Icict participa intensamente do congresso da Abrasco

por
Cristiane d'Avila
,
18/11/2013

Intensas reflexões sobre o papel da comunicação na contemporaneidade e as possíveis mediações do tema com a saúde coletiva deram o tom da participação dos pesquisadores do Icict no VI Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, que aconteceu no campus da Uerj, de 13 a 17/11. Em debates, comunicações orais e pôsteres digitais, além de mostra de filmes da VideoSaúde – Distribuidora da Fiocruz no Espaço Saúde & Letras, os pesquisadores se debruçaram sobre questões que têm pautado a academia, as instituições públicas e privadas e a sociedade civil como um todo. O instituto também participou do lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária, da qual o diretor Umberto Trigueiros faz parte, e da formulação e articulação, juntamente com a Abrasco e o Cebes, do documento em apoio ao Marco Civil da Internet. 

As manifestações, a comunicação e as ruas

“As manifestações da mídia, das redes sociais e das ruas” foi o tema da mesa-redonda mediada por Inesita Soares de Araújo, pesquisadora do Laboratório de Comunicação e Saúde (Laces/Icict) e professora do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/icict), na tarde de quarta-feira (14/11). No encontro, realizado no Espaço Saúde & Letras, o professor da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) Wedencley Santana e a jornalista e ativista do coletivo “Projetação” Isabel Levy, debateram sobre a construção da realidade a partir das mais diferentes mediações, tomando como estudo de caso as manifestações de rua no país.

Experiência que surgiu em junho com a reunião espontânea de um grupo de amigos que estava indo às ruas, o coletivo “Projetação” – baseado na projeção, durante as passeatas, de frases impactantes contidas nos cartazes dos manifestantes –, ganhou, com o tempo, novas adesões. Ativista do grupo, Isabel Levy contou como o coletivo passou a construir uma pauta própria de reivindicações, e fez do compartilhamento de informações por meio de imagens projetadas uma estratégia de reflexão sobre o poder dos grandes grupos de mídia e o cerceamento da liberdade de informação.

“Tudo começou espontaneamente. Além de ser uma forma de dar voz a quem estava nas ruas, atuamos como mídia alternativa, em contraposição à grande mídia. O projetor passou a dar voz às pessoas, não só às do coletivo. Esse ativismo já estava acontecendo em escala menor, mas eclodiu em junho. Há uma quebra de confiança nos meios tradicionais, havia clara vontade de expulsar a grande mídia do espaço público, de desautorizar essa mídia. Interessante é que as pessoas não querem ser individualizadas, se colocam atrás do grupo através desses coletivos”, avaliou Bel Levy.

Bel Levy, Wedencly Santana e Inesita Soares de Araújo

As manifestações iniciadas em junho inquietam e desafiam a academia e grupos políticos porque podem refletir as facetas de uma sociedade tributária do espetáculo e da imagem como fetiche, mas não apenas isso. Trata-se, na opinião de Wedencley Santana, da revelação de uma nova organização social. “Proponho que leiamos as manifestações como um grande texto. As falas desorganizadas desses jovens que vão às ruas, que chegam via redes sociais, se identificam com o discurso do inconformismo. Elas não seriam sintoma de uma geração que está negando a invisibilidade social, a obrigação do sucesso, a exigência exacerbada de entrada no mercado? As manifestações mostram a vontade de ser lido, de ser visto desta juventude”, acrescentou o professor da UFJF.

 A saúde nas narrativas midiáticas

A forma como os discursos midiáticos, científicos e mercadológicos participam da construção das verdades contemporâneas foi o mote das palestras da mesa-redonda “Conceitos de saúde e doença nos enredos midiáticos”, coordenada por Janine Miranda Cardoso, coordenadora do PPGICS/Icict. Com apresentações de Paula Sibilia, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), de Paulo Vaz, da Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Eco/UFRJ) e de Luís Castiel, pesquisador da Fiocruz, a mesa avaliou mudanças nas concepções de saúde e doença em matérias jornalísticas e campanhas publicitárias.

