Boletim Faperj em sua última edição destaca tese de doutorado do PPGICS

por
Aline Salgado (Faperj)
,
09/09/2016

Interlocutor do conhecimento científico, o jornalista exerce um importante papel social na divulgação dos progressos da ciência e da tecnologia. Mas, por alguns anos, essa ideia não passava pela cabeça dos repórteres, pauteiros e editores nas redações. Foi simultaneamente ao crescimento da expectativa de vida da população e da curiosidade do público em saber como viver mais e melhor que a imprensa passou a dar cada vez mais espaço às temáticas ligadas, principalmente, à Saúde. Isso é o que nos conta o jornalista e publicitário por formação Luiz Marcelo Robalinho Ferraz. 

 A Saúde aparece em 5º lugar no ranking geral da cobertura de destaque da revista (Foto: Reprodução)

 

Curioso e atento à forma como a mídia trata as questões relacionadas à Saúde, o pernambucano decidiu se mudar para o Rio de Janeiro, em 2012, e, no Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), mergulhou em seu objeto de estudo para o doutorado. Com o suporte da FAPERJ, por meio da Bolsa Nota 10, e sob orientação da professora Kátia Lerner, Robalinho analisou todas as capas da revista semanal Veja, dos últimos 46 anos – desde a sua primeira edição, em setembro de 1968, até dezembro de 2014. Os exemplares estão acessíveis no portal da empresa, na Internet.   

Utilizando-se da estatística na construção do procedimento metodológico, o pesquisador fixou inicialmente sua análise nas capas do impresso e contabilizou como e quantas vezes as temáticas ligadas à Saúde apareciam sob a forma de manchete, principal e secundária. "O propósito foi realizar um mapeamento aprofundado do noticiário sobre doença, correlacionando-o à dimensão mais ampla do noticiário sobre Saúde e ao próprio noticiário geral, incluindo os demais temas da revista", explica Robalinho.

Em termos reais, foram contadas e classificadas, ao todo, 4.531 manchetes. "Constatei que nesses 46 anos a Saúde apareceu em 5º lugar no ranking geral da cobertura de destaque da revista, perdendo apenas para os assuntos sobre Política, Internacional, Economia e Negócios, e Cultura", acrescenta ele.
Mas nem sempre a Saúde brilhou nos noticiários da Veja. Segundo o pesquisador, o tema ganhou destaque no semanário entre os anos de 1996 e 2014. "Observei três alterações significativas a respeito do espaço que a Saúde foi adquirindo na revista. No início, em 1968, a temática estava reservada à seção Medicina. A partir de 1983, a revista criou outra seção, com o nome de Saúde e que dividia a atenção do leitor com a seção mais antiga", conta. 

Em 1996, houve nova mudança. "A publicação incluiu subseções mutáveis. Sem uma regularidade específica nas edições, essas subseções apresentaram em comum o fato de tratarem de questões mais recorrentes, como dieta, cigarro, coração, longevidade e biologia", diz Robalinho. Segundo o pesquisador, com todas essas modificações, a Saúde saiu da 8º posição entre os temas mais recorrentes das capas da revista no período de 1968 a 1983, para a 6º posição entre 1983 a 1996, e, finalmente, para o 3º lugar entre os anos de 1996 a 2014. 

Para Robalinho, a maior atenção da mídia para a Saúde tem relação direta com o aumento do interesse da sociedade. "Do ponto de vista da comunicação, entre os anos de 1990 a 2000, há um aumento no espaço editorial para assuntos sobre Saúde pessoal. Assim como nos Estados Unidos, cresce no Brasil o número de publicações ligadas aos mais variados temas dedicados ao cuidado com o corpo e a mente, e a prevenção de doenças", diz. 

O pesquisador avalia que o avanço técnico-científico, nas últimas décadas, permitiu o controle mais eficaz de epidemias e o consequente aumento da expectativa média de vida da população. Esse cenário não apenas provocou uma mudança no perfil epidemiológico da população brasileira, caracterizada pela redução da mortalidade precoce, principalmente aquela relacionada a doenças infecciosas e parasitárias, como também levou os indivíduos a terem uma consciência maior sobre os cuidados com o seu organismo e a buscarem meios de se manterem longevos.

Robalinho fez doutorado sanduíche em Paris, onde contou com a coorientação do linguista Patrick Charaudeau (Foto: Divulgação)

 

"Dentre os 30 assuntos de maior interesse do leitor da Veja, Saúde e Qualidade de vida apareceram em segundo lugar, de acordo com pesquisa realizada pelo Departamento Comercial da empresa em 2014. Nesse mesmo levantamento, medicina alternativa, beleza e estética, medicina, descoberta científica e curas, regime, dieta e nutrição também apareceram como outros assuntos de maior atenção do leitor", ressalta Robalinho.

