Participação Social nas defesas do PPGICS

por
Clarice Cavalcante
,
03/02/2017

Dissertações e teses do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict/Fiocruz apontam como o envolvimento da população com os campos de pesquisa e serviços públicos pode mudar a realidade destas áreas


A ideia mais corriqueira de participação social parece ser aquela imagem de uma multidão reunida na rua, mobilizada coletivamente em torno de objetivos comuns - como registrou-se na década de 1980 com o movimento Diretas Já, e mesmo em 2013, com as passeatas de junho, desencadeadas pela rejeição ao aumento nos valores das passagens de ônibus. No entanto, nem todas as possibilidades de participação envolvem necessariamente grandes quantidades de pessoas. Ela pode ocorrer de diversas maneiras e em distintos espaços, sempre que uma pessoa ou um grupo se dispõe a ocupar canais de mobilização, seja de forma direta (plebiscito, referendo e iniciativa popular), representativa (eleições legislativas e executivas) ou deliberativa (conselhos gestores).

Historicamente, a realização desta participação no cotidiano ampliou-se sensivelmente após a Ditadura Militar, com a redemocratização do Brasil. De acordo Leonardo Avritzer, sociólogo e professor da Universidade Federal de Minas Gerais, depois do Golpe de 1964 observou-se no país um crescimento significativo dos espaços coletivos de exercício da participação social, especialmente das associações da sociedade civil ligadas ao direito à moradia, à saúde e à educação. Tomando como exemplo o Rio de Janeiro, Avritzer aponta que este número aumentou de 188 associações na década de 1940, para 2.498 em 1980. Na virada do milênio, este crescimento físico tornou-se mais lento em razão do aumento da violência verificado nas grandes cidades. Mas outras formas de participação, ligadas à popularização do uso da internet, despontaram nos últimos anos, como as mobilizações através das redes sociais e das plataformas on-line.

“O Brasil foi considerado, até o início do seu processo de democratização, um país com baixa propensão associativa, fenômeno esse ligado às formas verticais de organização da sociabilidade política, decorrentes de um processo de colonização que constituiu uma esfera pública fraca e ampliadora da desigualdade social gerada pela esfera privada”, expõe Avritzer na publicação Participação Social no Brasil.

A área da saúde foi uma das que primeiro despertou para o exercício da participação social nos moldes como está prevista na Constituição Federal – que sugeriu, dentre outros mecanismos, sistemas de gestão democrática em vários campos de atuação da administração pública. Isso significa que, mais do que uma expressão assegurada na Carta Maior, a população precisa ser consultada e interferir no processo. Em tese, é o que caberia aos conselhos de saúde, em suas diferentes instâncias: fiscalizar e deliberar sobre políticas públicas nesta área. Se considerarmos os conselhos municipais e distritais do Brasil, o número de espaços coletivos de decisão é animador: cerca de 30 mil, conforme calcula o pesquisador e professor Valdir Oliveira, do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Icict/Fiocruz. Ele aponta a necessidade de repensar o alcance deste modo de participação social, a partir de suas limitações estruturais e políticas, mas lembra que a presença dos conselhos foi e é fundamental para assegurar a permanência do Sistema Único de Saúde (SUS), tão fortemente ameaçado pelas iniciativas privadas na área da saúde, quase sempre desvinculadas do interesse social.

Mas não é apenas na saúde pública que se observa uma ampliação da presença e debate sobre participação social. Em teses e dissertações apresentadas por concludentes do ano de 2014 do PPGICS, vemos que os modos como esta participação vem sendo discutida e consolidada refletem a diversidade de cenários nos quais é possível e necessário prever o exercício da democracia.

Engajamento comunitário: participação social na ciência

Em um futuro próximo, é possível que não só a ciência se torne mais popular em sua atuação, mas também que a participação da sociedade em suas questões de pesquisa seja uma condição para o melhor alcance dos resultados esperados. Para entendermos o que isso significa, imagine que você resida em um bairro onde cientistas vão liberar mosquitos transmissores da dengue infectados com uma bactéria, com o objetivo de compreender o comportamento e o tempo de vida deles, uma vez circulando no meio ambiente. Mas, para que este processo de soltura ocorra, é necessário que você e sua vizinhança estejam conscientes e de acordo com os riscos existentes. Esta experiência aconteceu na Austrália e está sendo desenvolvida no Brasil, numa pesquisa intitulada Eliminar a dengue: desafio Brasil, promovida pela Fiocruz.