Avaliando campanhas publicitárias de produtos de beleza e técnicas de rejuvenescimento veiculadas em revistas masculinas e femininas, Paula Sibilia fez uma instigante apresentação sobre o mito cientificista contemporâneo, que transforma o corpo em mercadoria e censura a velhice, e é tributário de um mercado de produtos e técnicas que prometem dissimular os estragos do tempo. “Nessa sociedade do espetáculo, em que se avalia o que se é pela superfície corporal, a velhice deve permanecer oculta. Então ocorre a purificação digital da imagem corporal, o redesenho de uma imagem ‘imperfeita’”, complementou a pesquisadora.

Os modos como os meios de comunicação são utilizados para vender doenças e fazer as pessoas se verem como doentes foi o tema da apresentação de Paulo Vaz. Segundo o professor da UFRJ, mudanças ocorridas no conceito sobre as doenças orgânicas e mentais permitiram que pudessem ser ‘vendidas’, e fizeram com que as pessoas passassem a se classificar como doentes. “Há uma mudança no modo como se classificam as pessoas. Por critérios anteriores, essas mesmas pessoas não se veriam como doentes. Percebe-se que não se trata de aumento do sofrimento, mas de uma mudança na sensibilidade sobre o modo como se classifica a doença, consequência de um novo entendimento sobre doença e morte. O que antes fazia parte do natural hoje é doença. Anormal hoje é majoritário e, normal, raro”, problematizou Vaz. Na opinião de Luis Castiel, há uma nova moralidade segundo a qual o envelhecimento se torna um fator de risco, então a questão passa a ser retardá-lo com práticas cosméticas, médicas, biológicas. "Caminhamos para um tempo em que nos tonaremos objetos técnicos, novos ciborgues em busca da imortalidade biológica, espécie de “X-Men”, apontou o pesquisador da Fiocruz.

Pela aprovação de projeto da Lei da Mídia Democrática

A democratização da comunicação no espaço público foi o tema da mesa-redonda “Democratização da comunicação: o que a saúde tem a ver com isso?”, realizada ainda na manhã de sexta, no Espaço Saúde & Letras. Iniciativa do Laces, o debate teve como objetivo levantar questões em torno dos principais pontos do Projeto de iniciativa popular da Lei da Mídia Democrática, e seus possíveis reflexos na democratização do Estado brasileiro e na saúde. 

Aurea Pitta, Rogério Lannes e Umberto Trigueiros

Mediado pelo jornalista Umberto Trigueiros, diretor do Icict, contou com a participação de Orlando Guilhon, assessor da presidência da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) e membro do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC) , Aurea Pitta, pesquisadora da Fiocruz, e Rogério Lannes, editor da Revista Radis (Ensp/Fiocruz). Com total apoio do Icict, a iniciativa precisa de pelo menos 600 mil assinaturas para ser encaminhada ao Congresso Nacional. O projeto pleiteia, principalmente, o combate ao monopólio do meios, limites de tempo para publicidade e merchandising e a venda e o aluguel de canais para terceiros. O projeto completo pode ser consultado em www.paraexpressaraliberdade.org.br

Comissão da Verdade da Reforma Sanitária é lançada

No dia 16/11, o ponto algo foi a cerimônia de lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária (CVRS), em que o patrono da Comissão, o ex-deputado e jurista Modesto da Silveira, foi homenageado. Advogado dos perseguidos políticos durante a ditadura militar, Modesto da Silveira foi aplaudido de pé pelos presentes e recebeu do presidente da Abrasco, Luis Eugênio Portela, uma placa comemorativa ressaltando a sua contribuição para o fortalecimento da Justiça e pela redemocratização do país. Na mesa de abertura da solenidade estavam presentes José Ruben Bonfim (Cebes/Secretária de Saúde do Estado de São Paulo), Wadih Damous (OAB-RJ), Umberto Trigueiros, diretor do Icict, Hermano Castro, diretor da Ensp, e a presidente da Comissão, Annamaria Tambellini.

