Entrevista

por
Juliana Krapp
,
07/02/2017

Reeleito com 70,75% dos votos válidos, o jornalista Umberto Trigueiros assume a direção do Icict


Nesta entrevista, ele enumera os desafios de seu novo mandato, os gargalos que o instituto precisa enfrentar e os pontos estratégicos que vão nortear seu trabalho. Além disso, relembra um pouco sua trajetória como profissional e militante político, bem como o cenário histórico que fez com que o conceito de comunicação e saúde fosse integrado definitivamente ao dia a dia da Fiocruz.

Inova Icict – Voce começou a vida profissional num cenário muito conturbado, e isso fez com que vivesse experiências intensas antes de chegar à Fiocruz. Pode resumir essa história?

Fiz a faculdade de Ciências Sociais em um momento de grande repressão [começo dos anos 60]. Me envolvi com o movimento estudantil e terminei o curso já perseguido. Em 1969 tive que ir para a clandestinidade: morei no Paraná e em São Paulo. Fui capturado, fiquei dois anos na prisão. Fiz parte dos presos libertados na troca pelo embaixador da Suíça e então me refugiei no Chile.

Chegar naquele país, saindo da cadeia, foi uma descoberta. Nunca havia vivido num lugar com tanta liberdade. Lá, fui jornalista dos jornais Clarín e Aurora do Chile, da Agência Prensa Latina, da revista Punto Final. E também militava no Partido Socialista. Mas então veio o golpe, e de novo ingressei na clandestinidade. Foi um golpe muito violento, que lançou uma enorme perseguição aos estrangeiros que moravam no Chile. Tive que ficar num campo de refugiados até conseguir viajar para Cuba, onde vivi por 5 anos, trabalhando como jornalista e professor. Depois fui para a Suécia, onde fiquei dois anos e meio. Lá foi tudo diferente. Era outro padrão de vida, um idioma totalmente estranho para mim. Tive que estudar muito. No começo, trabalhava com o que aparecesse: faxinas, limpeza de cinemas, trens. Quando já dominava melhor a língua é que pude voltar ao jornalismo e trabalhar como redator e noticiarista na Rádio Suécia Internacional nas programações em língua portuguesa e espanhola. Em 1980, com a Lei de Anistia, pude retornar ao Brasil com minha família, minha companheira e meu filho nascido no exílio. 

Aqui estava uma crise tremenda, mas consegui logo um trabalho na Editora Rio Gráfica. Comecei como redator de textos de quadrinhos e depois na editoria de revistas especializadas. Atuei como repórter freelancer, trabalhei no jornal O Globo e me envolvi com o Sindicato dos Jornalistas, onde fui Secretário Geral por um mandato e me candidatei à presidência. Perdi a eleição pos sete votos. Felizmente para minha carreira profissional [risos]. Foi nessa época, por volta de 1986, que conheci o Sergio Arouca, que tinha acabado de se eleger presidente da Fiocruz e também estava assumindo a Secretaria de Estado de Saúde. Ele me convidou para ser seu assessor.

Inova Icict – Foi uma experiência diferente de tudo o que voce já tinha feito.

Sim, muito. Tive sorte: minha primeira experiência em saúde foi na Secretaria, que era um lugar de ponta. E com o Arouca, essa figura tão interessante. Na época ele criou um circo que andava pelo estado, fazendo espetáculos para discutir os temas da saúde. Resolveu editar um jornal sobre a reforma sanitária, diferente de qualquer coisa que já existia.  E aqui na Fiocruz criou vários veículos de comunicação, como Súmula, Proposta, Reforma.

Inova Icict – Então voce chegou à Fiocruz justo no momento em que era criado o seu pioneirismo no campo da comunicação e saúde?

Exatamente. O Arouca estava trazendo para cá várias pessoas do mercado. Não só jornalistas, mas também profissionais de cultura e vídeo. E começou a ser criada a área de comunicação, algo que não existia antes. Não havia em nenhum lugar, aliás. Uma ausência que era herança da ditadura. Além disso, aqui na Fundação havia um entrave: a pesquisa era vista como algo só da academia, que não tinha que falar para os leigos. Algo curioso porque, muitas décadas antes, o Oswaldo Cruz tomou uma série de iniciativas para difundir a ciência.

Inova Icict – Então o germe do que é hoje o Icict foi lançado em meados dos anos 80. Porém, o que se entendia por comunicação e informação em 1987 é muito diferente do que é hoje. Como o instituto vem encarando, ao longo do tempo, toda a transformação desse campo?

