Sustentabilidade também passa pela informação

por
Ascom/Icict
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30/03/2017

Rio+20 e Cúpula dos Povos fomentam o debate sobre acesso livre à informação e a dados ambientais


O Rio de Janeiro sediou, em junho, a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20. O evento, realizado 20 anos depois da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, foi oportunidade para a renovação do compromisso global com o desenvolvimento sustentável, por meio de dois eixos temáticos: “A economia verde no contexto do desenvolvimento sustentável e da erradicação da pobreza” e “A estrutura institucional para o desenvolvimento sustentável”.

Neste contexto, as relações entre saúde, meio ambiente, informação e comunicação foram tema de edição especial do Centro de Estudos do Icict, realizada em 31 de maio. Intitulado “Icict na Rio+20: acesso livre aos dados ambientais”, o seminário recebeu o jornalista Carlos Tautz, coordenador do Instituto Mais Democracia, e o advogado Flávio Ahmed, presidente da Comissão de Meio Ambiente da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB/RJ) e representante da Cúpula dos Povos. Também participaram do evento o diretor do Icict, Umberto Trigueiros, o vice-diretor de Pesquisa, Ensino e Desenvolvimento Tecnológico da unidade, Christovam Barcellos, a pesquisadora Rosany Bochner, coordenadora do Sistema Nacional de Informações Tóxicofarmacológicas (Sinitox), e o coordenador do Centro de Estudos do Icict, Antonio Marinho.

ENTREVISTA: Carlos Tautz

Em entrevista à Inova Icict, Carlos Tautz e Flávio Ahmed comentam as implicações entre saúde e meio ambiente e a importância do acesso livre à informação para a construção de uma sociedade mais justa e sustentável.

Inova Icict – Como o direito à saúde passa pelo direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado?

Flávio Ahmed – Saúde e meio ambiente estão diretamente relacionados. A Constituição Federal de 1988 garante não apenas o direito à vida, mas o direito à qualidade de vida, em um meio ambiente ecologicamente equilibrado – e isso está diretamente relacionado à saúde física, psíquica e emocional das pessoas. Evidências claras disto são as questões envolvendo resíduos sólidos, que resultam nos grandes lixões presentes em todo o território nacional; o saneamento básico e a contaminação da água, que ainda constitui um enorme desafio ao país; e a poluição do ar, ocasionada sobretudo por veículos automotores, que gera uma série de problemas respiratórios em milhares de pessoas. Mas há também outras formas de poluição menos evidentes ou menos conhecidas que afetam a saúde. Alguns exemplos são a poluição sonora, que hoje registra índices elevadíssimos e pode causar desde sequelas auditivas até o estresse; a poluição visual dos espaços urbanos, que vem sendo bastante discutida no âmbito das grandes cidades; e, mais recentemente, a poluição eletromagnética, causada por antenas de telefones celulares e redes de transmissão elétrica, que constitui fator de risco para o desenvolvimento de câncer.

Carlos Tautz – Há ainda os efeitos indiretos do meio ambiente sobre a saúde. A construção da usina hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, desvia um curso de 100 quilômetros do rio Xingu, o que levará a uma redução brusca do fluxo de água e a um forte impacto no meio ambiente. Por conta disso, já se espera a explosão de casos de malária na região. Além disso, o rio Xingu garante a segurança alimentar e nutricional das comunidades ribeirinhas e funciona como transporte, espaço de lazer, cultura, enfim, faz parte do ethos da população, que agora está ameaçado. Diante deste quadro, tudo o que oferecem para essas pessoas é a remoção para a cidade de Altamira, no Pará, e uma indenização ínfima. Esse é o efeito direto, físico, local da intervenção de um empreendimento como esse sobre o meio ambiente e a saúde das pessoas. E o custo disso para o meio ambiente e a população indígena local – as chamadas externalidades negativas – não é repassado ao investidor privado, que empurra a responsabilidade para o poder público. Mesmo em um caso em que uma intervenção deste porte é justificável – e em relação à hidrelétrica Belo Monte há dúvidas quanto a isso – a legislação indica que o empreendedor, e não a população, arque com as externalidades negativas. Isso pode ser providenciado, por exemplo, pela construção de uma rede de saneamento básico, que traria melhorias imediatas para a saúde das comunidades locais.

Inova Icict – Como o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável está relacionado ao direito à informação?

Flávio Ahmed – As questões relativas ao meio ambiente são entendidas, do ponto de vista jurídico, a partir da noção de direito difuso ou de terceira geração, que engloba as decisões que dizem respeito a toda a sociedade – mesmo a quem não está diretamente interessado no tema. E o acesso à informação é essencial nesse processo. A Política Nacional do Meio Ambiente é categórica ao dispor sobre “a divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico” como um de seus objetivos primordiais. De acordo com a lei, quando a informação não estiver disponível é dever do poder público produzir e disponibilizar esses dados. Isto significa que o poder público tem o dever de agir proativamente na produção desses dados, por exemplo, quando empreendimentos privados não divulgam o impacto ambiental que causam. Outro marco legal importante é a lei nº 10.650, de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama). Esse mecanismo disciplina o acesso às informações ambientais e faculta a qualquer pessoa o acesso a documentos, expedientes e processos administrativos que tratem de matéria ambiental, em meio escrito, visual, sonoro ou eletrônico.

