Integração de dados e técnicas em estudos sobre clima e saúde pública em workshop

por
César Guerra Chevrand e Renata Moehlecke (Agência Fiocruz de Notícias)
,
11/11/2016

Como estimar o impacto do clima na saúde das populações? Essa é a questão que fundamenta o workshop Modelling tools and capacity building in climate and public health (Ferramentas de modelagem e capacitação em clima e saúde pública, em tradução livre). O evento foi realizado pela primeira vez na Itália e outras duas vezes no Rio de Janeiro. Em sua quarta edição, realizada em Manaus na Fiocruz Amazonas no último mês de outubro, o destaque foi a participação de um técnico da Google, que disponibilizou o acesso às mais novas ferramentas de tratamento de imagens de satélite. 

O workshop surgiu da necessidade de integração de variados dados, informações e técnicas para pesquisas na área de saúde coletiva. Para os pesquisadores, além das dificuldades de saber onde encontrar dados confiáveis para estudos, muitas vezes, é um desafio escolher como utilizar esses dados, quais as técnicas de modelagem estatística ou como integrar informações em ambientes computacionais. O evento, dessa forma, teve como principal objetivo treinar os participantes na utilização de dados de sensoriamento remoto, importantes no estudo de doenças e clima, além de ensinar técnicas de modelagem estatística e como integrá-las em sistemas informatizados.

O geógrafo Christovam Barcellos, do Icict/Fiocruz, e a médica epidemiologista Marilia Sá Carvalho, do Procc/Fiocruz, ambos professores do workshop (foto: Informe Ensp e Fiocruz Amazonas)

Promovido pela Vice-Presidência de Ensino, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), em parceria com o Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz) e o Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), o curso contou com quatro professores. Em entrevista para a Agência Fiocruz de Notícias, a médica epidemiologista Marilia Sá Carvalho, do Procc/Fiocruz, e geógrafo Christovam Barcellos, do Icict/Fiocruz, ambos professores do workshop, falam sobre como profissionais podem utilizar os dados oriundos de sistemas de informações em saúde. "É preciso conhecer um dado antes de usá-lo, não se pode pensar num dado de uma maneira isolada", destacou Marilia.

Confira a entrevista:

A Fiocruz Amazonas sediou em outubro o workshop Modelling tools and capacity building in climate and public health? Qual foi o objetivo do encontro?

Marilia Sá Carvalho: O workshop visa integrar as diversas disciplinas e técnicas que permitam enfrentar os desafios de estudar o impacto do clima e do ambiente nas condições de saúde das populações. Essa é a quarta versão do workshop, que foi realizado pela primeira vez, em 2013, na Itália, organizado pelo International Centre for Theoretical Physics (ICTP). O segundo e terceiro workshops foram promovidos no Rio de Janeiro, apoiados pela VPEIC, por meio do programa de apoio a eventos com pesquisadores internacionais, ICTP e Capes (Ciência sem Fronteiras). Agora em outubro, optamos por fazer em Manaus, procurado descentralizar esse tipo de atividade.

Quais foram as novidades apresentadas no curso?

Marilia Sá Carvalho: A cada edição novas abordagens são trazidas. Neste ano a grande novidade foi a vinda de um técnico da Google, financiado pela própria empresa, colocando à disposição o acesso às mais novas ferramentas de tratamento de imagens de satélite. É enorme a quantidade de informações atualmente disponíveis gratuitamente para obtenção de dados de clima, em especial as imagens de satélite. O grande problema é como processar essas informações. A Google está desenvolvendo uma plataforma de processamento dessas imagens que já permite analisar, por exemplo, todas as imagens do LandSat, o mais antigo satélite para fins pacíficos. O LandSat cobre toda a terra a cada 16 dias. Há mais de 30 anos. Dá para ter uma ideia de que esse volume de informações não é factível de ser processado em um notebook. É ainda uma plataforma experimental, mas que já permite extrair uma quantidade de informação impensável há alguns meses.

De que maneira os dados ambientais podem ser utilizados em ações de planejamento e modelos de previsão de doenças?

Marilia Sá Carvalho: Aí entra o segundo ponto do workshop. Não é somente o clima que importa, mas juntar as informações de clima, ambiente e saúde para estudar de que forma se dá o impacto, por exemplo, das cheias da Região Amazônica. Aprendemos que são dois regimes de chuvas diferentes, na margem Norte e Sul. Pudemos visualizar os rios em diferentes momentos, e a partir daí entram as ferramentas de modelagem estatística. Ou seja, haveria, por exemplo, um ponto de corte a partir do qual os riscos para a saúde aumentam de forma significativa? Seria possível, por exemplo, acionar um alerta em determinados momentos? Somente sólidos modelos estatísticos permitem responder a essas questões de forma robusta. Sem achismo.