Após identificar a relevância da Saúde para o noticiário da revista, comparado às demais temáticas, havia chegado a hora de saber que doenças eram vistas de forma mais relevante e, assim, haviam aparecido com mais frequência na capa. Para dar conta de todo esse nível de detalhamento, o pesquisador criou, ainda na fase da coleta, um banco de dados, em que as moléstias noticiadas foram categorizadas segundo os códigos definidos pela Classificação Internacional de Doenças (CID), documento internacional que é base na elaboração de estatísticas sobre Saúde. "O propósito disso foi correlacionar a lógica biomédica com a jornalística na forma de categorizar as doenças, a fim de identificar similaridades e diferenças entre os dois campos, privilegiando o domínio jornalístico, foco da tese", afirma o pesquisador.

Nas 401 reportagens de capa identificadas sobre Saúde, Robalinho verificou que 86% delas fizeram referência a doenças, seja de forma mais ampla, como foco do texto, ou mais restrita, como menção dentro de outro assunto. Com a composição desse cenário mais amplo da cobertura, ele analisou, na etapa qualitativa da pesquisa, apenas os textos tratando da doença mais noticiada de cada um dos três grandes grupos: crônico-degenerativas, infectocontagiosas e mentais. 

Foi assim que ele identificou que, entre as doenças crônicas, o câncer foi o mais falado, no período de 1973 a 2014. Dentro do grupo de doenças infecciosas, o HIV/Aids passou a ser a principal pauta, a partir de 1985. Do conjunto de doenças mentais, a depressão surge como o tema de destaque mais recente, de 1999 em diante. "A qualidade de doença crônica foi o principal aspecto comum entre as três doenças, demandando um cuidado permanente com a saúde, inclusive do HIV/Aids, cujo advento da terapia antirretroviral permitiu a extensão da condição soropositiva para toda a vida, ao contrário de antes", analisa Robalinho. 

“Além de causar mudanças na cobertura jornalística, algumas vezes reduzindo o volume de material publicado na capa em função do controle da doença e dos contextos de cada período, o predomínio do caráter crônico enfatizou, com o passar do tempo, a medicalização e o cuidado crônico como principais aspectos discursivos das reportagens”, acrescenta o jornalista e pesquisador.

Apesar das diferentes temporalidades e características observadas na cobertura sobre o câncer, a Aids e a depressão, o pesquisador afirma que o exame das reportagens sobre as três doenças indicou as alterações ocorridas, no conjunto dos textos, com os discursos da Veja. Uma das mais significativas foi a mudança na abordagem jornalística, que na fase inicial trabalhava mais o aspecto social da doença e, mais recentemente, passou a focar o lado individual. 

“Se nos anos 1970 a falta de recursos era apontada como um dos principais fatores para a ocorrência de uma doença no âmbito mais coletivo, a partir dos anos 1990, especialmente, a doença passa a ser mais determinada pelos hábitos de vida do sujeito via consumo de remédios, sobretudo. Nas reportagens, isso denota discursivamente uma responsabilização individual pela doença, aproximando, em certos momentos, a tradicional finalidade de informar a sociedade, própria do jornalismo, do objetivo de incitar o leitor a adotar novos hábitos, comum ao discurso propagandístico, distanciando-se da pretensa imparcialidade e neutralidade defendida pelos teóricos do jornalismo”, aponta o pesquisador.

Por trás dos números, Robalinho avalia que o estudo revelou uma dimensão muito mais complexa do trabalho da imprensa. "Os meios de comunicação privilegiam temas e ações que são reflexos também do comportamento da nossa sociedade. Sociedade esta que teme muito mais a morte por viver em uma era de maior controle do próprio corpo e dos males que podem atingi-lo. Quando se fala das formas de prevenir e controlar, no fundo, estamos falando em se evitar doença. E ninguém quer morrer e sim viver, buscando, a todo custo, ficar jovem, bonito e feliz. Nesse sentido, a ênfase aos remédios é uma maneira de valorizar o retorno da qualidade de vida perdida com a doença", conclui Robalinho.

A tese do pesquisador contou com a coorientação do linguista francês Patrick Charaudeau. Robalinho realizou, em 2014, o doutorado sanduíche, no Laboratoire Communication et Politique (Laboratório Comunicação e Política),  em Paris, ligado à universidade Paris XIII, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), fundação do Ministério da Educação (MEC).

Fotos: Boletim Faperj

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