A pesquisa trabalha com o conceito de engajamento comunitário, uma das manifestações possíveis da participação social. A falta de estudos sobre o tema, e mesmo a falta de consenso sobre o significado deste engajamento, foi o que mobilizou a assistente social Carla Paolucci a realizar uma revisão bibliográfica em sua dissertação de mestrado, buscando compreender de que forma este conceito se articula com outros na ciência e pode promover mudanças satisfatórias nas respostas às pesquisas públicas com forte componente social.

Para a pesquisadora, a experiência no campo foi fundamental para o desenvolvimento de seus estudos exploratórios. “Fiz parte, juntamente com outros membros do Laboratório de Informação Científica e Tecnológica em Saúde (LICTS) do Icict/Fiocruz., de todo um trabalho de envolvimento, com informação e diálogo sobre o projeto nas áreas escolhidas para o possível processo de soltura dos mosquitos infectados. Digo ‘possível’ porque no fim a sociedade deve saber o que a ciência pretende realizar em suas localidades para, em conjunto, após debates e muita escuta de ambas as partes, decidir a melhor forma de desenvolvimento ou não da pesquisa.”

Segundo Carla, o Brasil possibilita este tipo de participação em pesquisas científicas porque busca a credibilidade da ciência como algo próximo do cotidiano e dos problemas do cidadão comum. “Existe um componente político, onde a decisão dos sujeitos de participar ou não do projeto faz parte do engajamento comunitário. Há um processo de parceria e construção coletiva entre a ciência e a sociedade para que decidam juntos. É uma participação política ativa de grupos organizados na e para a formulação de agendas de pesquisa em saúde.”

Participação social em redes

Além de gerar um engajamento específico em situações de pesquisa, a ampliação da participação social pode mudar a relação das comunidades com as suas tradições diante das demandas do mercado e do consumo. Foi o que observou a pedagoga Silvia Regina Baptista, que estudou o ambiente de gestão participativa do Projeto Agroecológico do Núcleo de Gestão em Biodiversidade e Saúde de Farmanguinhos (Profito/Fiocruz), em Pedra Branca, Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, e na Baixada Fluminense.

Em sua dissertação, Sílvia analisou o modo como as comunidades começam a se articular para dispor os conhecimentos tradicionais sobre plantas medicinais, levando em consideração o assédio articulado das indústrias farmacêuticas e cosméticas sobre este nicho cultural e econômico. “Ao mesmo tempo em que o interesse das indústrias pelo conhecimento e práticas tradicionais permanece crescente, os agricultores familiares têm se utilizado de estratégias, muitas vezes insuficientes, para proteger ou negociar o conhecimento constituído por seus antepassados”, explica a autora. Através da participação no Profito/Fiocruz, estas comunidades formaram um coletivo de discussões, que passou a atuar também em diferentes políticas públicas com intervenção em seu território.

Na opinião da pesquisadora, discutir e promover a participação social voltada para públicos periféricos é sempre um desafio, sobretudo do ponto de vista da autonomia destes grupos, historicamente submetidos a mecanismos políticos, econômicos e culturais de repressão. “A primeira barreira a ser enfrentada foi a visão que os agricultores tinham do Estado. A permanente repressão que sofriam no exercício da agricultura como sua atividade econômica e cultural, transmitiu um conceito de poder público fiscalizador e repressor. Circulava também uma visão do poder público que propõe e não consegue realizar o que promete, por conta dos projetos públicos que não se sustentam na linha do tempo. Quando esse Estado se apresentou com um convite à participação isso gerou um descrédito muito grande”, explica.

No entanto, a inserção no Profito/Fiocruz fez nascer nas comunidades uma perspectiva de concretização de suas demandas sociais, para além da relação com as plantas medicinais. “Eles permaneceram comparecendo e cobrando respostas nas reuniões periódicas destinadas à gestão participativa”, ressalta Sílvia. Para esse grupo social, ela analisa, a partir de sua pesquisa, que o estímulo foi tanto que se tornou muito difícil compreender a fragmentação dessas políticas em diferentes áreas do conhecimento e setores da economia.