Quais os principais projetos da Fiocruz na área de Clima & Saúde?

Christovam Barcellos: A Fiocruz foi criada no espírito da Medicina Tropical, que sempre buscou compreender a paisagem (humana, ambiental e climática) na qual se produzem doenças e endemias. Carlos Chagas e o próprio Oswaldo Cruz são alguns destes pesquisadores pioneiros desta vertente. Hoje, a saúde pública dispõe de uma enorme quantidade de dados e uma diversidade de métodos que não havia no início do século 20. As relações entre clima e saúde estão sendo estudadas de diversas maneiras e com diferentes abordagens. Podemos destacar entre estes estudos a relação entre as mudanças climáticas e a expansão de áreas de transmissão de doenças transmitidas por vetores; o efeito combinado da poluição atmosférica, baixa umidade e altas temperaturas, como se vem notando nas épocas de queimadas na Amazônia e cerrado; a crise de abastecimento de água e os surtos de doenças diarreicas, que vêm se agravando não só na região do semiárido nordestino mas também em cidades do Sudeste. Além disso, a Fiocruz tem buscado compreender como alguns fatores ambientais, políticos e sociais podem agravar ou reduzir os impactos das mudanças climáticas sobre a saúde, seja por meio de indicadores que expressam as vulnerabilidades da sociedade, seja em estudos sobre desastres e seus efeitos.

Qual a importância da incorporação dessas tecnologias para o Sistema Único de Saúde?

Christovam Barcellos: O SUS [Sistema Único de Saúde] produz uma enorme diversidade de dados que podem ser analisados sob a perspectiva do clima. Por exemplo, alguns surtos podem ser detectados com base em dados de mortalidade, internação ou notificação de doenças que são gerados no interior do SUS e disponibilizados pelo DataSUS. Alguns destes surtos podem ser causados por eventos climáticos extremos. Uma grande enchente pode produzir muitos casos de diferentes doenças, como já foi analisado por nós do Observatório de Clima e Saúde.

Mas o que poucos se dão conta é que outros dados, produzidos por outros setores além da saúde, podem ser muito úteis para o planejamento e análise de situação de saúde. Por exemplo, se sabemos que as inundações têm afetado a vida dos ribeirinhos e mesmo da população urbana de Manaus, porque não usarmos os modelos de hidrologia para prever estas inundações. Atualmente, as grandes cheias e secas dos rios da Amazônia podem ser previstas com meses de antecedência, dando tempo para que as cidades que serão afetadas se preparem. No caso das queimadas, existem sensores em satélites que podem localizar focos de calor e seu potencial de emissão de partículas, o que pode servir para emitir alertas e estimar a exposição da população a condições de poluição.

A saúde deve olhar para fora e estabelecer parcerias com outros setores produtores de dados. Por outro lado, precisamos desenvolver tecnologias que permitam reunir e analisar esta massa se dados que estão disponíveis, mas que o gestor precisa acessar de forma contínua, amigável e útil.  

Como foi a participação de pesquisadores e estudantes no evento?

Marilia Sá Carvalho: Trabalhamos com quatro projetos diferentes, a partir das perguntas e dados trazidos pelos participantes. Dois analisando problemas de algumas regiões da Amazônia (leishmaniose e raiva animal) e dois outros (leptospirose e impacto da vacinação para varicela na Argentina). Escolhemos esses projetos por permitirem o uso de diferentes dados e técnicas estatísticas, de forma a possibilitar uma visão mais ampla. Talvez saiam daí alguns artigos. Uma questão importante é o perfil dos participantes: sempre buscamos a maior diversidade possível, afinal a Saúde Coletiva é por definição interdisciplinar. Esse ano a participação majoritária foi mesmo de profissionais da área da saúde. Mas ainda assim tivemos uma especialista em clima, um profundo conhecedor dos sistemas de informações geográficas e estatísticos, entre outros.

Sentimos falta de conhecimento prévio, e os próprios alunos na avaliação relataram o mesmo problema: deveria haver pré-requisitos, por exemplo, conhecimento de: R (o software estatístico que permite a modelagem desse tipo de dado); estruturação de bases de dados, pois se perde muito tempo simplesmente arrumado e limpando o dado; conhecimento de modelagem estatística básica, pelo menos até modelo linear generalizado. Entretanto, a seleção baseada somente no currículo é difícil. Além disso, sendo em Manaus, diversos candidatos aceitos não obtiveram financiamento e não puderam comparecer. Cabe ressaltar que o workshop foi custeado basicamente pelo projeto Pesquisador Visitante Especial (Capes/ Ciência sem Fronteiras), pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (Fiocruz Amazonas) e pela VPEIC. E, não menos importante, a infraestrutura foi fantástica. Da sala onde ficamos, ao apoio de rede, e almoço no local, tudo funcionou maravilhosamente.

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