Direito fundamental à saúde: condição para dignidade humana

por
Daniele Souza
,
07/12/2018

O direito à saúde está inserido em um amplo grupo de questões relacionando a saúde e o bem-estar, assim como os diferentes direitos humanos, interligados e dependentes entre si.  A saúde não existe de forma isolada da vida das pessoas, da sociedade. 

Considerando todos os direitos humanos fundamentais, a relação com a saúde vai além da potencial redução da vulnerabilidade, em termos de problemas e fatores de risco. O direito à saúde também perpassa questões de violações de direitos, como a violência nas grandes cidades, casos de tortura, escravidão e violência de gênero, que podem causar danos à saúde.  E, ainda mais importante, está diretamente relacionado ao desenvolvimento da saúde, no que diz respeito a outros direitos, como a participação social, o acesso à informação, a comunicação, que se tornam instrumentos e potencializam a democracia, o exercício da cidadania e a própria garantia desses direitos considerados fundamentais.
 
Entretanto, o conceito de saúde e de direito à saúde não ficou imutável ao longo dos tempos: a saúde nem sempre foi um direito. São 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Mas, para entender o conceito de saúde, assim como outros direitos humanos, é preciso observar a conjuntura e os diferentes contextos, históricos, políticos, econômicos e sociais.

Pós-guerra

Logo após a confecção da Carta das Nações Unidas, documento de fundação das Organizações das Nações Unidas no pós-guerra, foi constituída a Organização Mundial de Saúde, em 1946, com o objetivo de que todos os povos pudessem adquirir o nível de saúde mais elevado possível. A ideia de saúde para todos os povos era, então, considerada elemento essencial para paz e segurança.  Entre os seus princípios, a saúde diretamente relacionada ao bem-estar humano, físico, mental e social, para além da ausência de doença ou enfermidade. Saúde como direito fundamental de todo o ser humano, sem distinção de raça, religião, credo político ou condição econômica ou social.

Atualmente, não há como pensar em saúde, sem pensar em necessidades humanas: alimentares, habitacionais, de proteção social, entre outras. E essa visão ampliada de saúde, voltada para o bem-estar social, com direitos humanos interligados, ficou implícita no artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), com uma lista de condições necessárias para dignidade humana:

Artigo 25 
1. Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar-lhe, e a sua família, saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. 
2. A maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social.

Muito tempo depois, em 1978, a Declaração de Alma-Ata, em seus artigos iniciais, já coloca claramente a saúde como direito fundamental e enfatiza essa visão ampliada de saúde. O documento foi resultado da Conferência Internacional sobre Cuidados Primários de Saúde, em Alma-Ata, e conclama, em dez artigos, à ação internacional e nacional para que os cuidados primários de saúde sejam desenvolvidos e aplicados em todo o mundo. No intuito de promover a saúde para todos, a preocupação com a desigualdade de saúde entre os povos é mencionada, em sua relação direta com o desenvolvimento econômico e social, sobretudo a importância de uma nova ordem econômica internacional.

Outros documentos contribuíram para o reconhecimento da saúde como um direito humano, como a Declaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência, em 1975; os Princípios para a Proteção dos Doentes Mentais e a Melhoria dos Cuidados de Saúde Mental, em 1991; os Princípios das Nações Unidas para os Idosos, em 1991; a Declaração sobre a Eliminação da Violência contra as Mulheres em 1993 etc.

Nessa visão ampla de saúde, estão sendo considerados o que se chama hoje de determinantes sociais da saúde, ou seja, todos os fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais, psicológicos e comportamentais que podem influenciar a saúde, em termos de problemas e fatores de risco.  Muitos desses determinantes sociais abrangem políticas públicas que estão fora do setor convencional de saúde e são expressados no conceito de que as condições de vida e de trabalho das pessoas também estão relacionadas à situação de saúde. 

E no Brasil?

O direito à saúde no Brasil foi resultado de anos de luta do movimento conhecido como Reforma Sanitária, uma reforma democrática na área da saúde. O movimento nasceu da ação contra a ditadura, no início da década de 1970. Já com conhecimento dos novos conceitos de saúde e da Declaração de Alma-Ata, no exercício de controle social, o debate sobre um novo modelo de saúde foi realizado na 8ª Conferência Nacional de Saúde (8ª CNS), em 1986. 

As discussões da 8ª CNS trouxeram as bases para elaborar a seção sobre saúde, na Constituição Federal (CF) de 1988, marco de criação do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro, com os princípios mais democráticos de universalidade e equidade, ao encontro do processo de democratização do Brasil pós-ditadura. 

SUS: CF e outras leis

A saúde está presente como direito fundamental na Constituição Federal brasileira, expresso no artigo 6, como um direito social.  No artigo 23 da CF, cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência está como competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Na parte da ordem social, especificamente sobre seguridade social, está a seção sobre saúde, entre os artigos 196 e 200, a base legal para o SUS, que coloca a saúde como direito de todos e dever do Estado e dispõe sobre a saúde no Brasil. 

Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.

A Lei Nº 8.080, de 1990, regula, em todo o território nacional, as ações e serviços de saúde, colocando, também, a saúde como direito fundamental do ser humano e reforçando o dever do Estado. Já a Lei N° 8.142, de 1990, dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do SUS e sobre as transferências de recursos financeiros, estabelecendo duas instâncias de participação social: as Conferências de Saúde e os Conselhos de Saúde. 
 

Comentários

Gostaria de saber se a prefeitura pode impor dias para liberar carro ( quando o tratamento trata se de TFD), pois tenho minha mãe que faz tratamento de Hemodiálise e recentemente iniciou tratamento nas visões para tentar evitar a perda total, porém a prefeitura se recusa a liberar carro nos dias da consulta alegando que o carro é disponível apenas 3 dias da semana, mas o especialista atende pelo SUS em apenas 1 dia da semana que está fora dos dias que a prefeitura especificou e minha mãe não tem condições e não pode ficar sem o tratamento da Diálise. Qual o nosso direito ?

Olá Josimara, Você poderá entrar em contato com o DIHS para obter informações: DIHS - Departamento de Direitos Humanos, Saúde e Diversidade Cultural, da Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (DIHS/ENSP/FIOCRUZ) Rua Leopoldo Bulhões, 1480 - Manguinhos, Rio de Janeiro. CEP: 21041-210 - Tel: (21) 2598-2525 Ou acessar a página do DIHS/Ensp/Fiocruz e preencher o formulário "Fale Conosco", relatando o seu problema: http://dihs.ensp.fiocruz.br/fale-conosco Um abraço, Assessoria de Comunicação do Icict/Fiocruz

O paciente tem direto a uma segunda opinião a respeito de seu tratamento qual o art. Da Constituição Federal que ampara?

Olá Maurício, Obrigado por acompanhar as notícias no site do Icict. Consultamos aqui e encontramos uma resposta que pode lhe ajudar no endereço: https://portal.cfm.org.br/images/stories/biblioteca/codigo%20de%20etica%20medica.pdf - "É vedado ao médico: Art. 39. Opor-se à realização de junta médica ou segunda opinião solicitada pelo paciente ou por seu representante legal." Solicitamos que você busque outras informações no Código de Ética Médica, disponível no portal do Conselho Federal de Medicina. Um ótimo ano para você e todos os seus! Assessoria de Comunicação do Icict

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