Foram mesmo mudanças muito grandes. Na Fiocruz, a área da comunicação brigou muito para conquistar espaço. Foi difícil, havia muita resistência. A comunicação era considerada apenas um instrumento do qual lançavam mão em necessidades pontuais. Isso foi mudando a partir de postura do Arouca e dos profissionais que ele trouxe. Mas o Icict, na época em que o conheci, não tinha nada a ver com comunicação. Só tinha o braço da informação: cuidava de bibliotecas e coleções. A iniciativa pioneira para a comunicação foi a VideoSaúde. Estava acontecendo um monte de coisas na época: a Constituinte, a Reforma Sanitária. E aí algumas pessoas pensaram: isso precisa ser registrado, para que a memória não se perca. Tínhamos fotógrafos, mas não fazíamos ainda registros audiovisuais. A Áurea Pitta, que é bióloga, e a Janine Cardoso, socióloga, se uniram para começar o que é hoje a VideoSaúde. Encontraram algumas fitas de pesquisadores e filmes antigos, começaram a difundi-los, num núcleo vinculado ainda à presidência. Algum tempo depois, parte do governo, na tentativa de derrubar o Arouca, fez uma denúncia falsa: a de que ele teria contratado mais de 80 jornalistas, numa espécie de farra do boi. Não era nada disso. A Fiocruz tinha, no máximo, uns 12 profissionais de comunicação. Mas, para evitar o assédio, a presidência espalhou pelas outras unidades uma série de programas que concentrava. A Radis foi para a Ensp, por exemplo, e aquele recém-criado núcleo de vídeo veio para o Icict. E foi assim que surgiu a parte de comunicação do instituto [mais informações sobre a história da VideoSaúde nas páginas 14 a 18.

Inova Icict – Na plataforma de campanha voce enumera como uma das conquistas de seu mandato anterior uma maior aproximação entre pesquisa e ensino. O próximo passo seria a aproximação de pesquisa e ensino com as áreas mais, digamos, finalísticas? Digo: articular o trabalho de pesquisa ao desenvolvimento de aplicativos, sistemas e soluções para serem usados no dia a dia da Fiocruz?

Sim. Mas primeiro temos que aproximar ainda mais pesquisa e ensino. Tínhamos uma dificuldade: não éramos uma unidade de ensino. O grupo de pesquisadores mais hard que tínhamos era o do Laboratório de Informação em Saúde (Lis), um núcleo que veio da Ensp. Talvez por isso, não eram a favor de que tivéssemos um programa aqui. Depois essa opinião mudou, claro.

Inova Icict – Mas como aproximar o desenvolvimento de produtos e soluções tecnológicas das reflexões e expertises geradas em laboratórios e salas de aula?

É algo complicado. Não sei se é efeito da profissão, mas os profissionais que temos hoje possuem certa resistência à formação acadêmica. Essa é uma observação minha, algo subjetivo. Ainda assim, conseguimos fazer coisas [com parcerias entre as áreas]. Por exemplo: todos os sites dos laboratórios foram desenvolvidos aqui mesmo, no Icict. Na verdade, há sim uma parceria, ela só não é assumida. Nem é simples. Exemplo disso ocorreu na tentativa de reformular o Multimeios. Percebemos que a gráfica, naturalmente, deveria se tornar mais enxuta. E também decidimos que não queríamos mais ser um lugar de prestação de serviços, um balcão. Vimos que a programação visual deveria se tornar o mais importante nessa estrutura. Mas não para ficar só recebendo demandas. Deveriam pensar: como fazer campanha em saúde pública? Essas campanhas são bem-feitas? Que propostas podemos fazer? E eles começaram a fazer isso. Acho que o que está sendo mais difícil ocorre com relação às bibliotecas, em virtude de ser uma área com muita tradição. Porque é preciso que elas se redescubram, se recoloquem no plano das novas fronteiras da informação e da tecnologia.

Inova Icict – Como voce nos contou, o Icict foi criado para atender a certas demandas na área de informação. Mas isso foi mudando. Como incrementar, hoje, o papel do instituto no campo da reflexão para políticas públicas?

Já temos pesquisas em temas muito caros à atualidade brasileira, como o crack. Por outro lado, há outros assuntos da agenda atual que ainda não aparecem na pauta da unidade, como é o caso do marco civil da internet.

Há um tempo de maturação. Precisamos formar mais quadros. Acontece que todo pesquisador tem uma espécie de ojeriza à gestão. Mas sem gestão não há política. E não estou falando de politicagem, e sim de propostas, de políticas públicas mesmo. Se não há quadros para desenvolver estratégias, corre-se atrás do próprio rabo.

Por exemplo, sobre o marco civil da internet: acho que temos que fortalecer a ação de comunicação, do ponto de vista da condução de políticas, para dentro e fora da Fiocruz. Precisamos ter quadros de direção que trabalhem com isso no plano do Conselho Nacional de Saúde, com a elaboração de diretrizes. Quadros que finquem bandeiras em propostas e estratégias. Nessa área, ainda estamos muito tímidos.

Inova Icict – Quais são os principais desafios de seu novo mandato?

