Pesquisa Nacional de Saúde: um novo olhar sobre a saúde dos brasileiros

por
Daniela Lessa
,
07/02/2017

Pesquisa Nacional de Saúde prevê visitas a 80 mil domicílios no país e realização de exames em mais de 20 mil indivíduos


Foi iniciada em agosto a operação da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS), dirigida pela pesquisadora do Laboratório de Informação em Saúde (Lis/Icict), Célia Landmann e pela doutora Deborah Malta, do Ministério da Saúde, e realizada em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa vai avaliar o estado de saúde dos brasileiros e a prestação de assistência em saúde a partir de medições objetivas em uma amostragem de 80 mil domicílios em todo o país e de exames mais completos em 20 mil indivíduos sorteados. O objetivo é gerar informações sobre as condições de saúde nacionais para orientar a condução de políticas públicas.

Célia Landmann explica que o levantamento apresenta uma série de inovações em relação à metodologia atualmente adotada no suplemento de saúde  da Pesquisa Nacional de Avaliação de Domicílios (PNAD) e informa que os resultados dessa primeira aplicação de 2013 serão apresentados pelo IBGE e pelo Ministério da Saúde em 2014. A principal inovação, destaca a pesquisadora, é que ao invés de contar apenas com os relatos dos cidadãos a respeito de seu estado de saúde, como ocorria na PNAD, a PNS realizará exames objetivos nos cidadãos entrevistados.

O nível de maior detalhamento será o exame de sangue oferecido a adultos de um quarto dos domicílios pesquisados. Esses indivíduos, selecionados aleatoriamente em todas as regiões do país, terão avaliação de seu hemograma, de suas taxas de colesterol e de açúcar no sangue, e de sorologia de dengue. “Com isso, a pesquisa ganha, não só em amplitude, mas, também, em profundidade e precisão dos dados”, destaca  Célia.

Ela informa que esse nível de qualidade de informação já é obtido nos Estados Unidos, no Canadá, na Europa e na Austrália desde a década de 1960 e que levantamentos com o mesmo grau de detalhamento vêm sendo desenvolvidos  na América Latina. Países como Chile, Argentina, México e Colômbia  realizam pesquisas de saúde envolvendo exames objetivos e o Panamá se prepara para isso.

Outra novidade da PNS é que, mesmo entre os indivíduos que não passarão por exame de sangue, haverá a realização de medições de peso, altura, pressão arterial e circunferência da cintura. Isso confere maior precisão em relação ao suplemento de saúde da PNAD, que só contava com o relato do cidadão a respeito de seu estados de saúde. “O problema do relato é que há doenças silenciosas, como a hipertensão. Muita gente é hipertenso, e nem sabe. Assim, ao medir a pressão, saberemos a condição real da pessoa”, observa a pesquisadora. Além da hipertensão, outras doenças que receberão um foco especial da pesquisa são diabetes e depressão, além da condição de obesidade.

Para realizar as medições, os agentes da pesquisa recebem um kit com os equipamentos necessários: aparelho de pressão, fita métrica, balança e estadiômetro (para medir a estatura). Eles também recebem o questionário que contempla a avaliação de um quadro depressivo, entre outros aspectos. “O questionário é inovador, muito extenso, permitindo apurar aspectos com bastante detalhamento”, destaca Célia.

As  enfermidades enfocadas foram escolhidas devido à sua prevalência no Brasil - contabilizada a partir da PNAD e outras pesquisas realizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Ministério da Saúde - e pela gravidade do seu impacto sobre a qualidade de vida dos cidadãos.

Na PNAD de 2008, as doenças crônicas identificadas por algum médico ou profissional de saúde mais frequentemente declaradas foram: hipertensão (14%) e doença de coluna ou costas (13,5%). Os percentuais para as demais doenças foram: artrite ou reumatismo (5,7%); bronquite ou asma (5,0%); depressão (4,1%); doença de coração (4,0%) e diabetes (3,6%). Esses percentuais apresentaram diferenças de acordo com a faixa etária analisada. No caso da diabetes, por exemplo,  o percentual elevou-se bastante entre pessoas de 35 anos ou mais: 8,1% delas declararam ter a doença.

De acordo com os Indicadores e Dados Básicos de Saúde Brasil de 2011 (IDB-2011), disponibililizados por meio da Rede Interagencial de Informações em Saúde (Ripsa) no Datasus, do Ministério da Saúde, 23,3% dos brasileiros com 18 anos ou mais afirmaram em 2010 já haver recebido diagnóstico de hipertensão. A  pesquisa Vigitel, que é realizada por telefone, indicou que a prevalência de diabetes alcançou 9,9% da população com 35 anos ou mais.

Já os dados sobre obesidade, disponíveis no Datasus, são oriundos da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) de 2008-2009, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela indica que 14,5% dos brasileiros são obesos, o que significa que apresentam Índice de Massa Corporal (IMC) igual ou superior a 30 kg por m²; 34% encontram-se na faixa do sobrepeso, com o IMC entre 25kg/m² e 30kg/m²; e 48,5% sofrem com excesso de peso, com IMC maior ou igual a 25kg/m².

