Abrascão 2018 demarca aproximação dos campos da Educação Física e da Saúde Coletiva

por
Glauber Tiburtino (PPGICS/Icict) em colaboração para o Abrascão 2018*
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29/07/2018

Uma das 136 mesas-redondas do 12º Congresso Brasileiro de Saúde Coletiva – Abrascão 2018 – teve um importante valor simbólico, destacado pelo mediador Inácio Crochemore, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Atividade Física (SBAFS): “Gostaria de iniciar a atividade destacando a importância de debatermos esse tema em um Congresso da Abrasco, que marca a aproximação dos campos da Educação Física com a Saúde Coletiva”, ressaltou o epidemiologista na abertura dos trabalhos da mesa-redonda”Promoção da atividade física no contexto do Sistema Único de Saúde: evidências, desafios e potencialidades”, realizada em 27 de julho, no segundo dia do evento que acontece no campus Manguinhos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Além dos aspectos enunciados no título, a mesa-redonda trouxe uma perspectiva contra-hegemônica sobre a relação entre atividade física e saúde. Os três debatedores demonstraram que a adoção efetiva de novos hábitos vai além de meros desejos individuais e apontaram ineficiências na produção discursiva da ciência e das campanhas de saúde, além de provocarem reflexões sobre responsabilidades e carências do poder público.

A análise do discurso científico sobre prática da atividade física ligada à saúde foi realizada por Alan Goularte, pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande (FURG). Estudos apresentados por ele apontam que tais narrativas evidenciam as dimensões de risco, medo, prevenção da mortalidade e relação com o bem-estar. No entanto, ainda são carregados de uma abordagem da atividade física voltada para a lógica epidemiológica, especialmente das doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs). Segundo ele, “a ciência se vale do discurso da promoção da saúde, mas segue agindo na lógica da prevenção de doenças”.

Para Goularte, outro equívoco ocorre com a responsabilização do indivíduo na busca pelo hábito de vida ativa, atribuição que carrega um fardo moral implicado nessa suposta escolha. “Os dados demostram que essa estratégia afasta as pessoas e, portanto, não tem sido eficiente”, correlacionando como os determinantes econômicos e políticos envolvidos nessa decisão extrapolam as vontades individuais.

Embora reconheça o incentivo às práticas corporais e atividades físicas por meio de políticas públicas implantadas especialmente a partir de 2008, com a criação do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF), Goularte apresentou dados que indicam a utilização de serviços de Educação Física considerada como lazer e privilégio por ser essencialmente promovida pela rede privada. O debatedor destacou que a cobertura das políticas públicas alcança apenas cerca de 2% dos praticantes, reforçando a controvérsia em relação à vontade do indivíduo como fator determinante para mudança de comportamento.

Formação profissional privilegia aspectos biológicos aos sociais: Na mesma linha, Mathias Roberto Loch, pesquisador da Universidade Estadual de Londrina (UEL-PR), ratificou que “o discurso sobre as atividades físicas devem ir além das doenças crônicas”, ressaltando que essa narrativa descontextualizada culpabiliza as pessoas. Loch trouxe ainda uma importante reflexão sobre a formação dos profissionais de Educação Física, que valoriza aspectos biológicos em detrimentos aos sociais. “Um estudante de Educação Física gosta de dizer que estuda anatomia para conferir legitimidade à sua formação, mas não faz o mesmo com a sociologia, por exemplo, porque entende esse conhecimento como menos importante”. Para ele, essa cultura acaba fortalecendo o discurso hegemônico e deve ser revista.

Loch, entretanto, reconheceu que o problema emerge não apenas na formação. “Devemos entender o porquê das pessoas não praticarem atividades físicas e, para isso, é importante a aproximação com os grandes temas” –disse ele em alusão aos determinantes sociais da saúde, concluindo também ser necessário reconhecer que o comportamento humano depende menos da razão do que imaginamos. “Precisamos superar o olhar moralista”.

Fechando a mesa, Paulo Henrique Guerra, diretor científico da SBAFS, elencou algumas potencialidades da Educação Física com base nas políticas públicas vigentes pelo SUS, como o próprio NASF e o Programa Academia da Saúde (PAS), criado em 2011. Guerra traçou o perfil dos usuários dessas iniciativas basicamente como mulheres adultas e idosas e pessoas com alguma patologia, em especial DCNTs. A exemplo dos demais expositores, o pesquisador abordou também fragilidades na formação acadêmica do campo e na atuação profissional, defendendo uma abordagem mais integrada com demais profissionais da saúde, como agentes comunitários de saúde e enfermeiros.

O diretor científico da SBAFS sugeriu também a aproximação com as escolas e finalizou sua fala dando ênfase ao modelo dialógico como uma das chaves para que a atividade física possa de fato gerar mais benefícios e contribuições diretas aos indicadores de Saúde Coletiva: “Precisamos ouvir as pessoas e aprender sempre”, concluiu Guerra, reafirmando o que a própria realização da mesa representou as potencialidades dessa interface.

*Glauber Tiburtino (PPGICS/ICICT/Fiocruz) e está no projeto de cobertura colaborativa para o Abrascão 2018 | Edição: Bruno Dias (Abrasco)
 

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