Carlos Tautz – A transparência dos dados ambientais é um direito do cidadão brasileiro. A autoridade pública não é proprietária da informação, apenas gestora, e tem o dever da não omissão. Para garantir o exercício da cidadania, a informação precisa ser clara e acessível para todos. Neste sentido, a nova Lei de Acesso à Informação traz um grande avanço para a democratização dos dados ambientais, ao criar normas para a disponibilização de informações públicas, que devem ser de conhecimento do público.

Inova Icict – Como o acesso livre à informação e a dados ambientais podem contribuir para a cidadania e o desenvolvimento sustentável?

Flávio Ahmed – O meio ambiente é um patrimônio público, por isso o acesso à informação ambiental é muito importante. A questão é como transformar informação em conhecimento, pois o conhecimento é a base para a cidadania, para a interação do cidadão com a realidade política e social em que ele está inserido. Sobretudo no que diz respeito ao direito ambiental, a questão da informação é essencial e está ligada diretamente à cidadania. Está em curso um movimento de conscientização da sociedade sobre a aplicação da legislação ambiental e isso é consequência do maior acesso das pessoas à informação. Também é preciso transformar o acesso à informação em acesso ao conhecimento e numa exigência de cidadania em que cada informação seja disponibilizada em sua concretude, com todas as suas implicações. Isso é essencial para a democracia. Só há cidadania qualificada e participativa na medida em que esse debate se instaurar em toda a sociedade. O desenvolvimento sustentável requer o fortalecimento da cidadania o que, por sua vez, só acontece quando há informação e conhecimento político, social e econômico disponível para a população.

Carlos Tautz – O direito à informação significa acesso à informação qualificada, não mascarada. Ou seja, é preciso que as informações estejam disponíveis e que os cidadãos estejam aptos a utilizá-las. Não basta garantir o acesso se não houver meios para garantir que a informação seja apropriada criticamente pelos cidadãos e influenciem a tomada de decisões conscientes. A Lei de Acesso à Informação é um excelente instrumento, mas deve ser transformada em ação política. Precisamos efetuar uma estratégia nacional de informação pública para resgatar o Estado das mãos das grandes corporações. O Estado brasileiro está entregue hoje a interesses privados e o acesso à informação pública é crucial para reverter essa realidade. A Lei de Acesso à Informação é um primeiro, porém importante passo para o resgate da aura republicana que precisamos reconstruir e precisa ser usada para criar uma cultura e uma vontade política em torno da exigência do direito à informação como forma de fortalecer a democracia.

Inova Icict – Qual o papel das tecnologias da informação e da comunicação neste processo?

Flávio Ahmed – Em seu papel salutar, a Internet representa um enorme avanço como meio difusor de informação e de conhecimento, para que o cidadão possa fazer um juízo de valor com base em critérios reais e possa tomar decisões qualificadas, contribuindo para a construção de uma democracia participativa. No entanto, verificamos que a Internet, assim como a televisão,faz parte da sociedade da informação – e da manipulação. Por isso é preciso ponderar e relativizar os conteúdos acessados. Como as demais tecnologias da informação e da comunicação, a Internet é um poderoso propulsor de informações, mas é preciso ter cuidado porque na maioria das vezes não sabemos a veracidade e correção dos dados que chegam até nós. O Brasil vive, ainda hoje, uma realidade de exclusão digital muito grande e isso é um complicador à realização de processos democráticos via Internet. Na discussão do Marco Regulatório da Biodiversidade, na Rio92, o anteprojeto de lei foi colocado em consulta pública on-line – mas, por mais que os grandes formadores de opinião tenham acesso à rede, esta não é a forma mais justa, equitativa, de acolher os sentimentos e percepções de toda a população. Eu tive a oportunidade de discutir o Código Florestal com lavradores do Estado do Rio de Janeiro, que participaram presencialmente dos debates, à noite – tenho certeza que nenhum deles tem acesso à Internet. Por isso, uma consulta pública via Internet sobre o uso da terra não pode ser válida como instrumento de uma política pública participativa.

Carlos Tautz – Apesar de a Internet estar prestes a completar 20 anos de amplo uso no Brasil, ainda tateamos muito sobre para onde vamos. Em termos históricos, esse é um fenômeno recém-nascido. O Brasil vive o fenômeno das lan houses – são 120 mil em todo o país, com cerca de vinte computadores, que são utilizados, em média, por dez pessoas diariamente. Isso gera uma média de 20 milhões de acessos à Internet por dia – somente em lan houses, que em geral estão instaladas em bairros pobres, onde está localizada a população alvo de políticas assistencialistas. É um fenômeno que precisa ser mais bem estudado, em toda a sua complexidade.

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