Participação social no serviço de saúde: os desafios de disseminar canais de diálogo

Prever e garantir dispositivos tradicionais de controle e participação social não garante que eles sejam de fato utilizados pela população. Foi o que constatou a psicóloga Marcela Vieira, que teve como objeto de estudo o projeto TEIAS-Escola Manguinhos, iniciativa de gestão de duas Unidades de Saúde da Família localizadas na comunidade de Manguinhos, numa parceria da Fiocruz com a Prefeitura Municipal do Rio de Janeiro. Como hipótese de pesquisa, a autora acreditava haver uma subutilização dos mecanismos de ouvidoria destes espaços. Além de comprovar sua hipótese, Marcela concluiu que a baixa utilização se dá, muitas vezes, por desconhecimento da existência e da efetividade destes canais.

“Talvez coubesse a estes espaços algum tipo de trabalho de sensibilização junto aos usuários e trabalhadores do TEIAS-Escola Manguinhos, para que estes conheçam o papel da Ouvidoria e do Conselho Gestor Intersetorial (CGI), bem como os seus limites e alcance de atuação. Somente assim poderia ser atestado em que medida eles podem favorecer ou não a efetividade da participação e o controle social no território de Manguinhos.”

O problema apontado pela pesquisadora é que o conhecimento deficitário, tanto pelos usuários quanto pelos trabalhadores, a respeito da atuação e atribuições dos espaços destinados à prática do controle e da participação social, pode prejudicar a elaboração de ações de mobilização em prol da gestão participativa no território. “Se pensarmos que estamos constatando isso em uma realidade local, e que todos fazemos parte de um sistema maior – SUS – podemos depreender que isso também pode ser refletir no exercício do controle e da participação social no sistema como um todo”, destaca Marcela.

Ela ainda resgata que apesar de prevista legalmente, por constar em nossa Constituição Federal, e de ser materializada através da existência dos conselhos de saúde, a participação social ainda é um desafio na área da saúde, sobretudo porque os diversos espaços de mobilização social não operam em toda a sua potencialidade. “Na verdade não parece haver um esforço genuíno da parte de alguns gestores e profissionais de saúde em fazer com o que cidadão usuário dos serviços participe e se aproprie dos mecanismos de controle e participação social existentes no sistema”, conclui.

Outras matérias

Editorial 2014.2 Neste número de INOVA, estamos tratando de alguns temas que foram objeto das discussões e preocupações do VII Congresso Interno da Fiocruz
Banda Larga não é luxo Pesquisas recentes mostram que o acesso à internet ainda está longe de ser universal no Brasil, apesar de ser considerado um direito básico pelas organizações civis
Questões de gênero e raça ganham mais espaço na agenda da Fiocruz Comitê Pró-Equidade de Gênero e Raça recebe treinamento da pesquisadora Corinne Davis para iniciar estudo com grupos focais
Política de acesso aberto avança Arquivamento de artigos, teses e dissertações de pesquisadores, estudantes e profissionais da Fiocruz no repositório institucional, o Arca, é requisito inicial
Entrevista Ana Maranhão: acesso aberto como instrumento de justiça social
Participação Social nas defesas do PPGICS Dissertações e teses do Programa de Pós-graduação em Informação e Comunicação em Saúde do Icict/Fiocruz apontam como o envolvimento da população com os campos de pesquisa e serviços públicos pode mudar a realidade destas áreas
Investigando a saúde Novas metodologias de inquéritos buscam revelar a saúde no país sob o ponto de vista dos usuários
Canal da Cidadania: uma nova proposta no ar Prefeituras, Estados e associações comunitárias se articulam para criação de canal público da TV Digital aberta voltado para a cidadania
Carta Política Através desta carta, buscamos manifestar preocupações, reflexões e propostas diante dos desafios e impasses pelos quais passa o SUS, uma das mais importantes conquistas do povo brasileiro

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.

O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.

logo todo somos SUS