Mães que trabalham fora e a amamentação

por
Raíza Tourinho
,
03/08/2015

A advogada Fernanda Caravina quase desistiu de amamentar o pequeno Álvaro, hoje com 1 ano e 1 mês, quando ele tinha quatro meses. Um pouco depois das mamadas, ela começou a ter fortes dores nos seios e teve que ir a mais de um médico para descobrir que tinha Síndrome de Raynaud, uma condição causada por vasoconstrição dos mamilos, devido a exposição ao frio, compressão anormal ou trauma do mamilo. “O diagnóstico foi difícil. Pensei algumas vezes em parar de amamentar, mas sabia o quanto era importante para o meu bebê e insisti”.

Fernanda conseguiu o que poucas mulheres que trabalham no Brasil têm: ficar um tempinho a mais com seu filho, assegurando a amamentação exclusiva até os seis meses. Foram sete meses, seis da licença-maternidade e mais um de férias, mas nem assim a volta ao batente foi menos dramática. “O retorno ao trabalho foi difícil, quando chegava, ele vinha chorando para o meu colo mamar e eu chorava também”, conta.

Ao contrário do que o imaginário popular pode sugerir, o aleitamento materno não é fácil e nem exatamente instintivo.  Para auxiliar a mãe neste processo, é necessário o apoio de toda sociedade, especialmente se a mulher trabalha: uma pesquisa do Ministério da Saúde mostrou que 34% das mães de bebês com menos de um ano que trabalham fora deixaram de amamentar seus filhos. O índice cai para 19% entre aquelas que não trabalham fora de casa. É exatamente sobre este desafio que a Semana Mundial de Amamentação (SMAM), que começou no dia 1º e vai até o dia 7, quer chamar a atenção em 2015, com o tema “Amamentação e trabalho: para dar certo é um compromisso de todos”.

Promovido pela Aliança Mundial para Ação em Aleitamento Materno (WABA), a Semana foi criada em 1992 para promover as metas da “Declaração de Innocenti”, documento adotado por diversas organizações em um encontro promovido pela Organização Mundial da Saúde e pela Unicef em 1990. Este ano a SMAM celebra os 25 anos do compromisso e o tema, que já foi abordado na segunda edição em 1993, traz justamente o objetivo operacional que se demonstrou o mais desafiador: adotar legislação que proteja a mulher que amamenta no trabalho.

Além desta, a “Declaração de Innocenti” apesentou outras três metas: estabelecer um comitê nacional de coordenação da amamentação; implementar os "10 passos para o sucesso da amamentação" em todas as maternidades; e implementar o Código Internacional de Comercialização dos Substitutos do Leite Materno.

O aleitamento exclusivo

O leite humano é considerado a melhor fonte de nutrição para as crianças até dois anos, justamente por ser feito sob medida para as necessidades dos seres humanos nessa fase da vida.  Assim, é um alimento completo, que contém um equilíbrio de gorduras, carboidratos e proteínas na medida exata para prover o crescimento e a imunidade dos bebês, além de combater as infecções infantis, desenvolver o cérebro e aumentar a resistência a doenças crônicas como asma, alergias e diabetes.

Existem evidências de que até pode aumentar a inteligência e reduzir as chances do desenvolvimento de cânceres na mãe e no bebê, além de contribuir para o fortalecimento do vínculo entre mãe e bebê. O aleitamento materno é considerado a estratégia mais efetiva com foco na criança de combate à morbimortalidade infantil, visto que estudos indicam que o leite humano é capaz de reduzir em até 13% as mortes evitáveis de crianças até os cinco anos de vida.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que a mãe amamente o filho durante a primeira hora de vida, ainda na sala de parto, até os seis meses exclusivamente, e até os dois anos ou mais, com alimentação complementar.

Sendo assim, os benefícios do aleitamento materno superam o âmbito familiar e alcançam o mercado de trabalho: com um bebê mais saudável, a mãe falta menos ao trabalho e se torna mais produtiva.

Apoio à mulher que trabalha

No Brasil, a licença-maternidade é obrigatória por quatro meses, podendo ser ampliada até seis meses, caso a empresa participe do Programa Empresa Cidadã. As empresas que aderirem ao Programa podem abater do imposto de renda integralmente o total da remuneração paga à funcionária nos dois meses adicionais. Contudo, segundo dados de 2012 da Receita Federal, menos de 10% das empresas brasileiras são signatárias do Programa.

