Debate sobre H1N1, vacina e mídia abre ano letivo do Icict

por
Cristiane d'Ávila
,
12/04/2010

A vacina contra o vírus H1N1 pode e deve ser tomada por toda a população. Esta foi a principal mensagem dos profissionais convidados para o debate “H1N1: epidemia, vacina e mídia”, que abriu o ano letivo e celebrou os 24 anos do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz). No encontro, o epidemiologista Roberto Medronho (UFRJ), o sanitarista Paulo Sabroza (Ensp/Fiocruz) e a jornalista Luisa Massarani (Museu da Vida/Fiocruz) avaliaram a recente circulação, principalmente na internet, de mensagens que atribuem a interesses econômicos a produção da vacina e questionam a segurança de sua aplicação. Realizado no salão de leitura da Biblioteca de Ciências Biomédicas na última quinta-feira (8/4), com a mediação do jornalista e diretor do Icict, Umberto Trigueiros, o evento contou com público expressivo, composto por profissionais de saúde e alunos dos cursos de pós-graduação do instituto.

O público acompanhou atento e interessado a todas as apresentações, que traçaram diferentes vieses sobre a relação entre ciência e mídia. Primeiro palestrante, o epidemiologista Roberto Medronho revelou que o estudo da história das pandemias causadas pelo vírus influenza foi crucial para a compreensão do processo da gripe H1N1, considerada pandêmica, em junho de 2009, pela Organização Mundial de Saúde (OMS). “Diante da incerteza, tínhamos que buscar no passado, desde Hipócrates, pai da medicina, um norte para as investigações”, explica.

Nesse levantamento, Medronho percebeu o risco da “regionalização” da doença, que no passado gerou classificações para outras pandemias, como 'gripe espanhola' e 'gripe asiática'. Estas classificações, para ele discriminatórias e preconceituosas, devem ser evitadas, pois não aprofundam o debate sobre o problema.

“No caso desta gripe, inicialmente houve forte lobby da indústria produtora de carne suína para que não fosse dada à gripe a denominação 'suína'. Depois, alguns grandes jornais da Europa passaram a classificá-la de gripe mexicana, pois supostamente começou no México. Como os indícios apontavam para o início da pandemia nos Estados Unidos, e isso não ‘pegava bem’, decidiu-se então pelo nome genérico, inócuo, de gripe A”, ironiza o médico.

Segundo ele, esta denominação descontextualiza a questão social e mesmo o sistema produtivo, uma vez que retira da pauta a importante discussão sobre o modo de produção da carne suína e, principalmente, o fato de que toda pandemia é fruto de um processo social.

Na opinião de Medronho, outra questão de destaque no debate sobre a H1N1 foi a afirmação de que a decretação da pandemia, pela Organização Mundial de Saúde, cedeu a interesses da indústria farmacêutica. A projeção de milhões de óbitos, também pela OMS, corroborada por mensagens divulgadas na rede mundial de computadores, ajudaram a disseminar o pânico.

“Eu prefiro descartar as teorias conspiratórias. Primeiramente, achei acertada a posição da OMS em alertar para a pandemia. Mas, sem dúvida, é sempre importante analisar até que ponto o processo de tomada de decisão é baseado em informações técnico-científicas, ou está servindo, voluntária ou involuntariamente, a interesses comerciais”, reflete. Segundo ele, essa mesma reflexão deve pautar a imprensa, muitas vezes refém da ‘cultura da catástrofe,’ e mesmo a sociedade, que em geral se atenta para um fato cotidiano somente quando este ganha relevância na mídia.

Para o epidemiologista, vale observar os aspectos peculiares que diferenciam a pandemia causada pelo H1N1 das demais: a predominância em adultos jovens, diferentemente da influenza sazonal, que afeta crianças e idosos; o alastramento em países desenvolvidos, o que estimulou o destaque na mídia; a alta incidência de óbito em gestantes; o início dos ensaios clínicos e a vacinação nos países desenvolvidos. “Este último aspecto, em particular, a meu ver comprova a segurança da vacina, que, apesar das reações adversas que possa provocar, deve ser tomada”, avalia.

“Concordo com as palavras do Medronho e confirmo: todos devem se vacinar, pois quem não pegou ainda a gripe H1N1, vai pegá-la. Quando? Não é possível afirmar. A razão? O vírus circulará por décadas. Por isso é importante que as pessoas se vacinem”, enfatizou o sanitarista Paulo Sabroza, corroborando a vacinação.

