira?

Praticando uma ciência socioambiental descritiva, analítica, reflexiva, normativa, biocêntrica e provida de valores sociais. Diante da realidade em que nos encontramos, o que essa ciência que tenho praticado tem a propor? Em poucas palavras, eu diria que o enfrentamento daquele grande desafio passa através da implantação de um modelo de governança climática de caráter multissetorial, multiatores, multiescalar e multidimensional como forma de fortalecer e assegurar eficácia às metas da Política Nacional de Mudança do Clima, ampliando a representação de instituições de pesquisa nacionais no âmbito do Comitê Interministerial sobre Mudança do Clima (instituído pelo decreto 6.263/2007), discutindo a criação e devida regulamentação de avaliações de riscos ambientais associados às mudanças climáticas, que discutimos em detalhes no livro, no âmbito do processo de elaboração de políticas, planos e programas setoriais de toda a administração pública federal.

Em seu livro anterior, o senhor faz “uma análise crítica a partir da compreensão do desenvolvimento sustentável baseada em descrições e análises da sociedade brasileira, procurando conexões, levantando discussões e reflexões propositivas”. Neste novo livro, enfocando a governança climática, o senhor aborda a questão do altruísmo pragmático e da esperança. Como se daria isso?

Em vista da hipótese, hoje plausível, de descontinuidade da sobrevivência de todos os humanos na Terra, em um futuro ainda não definido, mas vislumbrado, por conta dos efeitos negativos advindos com as mudanças climáticas, é imperativo continuarmos agindo, se engajar, se comprometer, cada um a seu modo, permanentemente ou temporariamente, diante da complexidade da realidade da degradação observada, olhando para essa realidade em termos de sistemas para exercitar uma forma de pensamento baseada em um método de solução de problemas. Nesse sentido, já há no Brasil um ótimo nível de entendimento do cidadão médio sobre as causas da mudança climática, e de seu impacto sobre o cotidiano da população, e uma insatisfação com o baixo grau de prioridade dado pelo governo a esse tema, crucial para o desenvolvimento do país.

Ora, se os impactos são reais e estão acontecendo nos instantes da vida, devemos, então, ser responsáveis pela manutenção do esforço de reversão do quadro de degradação da qualidade do clima da Terra, nos esmerando em uma epistemologia cívica, visto que, ao agirmos no entorno do espaço imediato do nosso mundo micro-sociológico – com regras que controlam os aspectos mais rotineiros de nossas interações na vida cotidiana e – pensando em nossa própria sobrevivência, estaremos contribuindo para o bem de outros, que vivem também em seus mundos, por conta dos efeitos positivos sobre o ambiente advindos com o somatório do pragmatismo de ações individuais. Eu diria que sem nenhuma especificidade radical ou essencial, a prática social do altruísmo pragmático, que considero o conceito original desse novo livro, convive com o sistema de virtudes que surgem da própria existência humana como a coragem, o senso de justiça e de solidariedade que reforçam o senso ético, em uma palavra, convive com o sistema simbólico que aponta valores supremos para uma governança climática.

O altruísmo pragmático é uma prática complementar entre as diferentes práticas sociais, todas elas irredutíveis entre si, mas relacionadas umas às outras, num todo complexo e contraditório, que participa do processo de governança quando indivíduos reconhecem a imperfeição da sociedade, que não pode satisfazer todas as necessidades do homem, para que se possa alcançar um mundo razoável com uma soma positiva do jogo de interesses dos atores envolvidos na dinâmica territorial com degradação ambiental e mudança climática.

Para não me alongar mais, eu diria que o indivíduo sadio no Antropoceno é aquele capaz de criar novas formas de vida em resposta aos acontecimentos que atravessam sua experiência de forma imbricada. O altruísmo pragmático participa da capacidade dos indivíduos de reivindicar e de agir coletivamente no presente para transformar as condições de sua existência comungando uma epistemologia cívica movida pela esperança de um mundo melhor.

A esperança humanista no Brasil no século XXI não é, portanto, uma espera passiva, mas se  dá através de uma construção onde a revisão crítica do passado e a leitura sóbria do presente contribuem para o surgimento do novo, exigindo a participação de todos os atores da dinâmica territorial da República através de uma tipo de ação livremente consentida pelo próprios atores, o altruísmo pragmático, que não é outorgada do alto pelo Estado, mas uma prática social induzida de baixo pela rudeza dos fatos. Agir de forma em comum com outros no espaço público, conscientes da fragilidade das coisas humanas e visando preservar o mundo comum, engaja os atores nos processos de mitigação e de adaptação às mudanças climáticas.

A 21ª Conferência das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática – a COP 21, entre 30/11 e 11/12 em Paris, onde se espera que seja estabelecido um acordo limitando, até o fim do século 21, o aumento da temperatura global em até 2º C. O senhor acredita que haverá avanços reais em relação à governança climática?

Como eu havia dito na minha resposta a sua primeira pergunta, para a COP-21, o Brasil definiu metas ambientais que podem ser consideradas, por um lado, ambiciosas e, por outro, impossíveis de serem cumpridas. A grande incerteza sobre a governança climática global reside exatamente em saber se os esforços serão realmente implementados pelos países signatários. Portanto, trata-se de uma questão que pertencem ao tempo futuro, mas a vida material de cada um está ligada, antes de mais nada, à organização e ao funcionamento de uma economia que, por sua vez, estão ligados às ações ou à inércia do poder estatal. Ou seja, no tempo presente, a cidadania de cada um exige a vivência e a responsabilidade diária com os rumos da política, do governo e do meio ambiente.

No exercício de nossa cidadania, nós, homens e mulheres de ciências e de tecnociências, produtores de evidências científicas, que exercemos nossas profissões em espaços acadêmicos públicos, com nossos conceitos, teorias, modelos e algoritmos grandemente tributárias dos avanços e aplicações científicas ocorridos ao longo dos últimos trinta anos, a esperança é o estado em que se crê que aquilo que se deseja ou pretende é possível porque a História é feita pelos Homens, que podem, consequentemente, entender os processos que desencadearam e os acontecimentos que fizeram do mundo moderno aquilo que ele é, para o bem e para o mal, e corrigir e/ou redirecionar o seu sentido e direção.

 

Comentar

Preencha caso queira receber a resposta por e-mail.

Arquivos para download

Convite - Lançamento do livro Governança Climática no Antropoceno

Livro de Carlos Saldanha e Ricardo Vilani, dia 6/11, às 19h, no Espaço Itaú de Cinema

Assuntos relacionados

Congruência entre religião e ciência para um Estado Ambiental é tema de artigo de pesquisador do Icict

Jornal da Ciência destaca artigo escrito pelo pesquisador Carlos Saldanha, do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde

Pesquisador do Icict lança livro sobre desenvolvimento sustentável dia 30/10

“Desenvolvimento Sustentável para o Antropoceno”, livro de Carlos Saldanha, traz nova abordagem sobre a relação meio ambiente e sociedade

Para saber mais

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.

O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.

logo todo somos SUS