Produção científica do Icict é publicada em conceituada revista norte-americana

por
Rafael Vinícius
,
28/07/2009

Uma produção científica sobre o histórico e a importância do acesso aos medicamentos para tratamento de HIV/Aids no Brasil foi publicado na Health Affairs Journal, uma das mais respeitadas publicações da área de políticas de saúde do mundo. O artigo, assinado pelo pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), da Fiocruz, Francisco Inácio Bastos, foi desenvolvido em parceria com pesquisadores de universidades americanas, entre elas a Harvard, e com a ex-doutoranda da Escola Nacional de Saúde Pública, Elize Massard da Fonseca, hoje na Universidade de Edimburgo, Escócia. O evento de lançamento da edição especial, que é resultado de um conjunto de estudos sobre o acesso à saúde em vários países, foi no dia 15 de julho, em Washington. O tema principal da edição atual foi o acesso aos medicamentos para 35 milhões de pessoas que vivem com HIV/Aids em diversos contextos no mundo.

AIDS Treatment In Brazil: Impacts And Challenges analisou as políticas que o Brasil tem utilizado para promover o acesso ao tratamento da doença, bem como os desafios que o País enfrenta, como o aumento dos custos do tratamento da doença. O estudo explora a relevância do programa de tratamento brasileiro em outros países e as suas amplas implicações para a política de saúde global. “Creio que o sucesso brasileiro é explicado pela vontade política, promoção de uma política pública de enfrentamento, parceria com a sociedade civil (ONG`s) e respeito aos direitos humanos. O Efavirenz nacional é um exemplo desse sucesso”, afirma Bastos. Sobre o assunto, o pesquisador completa que embora as agências internacionais se mostrem céticas quanto à viabilidade e custo-efetividade do tratamento do HIV/Aids, o País apresentou evidências claras de que o programa de tratamento era acessível e viável, mesmo com recursos limitados.

Desde 2001, o tratamento brasileiro se caracteriza por um significativo esforço para transformar as políticas internacionais sobre a saúde, direitos humanos, comércio e políticas relacionadas aos medicamentos essenciais ao tratamento. Os esforços do Brasil significaram uma mudança global na investigação e desenvolvimento de medicamentos, o que resultou na criação da Comissão das Nações Unidas sobre os Direitos Humanos e aumentou a flexibilidade com relação ao acesso aos medicamentos nos países em desenvolvimento.

“O Brasil defende que em um quadro muito complexo e dinâmico, não há como apostar em uma única política, mas em uma complexa combinação de iniciativas, a serem reavaliadas periodicamente”, destaca Bastos. O pesquisador ainda enfatiza que através de um conjunto de políticas que incluem a negociação, a produção nacional de genéricos e a emissão de licenças compulsórias; o Brasil mantém o tratamento gratuito e universal à terapia anti-retroviral potente para todas as pessoas vivendo com HIV/Aids desde 1996.

Medicamentos cada vez mais caros pelo contínuo interesse dos laboratórios e resistência viral aumentando em todo o mundo são os principais desafios que os estudiosos enfrentarão com relação ao tratamento do HIV/Aids no futuro. “O mito de que com o barateamento dos medicamentos e com a produção de genéricos haveria falta de interesse por parte dos grandes laboratórios internacionais é uma bobagem. A crise provou que fabricar medicamentos é bem melhor do que fabricar carros”, explica o pesquisador. Bastos ainda salienta que os investimentos em novos medicamentos aumentarão no mundo inteiro, inclusive no Brasil, e que as indústrias de medicamentos seguirão sua trajetória, com ou sem genéricos.  

A influência brasileira no combate à epidemia

Os esforços do País ajudaram a tornar o tratamento do HIV/Aids mais disponível em todo o mundo. O Brasil provou que os países em desenvolvimento podem influenciar na dinâmica dos preços dos medicamentos no mercado global. De acordo com o estudo, a atuação brasileira no tratamento da doença não tem precedentes nas políticas de saúde. Ao incentivar debates públicos sobre o assunto e ao divulgar os custos do tratamento nos meios de comunicação, o País apostou na transparência acerca dos preços dos medicamentos nos países em desenvolvimento.

Até 2009, 40% das dez milhões de pessoas nos países em desenvolvimento receberam tratamento e muito desse progresso pode ser atribuído aos esforços do Brasil. Desde a década de 1980, o País tem implementado educação e prevenção de campanhas, incluindo a distribuição de preservativos a nível nacional, bem como campanhas direcionadas a populações vulneráveis, como as profissionais do sexo, usuários de drogas injetáveis e homens que fazem sexo com homens. “Apesar do HIV ser uma doença tratável nos países desenvolvidos, devido aos coquetéis e terapias anti-retrovirais, milhões de pessoas no mundo em desenvolvimento ainda não têm acesso ao tratamento”, enfatiza Bastos.

De acordo com um relatório das Nações Unidas, o governo federal gastou aproximadamente 850 milhões dólares no tratamento da Aids em 2007. Alguns argumentam que este valor é exorbitante para um país com uma prevalência inferior a 1%, e que esse dinheiro poderia ter sido gasto na prevenção de doenças que representam mais relevância para o Brasil, como a diabetes. Mas, segundo o pesquisador, não se trata de gastar menos com a Aids, mas de gastar mais e melhor com as demais doenças, especialmente com as negligenciadas, que, como diz o nome, são ignoradas pelos laboratórios multinacionais, simplesmente pelo fato de não ter mercado nos países mais ricos.

A publicação em uma revista de destaque internacional

Ao falar sobre o artigo publicado, Bastos o comparou a um filho, que quando nasce é muito desejado. “Além dessa dimensão estritamente pessoal, espero que o meu estudo contribua para a grande corrente de artigos brasileiros de boa qualidade, sempre a desmentirem pessimistas”, salienta o pesquisador. Ainda de acordo com Bastos, é possível fazer boa ciência no Brasil, assim como implementar políticas que respeitem os anseios da sociedade e os direitos humanos. “Os resultados com relação ao tema HIV/Aids são alcançados através de diversas estratégias criativas, como a produção de medicamentos genéricos para conter a doença”, destaca o pesquisador.
 
A participação do pesquisador é uma entre as centenas de pesquisadores que lidam com o tema no Brasil, que, nos últimos anos, publicaram mais de três mil artigos sobre o assunto. “Temos uma grande atividade científica na área, ainda que com deficiências, assim como os demais países fora do eixo América do Norte - Europa Ocidental, mas de forma alguma a pesquisa em Aids no Brasil é deficiente em relação aos demais países de renda média, muito pelo contrário”, explica Bastos.

As características da epidemia no Brasil

De acordo com o pesquisador, a epidemia no Brasil é concentrada em algumas populações especialmente vulneráveis, mas com taxas de prevalência baixas de um modo geral. “Previa-se uma catástrofe quando eu era jovem; mas envelheci e ela não se materializou. Assisti à pregação de vários profetas do caos, que envelheceram como eu, mas continuam a anunciar as mesmas desgraças”, comenta Bastos. O pesquisador ainda afirma que existe a possibilidade de ocorrer uma reviravolta, mas que não há sinais dela a curto e médio prazo. 

 

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