Olhar para o futuro para planejar o presente

por
Bel Levy
,
30/06/2015

Projeto Saúde Amanhã articula rede de pesquisa para a prospecção estratégica do futuro do sistema de saúde brasileiro


Quais as tendências para o futuro da Saúde no Brasil, no horizonte dos próximos 20 anos? Quais os desafios e oportunidades para efetivação do Sistema Único de Saúde (SUS) conforme concebido pela Constituição Federal, em 1988? Quais as políticas públicas necessárias no presente para garantir a universalidade, a equidade e a regionalização do sistema nacional de Saúde Pública? Essas são as questões colocadas pelo projeto Saúde Amanhã, iniciativa pioneira da Fiocruz na área de estudos de futuro.

Desenvolvido no Icict, o projeto tem o apoio do Ministério da Saúde. Em sua primeira fase, em 2012 e 2013, com a colaboração da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE) e do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a iniciativa gerou a publicação do livro A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro, disponível no portal SciELO. Para o segundo semestre de 2015 está previsto o lançamento de mais 3 volumes: Brasil Saúde Amanhã: População, Economia e Gestão; Brasil Saúde Amanhã: Complexo Econômico Industrial da Saúde; e Brasil Saúde Amanhã: Organização dos Cuidados em Saúde.

Para analisar as diversas tendências que modelam o futuro do sistema de saúde no Brasil, o projeto Saúde Amanhã dedica-se à prospecção estratégica de três cenários distintos:  otimista e possível; pessimista e plausível; e inercial e provável. Cada um destes cenários leva em conta eixos temáticos preponderantes para o sistema de saúde e suas tendências no horizonte dos próximos 20 anos: Desenvolvimento e Saúde, População e Saúde, Condicionantes da Saúde, Organização do Sistema de Saúde, Financiamento Setorial, Complexo Econômico e Industrial da Saúde e Prospecção Estratégica em Saúde.

“Prospectar o futuro significa analisar o presente e as consequências das diferentes ações políticas que podem ser tomadas neste contexto, em curto, médio e longo prazo”, aponta o coordenador executivo do projeto Saúde Amanhã, o pesquisador José Carvalho de Noronha. Ele explica que, como uma rede de pesquisa multidisciplinar, a iniciativa aborda o futuro da Saúde no Brasil a partir de perspectivas diversas e complementares. “A proposta é identificar os caminhos possíveis e as políticas públicas necessárias para viabilizar e fortalecer o SUS como um sistema de saúde universal, público, gratuito e de qualidade”, comenta.

(Foto: Peter Illicciev)

Para o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, o projeto Saúde Amanhã marca um avanço da Fundação no campo da prospecção estratégica de futuro. “É um tema inovador e desafiador que precisa ser explorado em rede por pesquisadores e instituições. Isso é fundamental para que o setor Saúde participe ativamente do debate sobre o projeto de país que queremos”, afirma.

Em defesa do SUS

Como rede de prospecção estratégica do futuro da Saúde no Brasil, a iniciativa articula o conhecimento gerado por sua equipe multidisciplinar de pesquisadores em um portal na internet: www.saudeamanha.fiocruz.br. Além de disponibilizar integralmente o conteúdo dos livros e relatórios do projeto Saúde Amanhã, o portal busca dinamizar o debate em torno desses temas por meio de entrevistas com estudiosos do SUS e das políticas sociais no Brasil.

A partir de diferentes pontos de vista – como a organização do sistema de saúde, o financiamento setorial e a regionalização do SUS, por exemplo – os pesquisadores abordam de que maneira questões como o envelhecimento populacional, a transição demográfica e a trajetória de desenvolvimento do país impactam a Saúde. Diante do fortalecimento da agenda neoliberal no Brasil, os pesquisadores são unânimes sobre a necessidade de reafirmar a Saúde como um direito da população e um dever do Estado, que portanto deve investir neste setor e garantir as bases para o seu pleno desenvolvimento.

A sanitarista Maria Angélica Borges dos Santos, pesquisadora da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) e colaboradora do projeto Saúde Amanhã, ressalta os desafios que a globalização e o neoliberalismo trazem para o SUS: “Como um sistema de saúde público universal pode garantir os seus princípios equitativos em uma sociedade cada vez mais globalizada e mercantilizada?”, questiona. Autora do capítulo “Mix Público-Privado no Sistema de Saúde Brasileiro: Realidade e Futuro do SUS”, que integra o livro A Saúde no Brasil em 2030: Diretrizes para a Prospecção Estratégica do Sistema de Saúde Brasileiro, Maria Angélica critica a abertura da Saúde ao capital estrangeiro e preocupa-se com as consequências da medida em longo prazo.