Cerimônia de lançamento da Comissão da Verdade da Reforma Sanitária

Também na parte da manhã, a mesa-redonda “Comunicação e Saúde: uma cartografia da produção em periódicos científicos”, contou com a presença do vice-diretor de Informação e Comunicação do Icict, Rodrigo Murtinho, que falou sobre “Cartografia da produção de periódicos e a articulação do campo ‘comunicação e saúde’”. Murtinho apresentou um breve histórico do instituto e falou sobre a Biblioteca Virtual de Saúde (BVS), o repositório institucional Arca e a Reciis – Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde. O pesquisador exibiu um levantamento sobre o número de artigos publicados na revista e enfatizou a necessidade de as revistas, centros de pesquisa e pesquisadores trabalharem em rede, para dar maior visibilidade à produção do campo “comunicação e saúde". Ele anunciou que estão sendo feitos esforços para que, em 2014, a Reciis passe a integrar a plataforma Scielo.

Nessa mesa-redonda também falaram Antonio Pithon Cyrino, da Unesp, editor da revista Interface (da área de Comunicação, Saúde e Educação), que fez um balanço de tudo o que foi publicado pela revista e destacou que com a entrada da Revista na plataforma Scielo (em 2005), o número de submissões de artigos passou de 132 para 720. Contudo, Pithon mostrou que no período de 1997-2012, dos 755 artigos publicados, apenas 99 selecionados abordavam o tema “comunicação”.

Rodrigo Murtinho

Cleide Lavieiri Martins, da Faculdade de Saúde Pública de São Paulo, foi a terceira expositora e abordou o periódico Saúde e Sociedade, da USP/Faculdade de Saúde Pública e a Associação Paulista de Saúde Pública. Ela mostrou, em sua pesquisa, que desde que o primeiro artigo sobre comunicação foi publicado, em 2002, até julho/2013, o total era de 20 artigos, correspondendo a 3,9% do total dos 514 artigos publicados pelo periódico. Desses vinte artigos, a comunicação é tratada ora como objeto, ora como meio/instrumento.

Conflitos mentais em debate

Outra mesa-redonda foi a que contou com a participação do pesquisador Carlos Eduardo Estellita-Lins e tratava sobre “Dados para o atendimento das pessoas portadoras de transtorno mental em conflito com a lei”. O debate girou em torno dos desafios intersetoriais à consolidação do SUS no atendimento dessas pessoas. O pesquisador saiu direto da palestra e foi participar da “roda de conversa” sobre “Suicídio no Brasil”, realizada no Espaço Saúde & Letras. Antes da conversa, os presentes assistiram ao documentário “Suicídio no Brasil”, produzido pelo Grupo de Pesquisas de Prevenção do Suicídio, do Licts/Icict.

A “roda de conversa” contou com a presença do diretor do documentário, Eduardo Thielen, da VideoSaúde - Distribuidora da Fiocruz, de Silvio Yasui, pesquisador da Unesp, e Veronica Oliveira, do PPGICS/Icict e também integrante do Grupo de Pesquisas de Prevenção do Suicídio. Estellita-Lins ressaltou que o documentário “é uma ferramenta de pesquisa e trabalho” para aqueles que lidam, direta e indiretamente, com a questão do suicídio, e enfatizou a necessidade de se olhar para o profissional de saúde que lida com as pessoas em situação de suicídio.

Debate sobre suicídio

Silvio Yasui destacou a “delicadeza de imagens” do filme e falou da dificuldade de se lidar com o tema junto aos familiares dos pacientes que cometem o suicídio. Ele enfatizou que há uma tendência em se “patologizar” o assunto, e se “banalizar” a própria complexidade da vida. Yasui defendeu uma “escuta qualificada” para que a prevenção surta efeito. Finalizando, leu a última carta que a escritora Virgínia Woolf escreveu a seu marido, amigo e editor Leonard, antes de se suicidar, chamando a atenção que, por mais que seja uma saída trágica, o suicídio – para quem o comete – pode também ser uma forma de “despedida”, sem tristezas ou amarguras.