Outras iniciativas vigoram no País para estimular o aleitamento. Criado em 2011 pelo Ministério da Saúde, o Programa Mulheres Trabalhadoras que Amamentam conta atualmente com 120 empresas brasileiras. Para participar, a empresa deve assegurar a licença maternidade de seis meses, creche no local de trabalho ou auxílio-creche, e a instalação de sala de apoio à amamentação.

As salas de apoio à amamentação são espaços, dentro da empresa, nos quais a mulher pode ordenhar as mamas, armazenando seu leite em frascos previamente esterilizados para, em outro momento, oferecê-lo ao seu filho. Estes espaços devem ter um freezer para que o leite seja armazenado, em recipientes etiquetados com nome da mãe, data e hora da coleta, e mantido em uma temperatura controlada. Ao final do expediente, a mulher pode levar seu leite para dar a seu bebê em casa ou pode doá-lo a um Banco de Leite Humano.

Fernanda trabalha em uma empresa estatal e além do benefício de seis meses pode contar com o apoio da Sala de Amamentação. “Foi muito bom contar com esse espaço, com todos os recursos necessários para fazer a ordenha. No entanto, meu bebê não aceitou o leite em copos ou mamadeira. Mesmo assim, continuei a retirar o leite e quando a produção se regularizou, já não foi mais necessário ordenhar”.

Mesmo em companhias que não possuam Sala de Amamentação, a mãe tem direito a pausas para ordenhar o leite ou amamentar o filho. A Consolidação das Leis Trabalhistas (artigo 396) prevê duas pausas de meia hora, na jornada de trabalho diária, para que a mulher amamente ou retire leite para seu filho. Esse período pode ser combinado com a chefia para que a mãe sai mais cedo ou chegue mais tarde ao trabalho, inclusive acumulando as pausas para tirar uma hora por dia.

Políticas públicas

Estas iniciativas fazem parte de uma série de ações que vêm sendo implementadas desde a década de 80, contidas na Política Nacional de Aleitamento Materno.  Para estimular a amamentação podemos destacar ainda outras iniciativas:  como a Iniciativa Hospital Amigo da Criança (IHAC), o Método Canguru e a Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano (rBLH-BR/Fiocruz).

O objetivo da IHAC é criar e manter um ambiente de promoção, proteção e apoio ao aleitamento materno. Os Hospitais que adotam a IHAC precisam cumprir os Dez Passos Para o Sucesso da Amamentação, que incluem a capacitação de toda a equipe que presta atendimento integral às mães durante e após o parto. Uma pesquisa realizada pelo Ministério da Saúde em 2008, mostram que o índice de bebês que mamaram na primeira hora de vida foi de 71,9%, nos hospitais Amigo da Criança, enquanto entre as crianças nascidas em outras maternidades a taxa foi de 65,6%. Essa diferença, que o estudo demonstrou que continua ao longo da vida do bebê, representa cerca de 190 mil crianças a mais, beneficiadas a cada ano com essa prática, que além de promover a interação entre mãe e filho, pode reduzir em até 22% o índice de mortalidade neonatal. Atualmente o Brasil conta com 335 hospitais Amigo da Criança.

Já as mulheres que tiverem dificuldades para amamentar podem procurar um Banco de Leite Humano (BLHs) mais próximo de sua residência. Além de coletar e distribuir leite humano a bebês prematuros e de baixo, os BLHs realizam atendimento de orientação e apoio, individuais, domiciliares ou em grupo, a mães que queiram aprender a amamentar, ordenhar, posicionar, produzir mais leite, relactar, entre outros. Além disso, centro de referência nacional, situado Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) mantém um serviço gratuito de atendimento e orientação para as mães (SOS Amamentação 08000-268877). A rede conta atualmente com 217 BLHs por todo o Brasil, e já realizou este ano, somente até julho, mais de 1 milhão de atendimentos a mães. 

A Rede Brasileira de Bancos de Leite Humano foi criada em 1998, por iniciativa do Ministério da Saúde e da Fundação Oswaldo Cruz, com a missão de promover, proteger e apoiar o aleitamento materno, coletar e distribuir leite humano com qualidade certificada e contribuir para a diminuição da mortalidade infantil. 

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Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
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