A privatização da saúde continuará a ser pesquisada

por
Carlos Tautz
,
29/06/2015

Após a aposentadoria planejada para 2016, Claudia Maria Travassos permanecerá participando de projeto que analisa as relações societárias de empresas que atuam no setor da saúde


O trabalho volumoso nunca assustou Claudia Maria Travassos, pesquisadora que há três anos trabalha como editora-chefe da revista Cadernos de Saúde Pública (CSP) e há mais de 20 integra seu quadro editorial. Dividindo a chefia de editoria com Marilia Sá Carvalho e Claudia Medina Coeli, Claudia participa da análise de cerca de duas mil submissões de artigos que a revista recebe por ano. Ela também é pesquisadora titular do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict), e coordenadora do Centro Colaborador para a Qualidade do Cuidado e a Segurança do Paciente (Proqualis).

(Arte: Sxc.hu Stock Photos)

“O Proqualis é mais importante para mim por seu caráter inovador, por eu ter contribuído na sua concepção e porque até hoje eu o coordeno, mas, além disso, ele foi fundamental na definição do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) do Ministério da Saúde, instituído em 2013”, lembra Claudia, que também é membro titular do Comitê Assessor de Saúde Coletiva do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).  Segundo a pesquisadora, o Proqualis tem e teve, nos últimos anos, uma participação fundamental em sua vida profissional, pois trata-se de um projeto que envolve grande volume de trabalho e com significativa disseminação entre os profissionais de saúde e pesquisadores da área de qualidade e segurança do paciente.

Por todas essas realizações é que Claudia, embora se anime com a aposentadoria no início de 2016, ressalta que não vai parar de pesquisar. “Continuarei participando da investigação coordenada pela professora Lígia Bahia, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Uerj), sobre o padrão societário da comercialização de empresas de planos de saúde, organizações de qualidade e segurança do paciente e farmácias, entre outras. Fazer a análise aprofundada do setor privado ligado ao cuidado em saúde no Brasil ajudará muito a entender essa dinâmica”, antecipa. E acrescenta: “também quero pesquisar as relações de compra e venda na saúde, voltando ao tema da privatização, de que já tratei no início da minha vida profissional”.

Formada em medicina pela Universidade Federal Fluminense (UFF) em 1975 e pesquisadora titular na Fiocruz desde 1979, Claudia revela em seu currículo Lattes o interesse por temas como eqüidade, avaliação de sistemas e serviços de saúde, acesso e utilização de serviços de saúde, qualidade do cuidado de saúde e segurança do paciente. “Obtive todas as bolsas do CNPq desde a iniciação científica”, conta ela para mostrar sua dedicação à pesquisa.

Claudia é ainda vice-líder do grupo de pesquisa Informa e Saúde, do Lis/Icict,  que congrega grande parte dos pesquisadores do laboratório. “Minha participação no laboratório sempre foi ligada a temas relativos aos sistemas e aos serviços de saúde. Junto com Francisco Viacava assessorei o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e o Ministério da Saúde (MS) na elaboração do questionário e análise dos dados dos Suplementos Saúde da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 1998, 2003 e 2008. Com base nesses dados produzi artigos sobre equidade em saúde. Também participei da criação da Metodologia de Avaliação do Desempenho do Sistema de Saúde, o Proadess, projeto coordenado pelo pesquisador Francisco Viacava. Realizei no laboratório as primeiras pesquisas sobre a segurança do paciente”, comenta. (Foto: Raquel Portugal)

No entanto, agora Claudia pretende reduzir o ritmo em algumas atividades. “Pretendo instituir e coordenar um Conselho Editorial para a seleção de temas e autores da nova linha de publicações do Proqualis. Espero um volume de trabalho menor, inclusive porque vou sair da coordenação e assumir quase que um papel de assessoria nas linhas de trabalho a que vou me dedicar”.

Seu dia a dia na produção da CSP, uma das mais importantes revistas de saúde da América Latina, também começará em breve a ser menos puxado. Mas a aposentadoria de Claudia vai alterar a rotina da publicação, pois ela e as demais editoras da revista rejeitam, logo na etapa de recebimento, quase 65% dos textos – perto de 1.300 propostas.

“Cerca de 35% do total são submetidos a dois ou três pareceristas e somente pouco mais de 14%, em média, são publicados”, observa, para exemplificar o montante de trabalho que envolve, todos os meses, um total de 15 pessoas na produção e pelo menos outras 38 nas editorias da CSP, que em 2015 completou 31 anos de publicação ininterrupta. Nesse período, ano a ano, a CSP foi incorporando ao seu escopo editorial temas da conjuntura nacional e internacional. “Os três primeiros números de 2015, por exemplo, abordaram o tema das mudanças climáticas nas matérias de capa”, comenta.

Nas mãos, a pesquisadora exibe a publicação que também se qualifica pelo tratamento visual e gráfico refinado dedicado aos temas abordados, como epidemiologia, nutrição, planejamento e avaliação em saúde, ecologia e saúde ambiental e ciências sociais. “O campo da comunicação precisa ser levado em consideração quando se trata de saúde pública”, afirma.

Aliás, o trabalho intenso na CSP, devido à quantidade de submissões, acaba produzindo em Claudia uma avaliação bem crítica. “Essa quantidade de trabalhos expressa pelo menos duas dimensões: o aumento na produção de pesquisas em saúde coletiva, o que é bom, mas também reflete um quadro em que o pesquisador é cobrado e avaliado pelo volume do que produz e não, prioritariamente, pelo seu componente de inovação, o que é perverso”.

Na opinião dela, as regras de avaliação do CNPq e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) induzem a essa situação porque têm “um viés excessivamente quantitativista muito marcado”, que privilegia o volume de textos publicados em detrimento da sua qualidade, inovação e ineditismo. Crítica, a propósito, recorrente em parte expressiva da comunidade científica brasileira.

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