Ampliando olhares sobre a cobertura jornalística da saúde

por
Marcia Lisboa
,
07/02/2017

Atuação de alunos do PPGICS no Observatório Saúde na Mídia consolida aproximação das áreas de pesquisa e ensino


Espaço de pesquisa, tratamento, produção e distribuição de materiais audiovisuais em saúde, a VideoSaúde - Distribuidora da Fiocruz completa 25 anos em 2013. Para comemorar, uma série de atividades, como oficinas, seminários, mostras, lançamentos de vídeos, campanhas nas redes sociais on-line, além de uma nova edição do concurso do selo Fiocruz Vídeo, acontecem até o final do ano.

O primeiro resultado desta interação do laboratório com o PPGICS foi a dissertação de mestrado “H1N1 e produção de sentidos na mídia: a epidemia de 2009 nas páginas de O Globo, Extra e Expresso”, defendida por Tania Neves, em 2012. A pesquisa foi orientada pela pesquisadora do Laces Kátia Lerner, coordenadora do Observatório Saúde na Mídia. Hoje doutoranda do PPGICS, Tania atribui ao trabalho no OSM a percepção do modo de delimitar o material usado em seu estudo.  “Como estava em contato com pesquisadores do Observatório que naquele momento produziam, para a Secretaria de Vigilância em Saúde, uma análise do noticiário sobre a H1N1 publicado numa série de jornais, pude ver de perto que é preciso limitar o volume de material selecionado para que se possa fazer uma análise cuidadosa. Essa observação, aliada às importantes contribuições de minha orientadora, sobretudo com relação à metodologia, certamente me poupou de  muito “sofrimento”. Atuando no OSM desde 2012, o doutorando Marcelo Robalinho considera muito importante esta experiência para o desenvolvimento de sua pesquisa, que analisará os significados da doença nas revistas semanais Veja e IstoÉ.  Para ele, o fato de estudar um meio de comunicação diferente do Observatório, que analisa jornais impressos diários, não diminui o benefício de sua participação, porque ambos abordam a temática da saúde na mídia. “Estar inserido em um projeto que busca analisar como a mídia trabalha os temas de saúde é fundamental para eu aprofundar o olhar sobre a abordagem em um meio de comunicação distinto”, diz.

Esta diferença não aconteceu para a ex-assessora de comunicação do Conselho Estadual de Secretarias Municipais de Saúde (Cosems) do estado do Ceará Clarisse Cavalcante, mestranda do PPGICS, que vai pesquisar os discursos midiáticos sobre o Sistema Único de Saúde (SUS), a partir do noticiário dos jornais O Povo, Diário do Nordeste e O Estado. Ao conhecer o Observatório Saúde na Mídia, percebeu que havia grande afinidade com o tema de sua pesquisa. “Casou com o meu objeto, porque eu procurava responder exatamente essas questões: quem diz, o que diz, por que diz e como diz”, resume. Mesmo que as publicações com as quais vai trabalhar não sejam estudadas pelo OSM, ela aponta a proximidade da metodologia adotada e a possibilidade de estudar jornais fora do eixo Rio/São Paulo como pontos positivos da pesquisa.  Clarisse e Marcelo são também orientandos da professora Kátia Lerner.

Para a doutoranda Carolina Menezes, o contato com o Observatório influenciou na escolha do meio de comunicação a partir do qual vai estudar os sentidos da obesidade: a mídia impressa. “É um laboratório rico em ‘matéria-prima’, ainda pouco explorada em pesquisas, além de ser um espaço com infraestrutura que conta com o know-how dos professores e pesquisadores que ali trabalham”, avalia.  Formada em nutrição e jornalismo, Carolina é orientada pelo pesquisador Valdir Oliveira.

Clipagem diferenciada

Parte da rotina jornalística, o serviço de clipagem (adaptação do termo em inglês clipping) consiste no recorte de conteúdo editorial sobre um determinado assunto em publicações impressas ou na seleção de imagens, áudios e materiais digitais de meios de comunicação.  Clarisse Cavalcante ressalta, no entanto, a diferença entre a metodologia de clipagem do Observatório Saúde na Mídia e a que adotada nas assessorias de comunicação. Enquanto o clipping da assessoria estaria relacionado ao seu cliente, procurando acompanhar o que aparece na mídia sobre determinada empresa ou instituição, muitas vezes voltado para gerenciar crises e captar oportunidades de visibilidade, o Observatório seguiria outra lógica, inserida em uma perspectiva acadêmica que busca perceber e analisar os modos como a mídia produz discursos sobre a saúde.  “O Observatório dá a perspectiva de contextualizar o olhar sobre a saúde e, dentro disto, o SUS, que é meu objeto”, diz a mestranda.

Com 20 anos de atuação como jornalista na mídia impressa diária carioca, Tania Neves avalia que muitos associam a clipagem a um trabalho menor, braçal, e fogem dele. “De fato, é algo desgastante, mas o sucesso e a precisão de uma pesquisa de mídia dependem fundamentalmente de um clipping bem feito. Acho fundamental que pessoas mais experientes também se envolvam no processo de clipagem, de classificação do material, porque é preciso fazer uma reflexão constante para saber se as classificações continuam atendendo aos critérios de coleta de material ou se é preciso introduzir mudanças. Se este trabalho ficar restrito a estagiários, por exemplo, corre-se o risco de produzir um burocrático armazenamento de material, só isso.”