Eduardo Thielen chamou a atenção para o tabu em se falar sobre o tema e a importância em se fazer um documentário sobre o assunto. Ele também comentou que espera que o documentário tenha uma segunda parte, para poder abordar também os grupos de risco como adolescentes e idosos. Ele recomendou que todos vissem o filme brasileiro “Elena”, que foi feito a partir das lembranças da diretora Petra Costa sobre sua irmã que se suicidou.

Verônica Oliveira, que também fez entrevistas com a população na Praça XV (centro do Rio de Janeiro) para o documentário, se surpreendeu com a facilidade de as pessoas falarem sobre o assunto e afirmou que as pessoas, nas entrevistas, sempre citavam alguém, próximo ou não, que já tinha tentado cometer ou já havia se suicidado, o que mostra que o assunto mobliza a atenção das pessoas mais do que se imaginava, e deixa em cheque a teoria de que o assunto seja um tabu.

"Pracocco - endemia brasileira" é apresentado no congresso

A parte da tarde começou com outra “roda de conversa”. Dessa vez, os pesquisadores da Fiocruz, Zadir Francisco Coutinho (Ensp), Bodo Wanke e Antonio Francesconi do Valle (ambos do Ipec), junto com o diretor do documentário, Eduardo Thielen (VideoSaúde), falaram sobre “Paracoco - endemia brasileira”, exibido para os presentes.

Eduardo Thielen em debate sobre o filme "Paracoco - endemia brasileira"

Ziadir Coutinho comentou a não-notificação ou a notificação incorreta aceita pelo Ministério da Saúde de uma doença tão relevante. Para ele, o Ministério deveria cobrar mais correção nos preenchimento das notificações, pois os erros dificultam o diagnóstico imediato da doença. Já o pesquisador do Ipec, Bodo Wanke também enfatizou o tratamento precoce, assim que são detectados os primeiros sintomas. Mas, ele falou que a desinformação, principalmente de profissionais da saúde, leva muitos pacientes a serem tratados como se tivessem tuberculose e, apenas muitos anos depois, é identificada a paracoco. Francesconi, que foi o consultor científico do projeto, também apontou a demora no diagnóstico precoce como um entrave ao tratamento eficaz da doença. Ele destacou que, no Ipec, a grande maioria dos casos vem encaminhada através do INCA e afirmou que o ensino é falho e na formação do profissional de saúde, pouco se fala. Como o tratamento é demorado, o índice de abandono também é alto. Thielen afirmou que o documentário foi feito unindo os dois conhecimentos: o científico e o dos pacientes, e defendeu que este foi o melhor caminho para que todos que assistam, tenham uma visão necessária para entender o agravo.

 

Fotos Abrasco: Delma Duarte e Marcelo Maciel

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Debate sobre o filme "Paracoco: uma endemia brasileira"
Eduardo Thielen
Carlos Eduardo Estellita-Lins
Rodrigo Murtinho
Inesita Araújo coordena debate no Espaço Saúde e Letras
Público no Espaço Saúde e Letras
Público no VI Congresso da Abrasco
Debate sobre a Lei da Mídia Democrática

Arquivos para download

A Saúde Coletiva e o Marco Civil da Internet

Elaborado pela Abrasco e Cebes, com apoio do Icict, texto é aprovado na Plenária Final do VI Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, na Uerj

Cartografia da produção de periódicos e a articulação do campo “comunicação e saúde”

Apresentação de Rodrigo Murtinho para o VI Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, na Uerj

Comissão da Verdade da Reforma Sanitária

Plano de trabalho da CVRS apresentado por Anamaria Tambellini durante o VI Congresso de Ciências Sociais e Humanas em Saúde da Abrasco, na Uerj

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