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“Sofrer em silêncio – não importa por qual motivo – dói mais.
Importa reconhecer quando nos encontramos em sofrimento persistente, para que procuremos ajuda.
Desabafar ajuda.
Confiar nos amigos ajuda.
Confiar na família ajuda.
Ligar para o CVV (141) ajuda.
Procurar uma unidade do CAPs (Centros de Atenção Psicossociais) ajuda.”
O trecho acima foi produzido pelo jornalista André Trigueiro (em seu blog “Mundo sustentável – abrindo espaço na mídia para um planeta em transformação”), após o impacto da morte de quatro pessoas de uma mesma família (pai, mãe e dois filhos) na Barra da Tijuca, no Rio de Janeiro no final de agosto. O pai, em desespero, tirou a vida da família e também a sua própria.
O impacto da notícia trouxe à mídia e à sociedade, mais uma vez, a discussão sobre o suicídio. E com, ela, o discurso necessário e urgente da prevenção, que passa por alguns passos simples tanto daquelas pessoas que estão em volta de alguém com ideação suicida, como da sociedade e do governo.
Em 2006, o Ministério da Saúde instituiu a portaria nº 1.876, que criou as Diretrizes Nacionais para a Prevenção do Suicídio, abordando a implantação “em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão”. Em seu artigo 2º, dentre outros pontos, a Portaria preconiza:
I - desenvolver estratégias de promoção de qualidade de vida, de educação, de proteção e de recuperação da saúde e de prevenção de danos;
II - desenvolver estratégias de informação, de comunicação e de sensibilização da sociedade de que o suicídio é um problema de saúde pública que pode ser prevenido;
III - organizar linha de cuidados integrais (promoção, prevenção, tratamento e recuperação) em todos os níveis de atenção, garantindo o acesso às diferentes modalidades terapêuticas;
Estão aí inclusos os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), com as suas 2.128 unidades espalhadas pelo país, para prestar a assistência especializada. Também, no Rio de Janeiro, o governo municipal sancionou o projeto de lei 961/2014, criando o Plano Municipal de Prevenção ao Suicídio, que tem por objetivo “identificar possíveis sintomas, tratar o transtorno e prover o acompanhamento de indivíduos que apresentem o perfil, minimizando a evolução dos quadros que podem chegar ao suicídio”, com palestras para profissionais, exposições, idealização de canais de atendimento, direcionamento de atividades e monitoramento dos casos.
As duas leis são importantes, pois enquadram o suicídio como um assunto de saúde pública e também uma questão de violência, que merece mais atenção, mas elas deixam ainda lacunas que precisam ser resolvidas no serviço público de saúde e na formação de profissionais e técnicos da área. Maria das Graças Araujo, coordenadora da Comissão CVV-Comunidade, do Centro de Valorização da Vida – CVV, no Rio de Janeiro, diz: “é necessário ter a disciplina de prevenção ao suicídio nos cursos da área de saúde, pois não há nenhum preparo (do pessoal). Ouvir que algum profissional de saúde disse a uma pessoa que tentou se matar: ‘Vocês dão muito trabalho aqui’ – é inacreditável”, reclama. Sua posição é fundamentada nas estatísticas mundiais que afirmam que 90% dos casos de suicídio poderiam ser evitados. E um melhor acolhimento nos serviços de saúde poderia ajudar muito mais. O psiquatra e psicanalista Carlos Estellita-Lins, coordenador do PesqueSUI – Grupo de Pesquisa em Prevenção do Suicídio, do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde – Licts, em matéria do Portal Fiocruz, reforça esse argumento: "precisamos admitir que o suicídio é uma questão que diz respeito a todos os profissionais de saúde. Todos nós devemos buscar capacitação profissional para lidar com isto".
Em outra entrevista, desta vez para o programa Ciência & Letras, do Canal Saúde da Fiocruz, ele falou mais uma vez sobre o problema:
A batalha da prevenção tem outras frentes. Em 2014, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) lançou o manual “Suicídio: Informando para prevenir”. Nele, é possível saber sobre o comportamento suicida do brasileiro ao longo da vida, considerando-se um habitante a cada 100. Das 17 pessoas que pensam a respeito, cinco planejam, três tentam efetivamente e uma chega ao autoextermínio, conforme pode ser visto no quadro abaixo.
Mas, como prevenir? A psicóloga clínica Verônica Miranda, mestre em Ciências do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS)/Icict/Fiocruz e integrante do Grupo de Pesquisa de Prevenção ao Suicídio – PesqueSUI (Licts/Icict), chama a atenção para a desconstrução da ideia do suicídio enquanto algo “do outro mundo”, ou seja a sua mitificação: “o trabalho do professor Carlos Estellita-Lins, no PesquSUI, tem buscado esclarecer que o pensamento em suicídio não é uma entidade rara, nem uma aberração. Pode acontecer com qualquer um”, afirma. Já o psiquiatra da Unicamp, Neury Botega, lembra que há um dever de casa que todos – cidadãos individualmente, sociedade civil e governos devem fazer: “o governo deve se preocupar mais; a sociedade precisa de informação sensível e ponderada sobre o problema do suicídio, que precisa deixar de ser tabu a partir das conversas em família”, afirma.
