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Em uma viagem de trabalho a Petrópolis (RJ), há mais de um ano, a bibliotecária Fátima Duarte ficou impressionada com um mapa que observou no saguão do hotel. Ao ir embora levou consigo fotografias do mapa e a certeza que acabara de ver uma preciosidade. Duarte, que é chefe da Biblioteca de Manguinhos (Icict/Fiocruz), mostrou as fotografias para especialistas, fez o contato com o hotel e solicitou o item para análise, que confirmou que a peça era do ano 1625. “Imagina quanta raridade em acervos particulares esta cidade [de passado imperial] deve ter”, pensou.
A constatação da necessidade de discussão sobre a captação, tratamento, incorporação e acesso aos acervos particulares no Brasil foi a semente que deu origem ao Encontro “Da minha casa para todos: a institucionalização de acervos bibliográficos privados”, que aconteceu de 14 a 16 de setembro. O evento reuniu especialistas renomados de diversas instituições brasileiras e do exterior que discutiram como captar, selecionar, tratar e disponibilizar acervos bibliográficos de pessoas que tiveram destaque em suas áreas de atuação. A ideia é que, com a democratização do acervo, se possa contribuir com a memória coletiva, o patrimônio cultural, a pesquisa científica e a produção de novos conhecimentos.
Além de Duarte, na cerimônia de abertura do evento estiveram presentes Umberto Trigueiros, diretor do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz); Maurício Vicente Ferreira Jr, diretor do Museu Imperial; Maria Luísa Rocha Melo, diretora da Biblioteca Central Municipal Gabriela Mistral (Petrópolis); Lucia Alves da Silva Lino, presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia 7º Região; Rosângela von Helde, coordenadora do Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras (Planor) da Fundação Biblioteca Nacional.
Entre o público e o privado
A história de construção de cada biblioteca passa pela aquisição de acervos particulares, geralmente após a morte de seus proprietários. Essas coleções são responsáveis por enriquecer a compreensão de cada período histórico, a partir do ponto de vista de um indivíduo singular.
Na palestra de abertura, intitulada “Coleções e dispersão", o professor da Universidade Nova de Lisboa, João Luiz Lisboa, explicou que a distinção entre privado e público varia conforme o período histórico. “Estas palavras podem ser enganosas, sobretudo para o passado”, arrematou. A Real Biblioteca de Portugal, por exemplo, foi constituída ao longo dos anos a partir da aquisição de obras com patrimônio público pela coroa portuguesa. Após a destruição de quase totalidade do acervo por um terremoto, seguido de incêndio, a biblioteca foi reconstruída com a doação de obras e a apreensão do acervo de presidiários.
Lisboa fez um histórico de como o livro deixou de ser uma raridade conferidora de status, ao lado da tapeçaria e de joias, e passou a ser um instrumento de prazer, ainda que continuasse a ser símbolo de distinção social. “No século XIX, quando não saber ler se torna um problema, o movimento mais importante é do mundo para a casa”, disse. É neste contexto que surge o colecionador, proprietário de coleções vastas e incompletas, embora únicas. O professor ainda passou pela “era da reprodutibilidade técnica” (termo cunhado por Walter Benjamin, para designar a reprodução massiva da arte pela atividade industrial) até o período da coleção virtual. Para ele, é necessário compreender este novo período para poder agir adequadamente: “Numa cidade que não os lê, de que adianta guardar preciosidades?!”.
Confira o que aconteceu no segundo e terceiro dia do Encontro:
Características, experiências e procedimentos legais marcam segundo dia de Encontro
Debates sobre arquivos pessoais encerram Encontro "Da minha Casa para Todos"
Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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