Sabroza lembrou a importância de se atentar para a relação entre conhecimento científico e conhecimento popular. Para ilustrar a questão, citou o historiador inglês Eric Hobsbawn, que analisa, em uma de suas obras, a desconfiança das pessoas com a ciência que produziu as condições de vida atual. Em outras palavras, as sociedades contemporâneas, em função de seu próprio processo de desenvolvimento, produzem situações de risco que se transformam em problemas, em determinadas situações.    

“Quando apareceu o vírus e ninguém tinha certeza da letalidade, compreensivelmente a OMS e os epidemiologistas entraram em pânico. A questão era quem vacinar primeiro. A boa notícia é que nesse primeiro momento ele não apresentou alta letalidade. A má é que a alta letalidade ainda pode acontecer. Por isso não há diferença em se classificar a gripe de pandêmica ou sazonal, pois vai ocorrer sazonalmente nos próximos 10 anos”, adverte.

Para Sabroza, a vantagem é que, agora, a produção da vacina em larga escala e com rapidez é viável. Mas é imprescindível que a comunidade científica continue buscando respostas para questões ainda não compreendidas. “A primeira é a alta letalidade do vírus em gestantes. A segunda são os óbitos rápidos, mesmo em não gestantes, que nenhum tipo de procedimento terapêutico consegue impedir. Terceira, nunca houve uma disseminação tão rápida da uma doença, até porque nunca houve uma circulação de pessoas pelo mundo como há agora”, pontua. 

Outro problema que precisa ser avaliado, para o sanitarista, é a transferência da responsabilidade pela disseminação do vírus do âmbito coletivo para o individual. Tal fato, na opinião ele, relativiza o conhecimento científico de maneira nem sempre positiva para a sociedade. “A decisão pessoal de higienizar as mãos com álcool gel ou usar máscaras, como foi amplamente divulgado, não é suficiente. Ninguém estará seguro enquanto a sociedade não estiver, não adianta criar bolhas de proteção individual, conferir veracidade a informações que dificultam a compreensão da dimensão estratégica da saúde pública”, enfatiza Sabroza.

A complexidade de temas como a gripe H1N1, para epidemiologistas e profissionais da saúde pública, se reflete, naturalmente, na maneira como as informações sobre o assunto chegam à sociedade.  Atenta à questão, a jornalista Luisa Massarani, diretora do Museu da Vida da Fiocruz, apresentou um estudo minucioso sobre a abordagem da gripe em edições do Jornal Nacional, veiculado pela Rede Globo.

“Por ser um veículo de grande audiência e formador de opinião pública, a pesquisa priorizou este telejornal, analisando as edições de abril a agosto de 2009”, explica a pesquisadora. Segundo ela, as notícias sobre a nova gripe, principalmente em maio e julho, meses nos quais se detectaram os primeiros casos no Brasil e o frio agravou a disseminação da doença, ocuparam 43% do tempo do telejornal.

A análise também incluiu questões como aspectos da abordagem do tema, perfil das fontes entrevistadas e utilização de fotografias e infográficos. “Somente 3% das matérias abordaram uma revisão científica do vírus e 7% falaram sobre pesquisa e desenvolvimento. Matérias sobre prevenção e controle foram mais longas que as demais, sendo veiculadas em formato de reportagem", avalia.

Em geral, a veiculação do tema no JN, segundo a análise de Luisa Massarani, indica que houve pouca exploração de assuntos científicos que auxiliassem o público a compreender melhor o desenvolvimento da doença, como a origem e a evolução do vírus. A baixa presença de cientistas como fontes de informação também contribuiu para a pouca elucidação do assunto, na opinião da jornalista.

“Podemos concluir que instituições como a Fiocruz não controlam a agenda da mídia, mas podem oferecer subsídios para ampliar o conhecimento científico para toda a sociedade. Além disso, lidar com a comunicação de risco, ou seja, saber o momento certo de veicular ou não notícias sobre o risco de um vírus, sem abrir mão da informação a que tem direito a sociedade, mas com o cuidado de não gerar pânico, é muito difícil. Algo para ser sempre debatido”, conclui. 

A mesa de abertura do debate "H1N1: epidemia, vacina e mídia" contou também com a presença da Vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação da Fiocruz, Maria do Carmo Leal, e da coordenadora do Programa de Pós-graduação de Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS/Icict), Inesita Soares de Araújo.

 

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