Verônica Miranda reconhece a dificuldade do cidadão comum em abordar o assunto. Segundo ela, “falar sobre suicídio com alguém que você está preocupado, traz um grande desconforto para si próprio. Não é uma tarefa fácil”, mas é necessário. “Se a pessoa está preocupada com alguém, deve agir rápido”, afirma. Abaixo, os mitos sobre o tema, ainda bastante arraigados em nossa sociedade.
Tanto a Organização Mundial de Saúde (OMS), quanto o Ministério da Saúde, a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Centro de Valorização da Vida (CVV) possuem farto material para trabalhar a prevenção ao suicídio para o público leigo, profissionais e técnicos da área de saúde e até para jornalistas. Afinal, todos têm um papel a desempenhar na prevenção ao suicídio.
Nas mídias sociais, o Facebook, em parceria com o CVV, lançou em junho deste ano uma ferramenta de prevenção ao suicídio. Por ela, caso um usuário perceba que outro está, por meio de postagens, manifestando ideação suicida, poderá acionar o Facebook e receber noções de que tipo de apoio poderá dar a quem está em sofrimento e a vítima também poder contar com uma ajuda on-line, sem necessidade de se identificar. A ferramenta traz dicas simples, que podem salvar uma vida.
Na Fiocruz, além de grupos de pesquisas, como o PesqueSUI e o Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli (Claves)/Ensp, os estudos da pesquisadora Cecília Minayo (Ensp) e palestras sobre o tema, um jogo web também soma-se à luta pela prevenção. Trata-se do “Contato - um jogo sobre depressão”, criado pelo Polo de Jogos e Saúde (Multimeios/Icict), que enfoca a questão da depressão, um dos principais gatilhos da ideação suicida.
O objetivo do jogo é identificar as pessoas com transtorno de espectro depressivo e tentar aproximá-las de uma rede de amigos para que recebam suporte e possam ser encaminhadas a um profissional de saúde. Cada “partida” dura apenas dois minutos e ganha quem consegue ajudar o maior número de pessoas (clique na imagem para jogar).
“A ideia se originou da bolsista que trabalha no Polo, que disse desejar trabalhar com algum tema ligado à saúde mental”, afirma o coordenador do Polo, Marcelo de Vasconcellos. “Acabamos decidindo em conjunto pela depressão, devido ao grande número de casos e ao fato de que, apesar disso, ainda restam muitas dúvidas e equívocos sobre a doença entre a população”. De fato, segundo dados da OMS, entre 1990 e 2013, o número de pessoas que sofrem de depressão e ansiedade aumentou em 50%, pulando de 416 milhões para 615 milhões de pessoas em todo o mundo – o problema afeta a 10% da população mundial. Segundo pesquisadores da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), do Rio Grande do Sul, em artigo publicado no Journal of Affective Disorders, analisaram a epidemiologia da doença no Brasil a partir de dados de mais de 60 mil pessoas obtidos na Pesquisa Nacional de Saúde (PNS). A prevalência de indivíduos com risco aumentado para a depressão no país, foi de 4,1¨%, o que significa que 5,5 milhões de brasileiros sofrem com transtornos de espectro depressivo.
O jogo, ainda em fase de testes finais, já pode ser acessado e está disponível para as plataformas PC e Mac, e ainda sem previsão de ser lançado em tablet ou celular. “É um jogo bem simples, justamente porque objetiva focar nesta mensagem para o público leigo”, afirma Vasconcellos. O coordenador do Polo de Jogos e Saúde aposta no “caráter inovador das mídias digitais” para falar ao público sobre saúde: “o SUS depende enormemente da Comunicação em Saúde e os jogos digitais são uma mídia inovadora de comunicação que pode atingir públicos diferenciados, muitas vezes resistentes às mensagens dos meios tradicionais. O próprio caráter inovador do jogo — jogos digitais ainda são vistos como iniciativas originais e interessantes —ajuda na divulgação”, afirma.
Esta é a segunda matéria da série “Não há lirismo no suicídio”. A próxima matéria abordará o suicídio de jovens, que já é a terceira causa de morte violenta nesta faixa etária.
Leia também:
Não há lirismo no suicídio: Os números que assustam
Não há lirismo no suicídio: Quando os anos são poucos (sobre jovens)
Não há lirismo no suicídio: Quando os anos pesam (sobre idosos)
Não há lirismo no suicídio: Do luto à luta (sobre sobreviventes)
Acesse também o especial "Suicídio", da Agência Fiocruz de Notícias, aqui
Créditos da série "Não há lirismo no suicídio":
Infográficos e produção fotográfica: Vera Lucia Fernandes de Pinho (Ascom/Icict/Fiocruz)
Edição de vídeo e fotografias: Graça Portela (Ascom/Icict/Fiocruz)
Apoio: Raíza Tourinho (Ascom/Icict/Fiocruz) e João Paulo Cofir (Secretaria/Biblioteca de Manguinhos/Fiocruz)
Colaboração: Rosany Bochner (Sinitox/Fiocruz)
Foto & arte Castelo Mourisco: Peter Ilicciev (CCS/Fiocruz)
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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