Na mesma direção, Marcelo Robalinho rejeita a ideia de que a clipagem seja algo maçante. Ele conta que ao folhear os jornais no OSM, começou a ver as nuances sobre como a saúde estaria inserida nos cadernos. A atividade, segundo o doutorando, vem provocando insights sobre o tema de sua pesquisa.

A mudança na maneira de ler o jornal é também destacada por Carolina Menezes. Para ela, a cada dia pode ser feita uma leitura diferente, seguindo o mesmo protocolo. “É preciso ter olhos de lince e não perder o foco, porque a temática saúde pode estar também no ‘olho’, na chamada ou na ilustração”. Mesmo admitindo que a leitura de dois a quatro jornais por dia, com esse olhar refinado, seja cansativa, ela acredita que depois de clipar um jornal no Laces, a leitura não será mais corriqueira.

Sentidos e interdiciplinaridade

Para analisar como são construídos os discursos pelos meios de comunicação, Clarisse Cavalcante procura adotar um olhar diferenciado sobre as matérias em análise, que vá além do que aparece impresso nos jornais. “É fato que a mídia constrói um discurso escolhendo pessoas, escolhendo olhares e pontos de vista privilegiados. Mas ajudaria muito se evitássemos o maniqueísmo e pensássemos com mais profundidade a respeito dos modos de produção midiáticos, sobre suas rotinas e sobre o contexto social em que nossas mídias estão inseridas”. A mestranda argumenta que a produção de sentidos não se encerra na intenção da mídia ao produzir um conteúdo, mas continua nas diversas apropriações que o público faz da informação recebida, muitas vezes dando significados não esperados.

Marcelo Robalinho defende a idéia de  que o significado da doença é também dado pela mídia, que participa do processo em pé de igualdade com os especialistas do campo científico.  O doutorando acredita que embora os meios de comunicação recorram a médicos, pesquisadores científicos e à sociedade para dizer o que é uma doença, é seu olhar a partir ressignificado desses outros olhares.

Em sua opinião, estas reflexões são facilitadas no ambiente do PPGICS e do Laces porque congregam pessoas que pensam, a saúde e mídia como temas com nível de paridade. “Não é somente a mídia, e não é só a saúde: são as duas coisas. Isto foi uma das razões para eu vir aqui.” Clarisse Cavalcante concorda: “Se tivesse fazendo esse trabalho em outro programa de pós-graduação, não teria os instrumentos que estou tendo na Fiocruz, no PPGICS e no Laces”.

Ex-aluna do curso de especialização e do mestrado, Tania Neves também aponta a interdisciplinaridade como motivadora de seu ingresso na pós-graduação. Para ela, o Observatório, por reunir pesquisadores das diferentes áreas que compõem o campo da comunicação em saúde, tem o poder de facilitar a compreensão prática da interdisciplinaridade. Carolina Menezes reforça esta percepção: “Creio que pesquisa e ensino, são como ‘arroz com feijão’. Cada um fornece nutrientes essenciais, se completam.”

Eles nos ajudam a pensar o projeto’

Na dupla função de coordenadora do Observatório Saúde na Mídia (OSM) e orientadora de alunos do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), Kátia Lerner avalia que a atuação destes mestrandos e doutorandos vem resultando em muitos ganhos ao projeto. “O fato de estar em construção tem levado alunos a participarem de todo o processo de estruturação do Observatório, como a da implantação do protocolo de clipagem e a discussão sobre o banco de dados. Eles não só aprendem como são interlocutores que nos ajudam a pensar.”

Este aspecto é reforçado pela coordenadora executiva do OSM, Izamara Bastos: “Além de nos apoiarem em atividades práticas, como na clipagem, os alunos estão sempre nos ajudando a pensar e repensar nossas decisões metodológicas. Acredito que, de alguma maneira, também contribuímos para as reflexões das pesquisas de cada um deles.” Para ela, tanto o Laboratório de Comunicação em Saúde (Laces) quanto os alunos saem ganhando com esta oportunidade de reflexões conjuntas, contribuindo para a maior sintonia entre ensino e pesquisa.

A dimensão metodológica também é apontada por Kátia Lerner. Para ela, além de experimentar os desafios de uma análise, o acompanhamento que os alunos fazem das dinâmicas do Observatório permite o contato com várias etapas da pesquisa antes de fazer a sua própria.

Outro ganho desta inserção dos alunos, de acordo com a pesquisadora, refere-se à condição de jornalistas, comum a todos os alunos que participam do OSM. “Fazer o exercício sobre todas as etapas do processo os leva a criar um estranhamento sobre a sua própria prática como jornalistas. E assim ficam mais habilitados para fazerem sua análise quando chegar o momento, porque experimentaram a desconstrução do texto jornalístico antes”, conclui.

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