Os comentários referentes aos dados da pesquisa publicados no mesmo documento apontam as seguintes consequências graves associadas ao excesso de peso: doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2 e certos cânceres, como o de esôfago, cólon-retal, mama, endométrio e rim. O excesso de peso também está associado a diversas condições debilitantes que afetam a qualidade de vida. São elas: osteoartrite, problemas respiratórios (hipoventilação, dispneia, apneia do sono), problemas músculo-esqueléticos, problemas dermatológicos (intertrigo, linfoedema, acanthosis nigricans), distúrbios menstruais e, nos homens, esterilidade e impotência.

Na mesma linha de doenças ou condições que impactam significativa e negativamente a vida saudável, está a depressão, que passará a ser medida de modo mais preciso a partir da PNS. “Não se pode atestar o diagnóstico por meio da pesquisa, mas estamos utilizando uma escala de depressão com perguntas específicas e, dependendo dos valores, os agentes da pesquisa podem orientar a pessoa a procurar um médico”, explica Célia. Ela destaca que a depressão é considerada um fator incapacitante porque reduz o ânimo das pessoas, o que acaba por afetar sua qualidade de vida.

Novas categorias

A PNS também inova em relação à ênfase aos grupos pesquisados, especificamente o de pessoas com 60 anos ou mais e o de indivíduos com deficiências físicas ou intelectuais. Nesses casos, o que se pretende conhecer é o conjunto de limitações com as quais as pessoas padecem, analisar se está havendo atendimento suficiente e entender como as famílias dão conta dos cuidados necessários. Nesse sentido, questiona-se se há cuidados especiais, quais são e quem os provê: se é um familiar, um profissional pago, um vizinho etc.

De acordo com Célia, a ênfase específica do grupo de maiores de 60 anos tem relação direta com o aumento da população de idosos no país. Segundo o Censo de 2010, produzido pelo IBGE, o Brasil tinha cerca de 190,75 milhões de habitantes naquele ano. Desses, cerca de 20,59 milhões tem mais de 60 anos, o que representa mais de 10% da população total. Em 2000, o Censo contabilizou 8,6% da população com 60 anos ou mais.

O aumento da população idosa, analisa Célia, representa desafios para o setor de saúde e para muitos outros setores sociais, uma vez que os idosos requerem mais atendimentos e políticas públicas de apoio específicas. Os resultados da PNAD 2008 permitem inferir a respeito das demandas de atendimento dessa população a partir da percepção que tem de sua própria condição de saúde. De acordo com a pesquisa, à medida que a idade aumenta, diminui a sensação de boa saúde. Na média, 77,3 % dos brasileiros afirmaram ter saúde boa ou muito boa; entre os grupos etários de até 19 anos, a auto-avaliação de saúde boa ou muito boa chegou a 90%; para aqueles com 50 anos ou mais, essa percepção foi de menos de 60% e 14,8% das pessoas com 65 anos ou mais consideravam seu estado de saúde como ruim ou muito ruim. “Com a PNS, queremos saber como está a condição de saúde desses grupos e orientar sobre o provimento de assistência de saúde ”, ressalta Célia.

Saúde e desigualdade

A metodologia utilizada na PNS também permite estabelecer relações entre saúde, educação, trabalho, renda, condições socioeconômicas em geral e estilo de vida, fornecendo uma visão contextualizada das questões de saúde, alcançando não apenas as causas das doenças, mas as chamadas “causas das causas” que são, por sua vez, influenciadas pelos chamados Determinantes Sociais da Saúde.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), esses determinantes explicam a maior parte das iniquidades sanitárias do mundo e são resultantes de políticas adotadas no que tange à distribuição de renda, de poder e de recursos em nível mundial, nacional e local. Para combater a persistência e a intensificação dessas iniquidades, a OMS criou, em 2005, a Comissão sobre Determinantes Sociais da Saúde, que apresentou um relatório em 2008 recomendando melhorar as condições de vida cotidianas, lutar contra a distribuição desigual de poder, dinheiro e recursos, e realizar medições e análises do problema.

A PNS está em concordância com as recomendações da OMS, uma vez que tem o objetivo central de medir e analisar a questão de saúde e de assistência. “A PNS será não só a grande oportunidade de progredir obtendo informações essenciais para a formulação de políticas na área de promoção, vigilância e atenção à saúde, como também de ampliar o conhecimento sobre as desigualdades em saúde, subsidiando a orientação das políticas de saúde para o alcance de maior equidade”, analisa a  pesquisadora. 

Célia explica que a pesquisa trabalha, também, com o conceito de “causas das causas”, difundido no sistema de saúde inglês. “A questão é avaliar o que está por trás do que causa uma enfermidade. Por exemplo: o fumo está associado ao câncer de pulmão e problemas cardíacos, mas quem fuma mais é quem tem pior nível socioeconômico, quem tem menos acesso à informação sobre seus malefícios etc. Assim há uma relação do nível socioeconômico com um hábito que, por sua vez, é relacionado  à doença em si”.

Da mesma forma, a obesidade, além das condições genéticas, está relacionada a hábitos alimentares e à falta de prática de exercícios físicos. Esses comportamentos, entretanto, são determinados por aspectos culturais e por condições socioeconômicas. “Uma mulher que trabalha em dois lugares e deixa as refeições prontas para três ou quatro dias não tem tempo para fazer atividades físicas, não consegue preparar alimentos saudáveis”.

A PNS é, portanto, um novo instrumento de informação a respeito da saúde objetiva e das relações socioeconômicas que determinam as condições de bem-estar biopsicossocial dos brasileiros. A partir dela será possível traçar estratégias em favor da constante melhoria na qualidade de vida dos cidadãos.

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