Um manuscrito de 1703 pertencente ao acervo da Seção de Obras Raras A. Overmeer da Biblioteca de Manguinhos, atribuído supostamente aos jesuítas, pode ser um indício de que a prática médica no Brasil colonial exercida pelos padres da Companhia de Jesus já adotava métodos considerados mundializados. Esse foi o mote da palestra da historiadora Heloisa Meireles Gesteira, pesquisadora titular do Museu de Astronomia e Ciências Afins, professora do programa de Pós-graduação em História da Unirio e professora adjunta da PUC-Rio.
Intitulada “Práticas médicas e circulação de saberes na América portuguesa: reflexões sobre um caderno de receitas atribuído aos jesuítas”, a palestra abriu uma tarde de atividades em comemoração aos 114 anos da Biblioteca de Manguinhos, que pela primeira vez realizou em evento celebrando a centenária biblioteca, fundada por Oswaldo Cruz no início das atividades do então Instituto Soroterápico Federal de Manguinhos, em 1900.
A historiadora analisou o documento, um manuscrito contendo receitas para tratamento de doenças atribuído aos jesuítas e encontrado em uma arca da Igreja de São Francisco de Curitiba, e constatou que as práticas médicas dos padres jesuítas eram exercidas em ambiente de circulação de homens, ideias e mercadorias não somente no Brasil. Segundo a pesquisadora, os cadernos de receituários médicos dos padres da Companhia de Jesus, que atuou no Brasil de 1549 a 1759 em missões, aldeias, fazendas e colégios, revelam que os produtos utilizados por eles para o tratamento das mais variadas enfermidades vinham de diversas partes do mundo de então, e práticas semelhantes eram exercidas na Europa, por exemplo.
“Não eram somente ervas locais. Além da prática médica, o exercício médico mostra conhecimento sobre a natureza americana. Em todos os colégios, fazendas e aldeias haviam boticas, que não podem ser consideradas apenas espaços de venda de remédios, praticada por eles, mas também de manipulação de receitas”, explicou Heloísa.
Após a palestra da historiadora, o pesquisador e diretor da Casa de Oswaldo Cruz, Paulo Roberto Elian dos Santos, apresentou o livro Vida, engenho e arte: o acervo histórico da Fiocruz. A obra, lançada em junho deste ano, revela o diversificado acervo de imagens históricas sobre a trajetória da Fundação, desde a chegada do médico sanitarista Oswaldo Cruz ao então Instituto Soroterápico Federal de Manguinhos, no início do século 20, até os dias atuais.
A apresentação do livro foi seguida de palestra da ex-chefe da Biblioteca de Manguinhos e grande homenageada da tarde, Lucília Friedmann, hoje aposentada. Com mais de 20 anos de atuação na biblioteca, Lucilia emocionou a plateia ao rememorar sua trajetória profissional, que se confunde com a própria história da biblioteca, e chegou a brincar com ex-alunos que assistiam a sua apresentação, como o diretor de Bio-Manguinhos, Arthur Couto, e Paulo Elian. Abriram o evento o atual chefe da Biblioteca de Manguinhos, Paulo Garrido, e o diretor do Icict, Umberto Trigueiros.