Comissão da Verdade da Reforma Sanitária será lançada sábado, 16/11, durante Congresso da Abrasco

por
Graça Portela
,
14/11/2013

Criada pela Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) e pelo Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde), será lançada durante o VI Congresso Brasileiro de Ciências Sociais e Humanas em Saúde, da Abrasco, no dia 16/11, a Comissão da Verdade da Reforma Sanitária (CVRS), com apoio do Icict, Ensp e da Asfoc-SN. A comissão tem como objetivo investigar as violações dos direitos humanos por agentes do Estado ocorridas de 1946 a 1988, períodos referentes às ditaduras Vargas e militar.

Inspirada na Comissão Nacional da Verdade (CNV) que já atua no Brasil, a CVRS começou a ser pensada a partir publicação, em 2012, de uma norma da CNV que permitia a criação de comissões da verdade locais (estaduais, municipais, das câmaras legislativas, de associações de trabalhadores, de mulheres, dos índios, de trabalhadores rurais e etc.). Na mesma norma, a CNV passava a investigar as violações orquestradas pela “Operação Condor”, que envolveu Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai, que incluía não só o intercâmbio de metodologias e práticas de tortura, mas a troca de prisioneiros em uma articulação dos aparelhos repressivos da América Latina. 

Segundo Anamaria Tambellini, presidente da CVRS, a existência de casos de tortura em todo o país mobilizou os integrantes da Comissão: “sabemos de muitos casos de trabalhadores ou ex-trabalhadores da área de saúde que sofreram violações. Alguns já tiveram os direitos políticos restaurados, mas outros continuam desaparecidos ou nunca foram identificados”, explica. 

O trabalho da Comissão abrangerá todos os trabalhadores independentemente do cargo, sejam médicos, enfermeiros, auxiliares, que estejam ou tenham trabalhado no sistema de saúde, em universidades, em clínicas privadas, etc. O trabalho não é restrito ao funcionalismo público, mas não se limitará ao levantamento dos casos de pessoas violadas, enfatiza Anamaria. “Vamos querer saber também como os trabalhadores da saúde ajudaram a ditadura, como foi o caso de alguns colegas médicos, que colaboraram diretamente nas sessões da tortura”, afirma.

Compõem a Comissão, além da Anamaria, que é professora aposentada da Ensp e do Instituto de Ensino de Saúde Coletiva, da Faculdade de Medicina da UFRJ, Ana Maria Costa, presidente do Cebes, Danilo Costa, da USP, Fermin Roland Schramm, da Ensp, Heleno Correa, da UnB, Hermano Castro, diretor da Ensp, José Rubem de Alcantara Bonfim, da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo, Larissa Mendes, do Cebes/Pará, Letícia Rodrigues da Silva, da UFPR e da Anvisa, Lia Giraldo da Silva Augusto, da Faculdade de Medicina da UFPE, Luis Eugenio de Souza, do Instituto de Saúde Coletiva/UFBA e presidente da Abrasco, Umberto Trigueiros, diretor do Icict, e Waldir Bertulio, da UFMT e da Andes.

Coleta de informações

Durante o lançamento da Comissão, será apresentado o plano de trabalho e feito o lançamento do site da CVRS, com os sistemas de informação e comunicação da Comissão. O sistema de informação receberá notificações e relatos de casos, com a pessoa – vítima, parente ou testemunha de algum caso – escrevendo o seu relato no site, mas os dados pessoais não serão expostos. A pessoa poderá também anexar fotos, áudios, filmes, discursos, recortes de jornal ou colocar a sua opinião para serem armazenados. Os visitantes terão acesso aos relatos, além do número de notificações recebidas por estado, sexo, idade e período histórico.  

Já o sistema de comunicação contará com o trabalho de jornalistas que captarão as notícias publicadas, inicialmente na mídia impressa, sobre as Comissões da Verdade que estão atuando em todo o país, disponibilizando essas informações no site, de forma analítica e categorizada. Depois de um ano, será gerada uma publicação de como a mídia impressa trabalha essas informações.

Para Anamaria Tambellini, a iniciativa tem um papel histórico, pois “é uma forma de desvendar os porões da ditadura, trazendo à luz esses casos. Mas, esse processo também iluminará a todos nós, para pensarmos em uma possibilidade de democracia para que esses fatos jamais voltem a acorrer”, ressalta. 

Grupos de apoio

Inicialmente, cinco núcleos já estão sendo formados, todos atuando nas capitais. São eles da Bahia, do Ceará, de Pernambuco, do Paraná e de São Paulo, que já está mais organizado e com o qual o núcleo do Rio já está trabalhando mais diretamente. “Nossa política é trabalharmos articulados com todos os grupos e passarmos informações uns para os outros, municiando o sistema com informações de todos. Eles também usarão o nosso sistema”, explica Anamaria. 

As audiências públicas também serão utilizadas, desde que haja vontade das pessoas violadas de darem seus depoimentos em público, como explica a presidente da Comissão. “As reuniões poderão ser públicas ou privadas, conforme o pedido da pessoa. Mas, estamos tendo muito cuidado e para isso procuramos ajuda da OAB, para podermos acionar mecanismos de defesa, quando for necessário, de possíveis ataques de grupos insatisfeitos com o que está vindo à tona”, informa Anamaria. 

Vários grupos serão formados, dentre eles o de historiadores, que trabalharão sobre os documentos que forem sendo incorporados ao acervo da CVRS. “Trabalharemos também com universidades e os núcleos de comunicação da Abrasco, do Cebes, do Icict, da Ensp e da Asfoc”, explica Anamaria Tambellini. 

A própria Comissão avaliará os casos e relatos, mas ela também terá autonomia para convidar outras pessoas para acompanhar as avaliações. Um grupo transdisciplinar fará uma análise integral de todo o material e outro grupo será encarregado das relações institucionais com a sociedade civil e outras Comissões da Verdade. A presidente da CVRS destaca a formação de um grupo de saúde mental, “que dará apoio às pessoas vítimas de tortura e se articulará com outros grupos de apoio psicológico”.

O núcleo do Rio de Janeiro já estuda realizar um evento no próximo ano. “Em abril de 2014, quando se completam 50 anos do golpe militar que instaurou a segunda ditadura na história do país, queremos realizar um grande evento”, afirma Anamaria. Os detalhes ainda serão discutidos mas, segundo ela, o evento já conta com o apoio da presidência da Fiocruz. 

Na mesa redonda do lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, que será coordenada pelo presidente da Abrasco, Luis Eugênio Portela, estarão presentes a presidente da CVRS, Anamaria Tambellini, o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o presidente da Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, presidente da OAB-RJ e da Comissão da Verdade no Rio, Wadih Damous, e o advogado “que mais defendeu perseguidos da ditadura”, ex-deputado e integrante do grupo Tortura Nunca Mais, Modesto da Silveira.

Segundo Anamaria, “as Comissões da Verdade são importantes para o Brasil para que o país possa afirmar a sua identidade e para pensarmos se temos a democracia pela qual tanto lutamos, tanta gente morreu ou foi torturada, presa, ou perdeu seus direitos políticos e/ou seus empregos”, finaliza. 

O lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária será de 8h30 às 10h30, no auditório 33, 3º andar, bloco F, 250 pax, da Uerj, que fica na Rua São Francisco Xavier, 524, no Maracanã.

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