“A globalização da Saúde, que parece ser uma situação inevitável, é o resultado mais evidente da mercantilização do setor. Em síntese, o que o capital estrangeiro busca ao entrar em mercados nacionais de Saúde é o que o capital estrangeiro busca ao entrar em qualquer mercado nacional: lucro fácil, rápido e seguro. E a Saúde é um prato cheio para isso, uma vez que suas demandas apenas aumentam e, sobretudo nos países em desenvolvimento, os investimentos nacionais não são suficientes. São grupos internacionais voltados para o investimento em tudo o que possa dar lucro. E, hoje, essas oportunidades de novos negócios estão concentradas nas áreas de entretenimento, educação e, também, Saúde. O que precisamos nos perguntar é se essas novas oportunidades de negócios que surgirão para o mercado global serão realmente boas para nós, brasileiros”, avalia Maria Angélica.

Outra questão primordial tratada pelo projeto Saúde Amanhã é o financiamento setorial da Saúde. Para a pesquisadora Sulamis Dain, que aborda o tema nos dois livros da iniciativa, não há solução senão o massivo investimento público no setor.  “Ao identificar e analisar as estratégias possíveis para o financiamento do SUS no horizonte dos próximos 20 anos é evidente a necessidade de se inverter a relação público privada na Saúde e garantir a participação majoritária do Estado nos gastos do setor. Afinal, pensar em um sistema de saúde público, universal e de qualidade financiado principalmente pela inciativa privada é um contrassenso”, defende.

A pesquisadora indica, como proposta, a criação de mais um ponto percentual do PIB para o gasto da Saúde, associado exclusivamente ao setor púbico. “Para isso, listamos um conjunto de alternativas possíveis para o financiamento do SUS, que podem ser conduzidas a partir de uma decisão orçamentária ou da criação de novas fontes de recursos. Em suma, nós defendemos o debate sobre o orçamento e a implementação de novas estratégias para o direcionamento de recursos como a medida mais adequada para o fortalecimento do SUS”, esclarece.

Em termos práticos, isso se traduz na proposta de destinar à Saúde 10% da receita corrente bruta do país – movimento que ficou conhecido como Saúde+10. “Essa é uma proposta antiga no campo progressista da Saúde, que infelizmente mais uma vez não foi aprovada. Ao contrário, foi superada por uma proposta que está associada ao orçamento impositivo e que recomenda, em vez de 10% sobre a receita corrente bruta, uma progressão de alíquotas sobre a receita corrente líquida, até chegarmos a 15% em 2018. É importante deixar claro que, para o financiamento do SUS, é irrelevante se o cálculo será feito sobre a receita corrente bruta ou líquida, desde que, por meio de uma regra de três, o percentual da receita líquida seja equivalente aos 10% da receita bruta. Para isso, seria necessário uma alíquota de quase 19% sobre a receita líquida. E, nesta proposta sustentada pelo orçamento impositivo, no melhor cenário, chegaremos a 15% da receita líquida em 2018. Sabemos que essa proporção não é suficiente hoje e também não será adequada no futuro. Portanto, é uma tese que compromete a ampliação de recursos para a Saúde”, pondera Sulamis.

Para o pesquisador Eduardo Fagnani, professor do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp) e coordenador da rede Plataforma Política Social – Caminhos  para o Desenvolvimento, transformar esse quadro implica mudanças estruturais no financiamento da Saúde, na regulação do setor privado e no pacto federativo. E requer, também, o  reforço do papel do Estado e uma reforma política que enfrente o esgotamento do sistema partidário e a atual crise de representatividade. “Da mesma forma, será necessário superar a gestão macroeconômica pela via do chamado “tripé macroeconômico” – composto pelo regime de metas de inflação, de superávit primário e pelo câmbio flutuante. Se não enfrentarmos essas questões não colocaremos em prática o SUS que está na Constituição Federal”, conclui

Mapas da Saúde

O projeto Saúde Amanhã disponibiliza em seu portal um Visualizador Cartográfico Interativo, que permite identificar e observar os principais polos de atendimentos do SUS, considerando diversos serviços de saúde de média e alta complexidade, além de transplantes e serviços de apoio à diagnose. Elaborado a partir de informações do DataSUS para o período 2010-2012, a ferramenta também auxilia a visualização dos fluxos de usuários em busca de atendimento, evidenciando os principais municípios que demandam serviços de saúde, bem como os que são mais demandados.

Os mapas procuram relacionar o destino e a origem do atendimento no SUS, além de apontar possíveis polos e redes de atendimento, segundo procedimentos analisados. Os fluxos apresentados evidenciam o deslocamento da população em busca de assistência e os principais locais requisitados, dependendo do nível de complexidade e da oferta disponível.  As informações obtidas podem ser exportadas para qualquer outro programa de análise de dados, garantindo a democratização do acesso à informação.

“Nosso objetivo é proporcionar uma ferramenta amigável e de fácil apreensão, que possa apresentar aos usuários os principais polos e os fluxos de atendimentos no SUS. Ao passar o cursor do mouse sobre algum objeto geográfico, surge uma caixa de texto com os valores dos indicadores e os nomes dos municípios mapeados. Isso faz com que a análise exploratória do mapa seja muito agradável e intuitiva, não demandando grande conhecimento sobre cartografia”, explica um dos desenvolvedores da plataforma, o pesquisador Wisley Velasco, colaborador do projeto Saúde Amanhã.

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