Primeiro é formar quadros, integrar mais pessoas. Há uma questão biofísica. As pessoas que estão hoje no primeiro escalão [do Icict] estão velhas, daqui a pouco vão sair. Precisamos criar condição para que os mais jovens se apropriem das habilidades já existentes e continuem os processos.

A gestão precisa se apropriar mais da tecnologia. Ela precisa ser mais ágil, transparente e eficaz. Ainda estamos devendo isso. Os processos são morosos, demoram. E isso nem sempre é culpa de nossa gestão, e sim da máquina. Mas precisamos melhorar. Há ainda as dificuldades da legislação: não podemos ultrapassar as regras.

Inova Icict – Com relação a produtos e projetos, quais as suas metas?

Alguns projetos grandes já existem, mas precisam crescer em escopo. Um deles é o Registro Brasileiro de Ensaios Clínicos [Rebec], que estamos renovando com o Fundo Nacional de Saúde. É o único registro de ensaios clínicos que existe no Brasil. Serve de fonte de consulta e análise para quem trabalha nesse campo, e acho que vai ganhar cada vez mais reconhecimento, espaço.

Há também o nosso trabalho sobre o crack. Além da pesquisa sobre os usuários [projeto desenvolvido sob a coordenação de Francisco Inácio Bastos], há o desenvolvimento de um produto para formação de assistência psicossocial. É um projeto muito grande, que envolve os 27 estados brasileiros e deve atingir cerca de 250 mil agentes e técnicos de saúde. É uma parceria entre o Ministério, secretarias de saúde e instituições, mas o Icict faz a coordenação, ao lado do Grupo Hospitalar Conceição, do Rio Grande do Sul. Esse produto certamente vai mobilizar diferentes áreas do Icict.

Outro grande projeto é o Proqualis, que agora é uma política oficial do Ministério da Saúde.

E um trabalho que terá repercussão importante em breve é o Observatório Saúde na Mídia, um projeto extremamente ambicioso. Ele vai permitir que o gestor da saúde conheça como determinados assuntos estão sendo tratados na mídia, e o porquê.  Vai trabalhar com várias categorias, é muito complexo. E envolve um método próprio: não é um clipping, e sim um trabalho de análise de discurso.

Do ponto de vista da gestão, criei uma Câmara Técnica de Pesquisa composta pelo Vice de Pesquisa, pelos chefes dos laboratórios e representantes de todos os serviços. Essa câmara terá que ter agenda anual, pauta, reuniões periódicas, para que possa fomentar a integração entre as áreas. Seu objetivo é integrar e alavancar projetos. Eu só acredito em integração em cima de produtos.

Outra câmara que criada é a de TI [Tecnologia de Informação] TI é o nosso muro das lamentações: todo mundo reclama. Também criei câmaras de gestão e de informação e comunicação. Teremos que dar conta dessas reuniões todas [risos].

Inova Icict – Nos quatro anos de seu mandato anterior, quais foram as principais conquistas do Icict? O que mais te orgulha?

A primeira coisa é o ensino. É algo que vem do passado, mas foi formalizado no começo da minha gestão. O mestrado e o doutorado foram reconhecidos, e a primeira turma de doutores já se formou.

Um gargalo era a questão das bibliotecas. Cada uma delas operava com um sistema de informação diferente. Os sistemas não falavam entre si, e os técnicos não conseguiam um acordo para decidir qual deveria ser usado. Agora chegamos a um consenso, e vamos começar a implantar a nova ferramenta.

Outra conquista foi o fortalecimento do escritório de periódicos, que faz a gestão de acervos, um dos maiores gastos da unidade. Mas precisamos avançar mais, precisamos de mais gente.

Conseguimos também formatar melhor a assessoria de pesquisa. É outra área que precisa ser fortalecida. Implantamos o centro de estudos, e conseguimos manter a periodicidade de nossa revista cientifica [Reciis]. Nossa meta agora é qualificá-la para entrar na base Scielo. Também estruturamos devidamente a assessoria de comunicação e lançamos o repositório institucional. Com a Ascom, avançamos bastante na comunicação institucional. Transformamos a revista da unidade, que agora se chama Inova Icict, numa publicação mais jornalística e com periodicidade regular (semestral), um boletim eletrônico, lançamos um novo site para a unidade e estamos muito ativos nas redes sociais, a partir do desenvolvimento de um projeto de pesquisa fomentado pelo nosso Programa de Incentivo à Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico (PIPDT). Aumentamos e qualificamos bastante a nossa presença na mídia, com um trabalho de assessoria de imprensa bem intenso.

Algo que não conseguimos fazer e que é um calo em nossos pés é a questão do espaço físico. Minha meta é ao menos inserir no Plano Diretor da Fiocruz o projeto da sede. A ideia é que esse novo edifício abrigue todo o polo tecnológico da unidade, mais uma área de auditório. Durante a campanha, surgiu um pleito da gestão acadêmica de que o ensino do Icict saísse do campus Expansão. Então podemos incluir nesse novo edifício um andar para o ensino. 

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