Sinitox lança lista atualizada de polos de soro no Brasil

por
Graça Portela
,
06/12/2018

Em junho de 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS) incluiu o envenenamento por mordida de cobra em sua lista de doenças negligenciadas - o motivo: o aumento de acidentes com serpentes, com mortes, e o fato de cada vez menos empresas farmacêuticas produzirem o soro antiofídico, gerando escassez do medicamento. No mundo, ocorrem cerca de 79 mil mortes causadas por veneno de cobra, conforme dados de 2016 da OMS. O número de vítimas, em sua grande maioria de países tropicais ou subtropicais, também chama a atenção, são 400 mil pessoas vítimas de problemas de amputações ou perda de visão, por exemplo. Segundo o jornal El País, “muitas das centenas de milhares de vítimas de picadas (de cobra) sofrem um estresse pós-traumático, semelhante ao das vítimas de acidentes de trânsito”.

No caso do Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Tóxico-Farmacológicas – Sinitox, só em 2016, foram 3.322 casos, sendo que a partir da faixa etária dos 20 anos até os 49 anos, a média é de 519,75 ocorrências, com a maioria dos casos sendo por mordidas de cobras como a coral verdadeira, a cascavel, a surucucu pico-de-jaca e a jaracaca. 

O tratamento, por meio do soro antiofídico, disponível na rede do SUS, é encontrado nos polos de soro para atendimento de acidentes com cobra no Brasil. 

Polos de soro

Pensando nesta emergência, o Sinitox disponibilizou em seu site a versão atualizada da lista dos cerca de dois mil polos de soro para atendimento de acidentes ofícidicos no Brasil - "Lista dos Polos de Soro para Atendimento de Acidentes Ofídicos no Brasil". Segundo Rosany Bochner, coordenadora do Sinitox, “a atualização da lista trata-se de um trabalho que demandou tempo e energia, pois nem sempre os estados puderam enviar a sua relação de polos”, explica. Para ela, “apesar da importância da informação veiculada no site do Sinitox, é necessário que os estados mantenham essas informações atualizadas. Afinal, isto pode salvar vidas”, explica. 

O documento surgiu a partir da pesquisa feita por Nathalie Citeli para sua dissertação de mestrado do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS), do Icict, intitulada ‘Modelagem da Distribuição Potencial de Lachesis Muta (LINNAEUS, 1766) (Serpentes: Viperidae) e a Distribuição do Soro Antilaquético no Brasil’, que buscou identificar a distribuição geográfica potencial da surucucu pico-de-jaca (Lachesis muta) e “contribuir para as estratégias de produção e distribuição do Soro Antibotrópico (pentavalente) e Antilaquético no Brasil – SABL”. A dissertação foi orientada pela Rosany Bochner e co-orientada por Mônica de Avelar Magalhães, pesquisadora do Núcleo de Geoprocessamento em Saúde, do Laboratório de Informação em Saúde (LIS), do Icict.

“A relevância desse estudo está voltada para a otimização do atendimento dos acidentes por essa serpente, a surucucu”, afirma Bochner. Ela chama a atenção de que Citeli, em sua pesquisa, conseguiu “trabalhar com um problema de saúde – acidentes ofídicos, considerado negligenciado no Brasil e no mundo; concentrar em uma determinada espécie de serpente, a Lachesis muta (surucucu) e realizar um mapeamento dos polos de aplicação do soro antiofídico em atividade no Brasil”, explica a oordenadora do Sinitox. 

Lachesis muta

A surucucu pico-de-jaca se concentra mais na região norte do país. “Pela similaridade do quadro clínico entre essa serpente e as do gênero Bothrops (jararacas), é importante atentar para a distribuição nessas regiões do soro bivalente, anti-botrópico-laquético”, fala a coordenadora do Sinitox.

A escolha da Lachesis muta, ou surucucu, não foi por acaso. Segundo, Nathalie Citeli esta cobra é a maior serpente peçonhenta das Américas e “com potencial de causar envenenamentos majoritariamente graves, levando a sequelas e até mesmo óbito. É, sem dúvida, a espécie brasileira de manutenção em cativeiro mais delicada. Isso é refletido na dificuldade que as instituições produtoras de soro passam para manter esses animais em planteis, e por consequência, produzir o soro. Estudar essa espécie é poder auxiliar na distribuição do soro e no tratamento eficaz dos acidentes.”, explica Citeli. 

Risco na região norte

Em uma entrevista ao site do Icict, a aluna do PPGICS falou um pouco mais sobre a sua dissertação.

Cruzando os locais onde há maior incidência de cobras surucucu e a localização de postos com soro antilaquético, o que o seu estudo demonstrou? 

Identificamos que aproximadamente 15% dos municípios que apresentaram adequabilidade para ocorrência da espécie não possuem polos de soro. Isso é preocupante, pois em caso de acidentes a pessoa atingida precisará se deslocar para outro município. Sabe-se que o tempo entre a picada e o atendimento é crucial para uma boa recuperação. Sugerimos que outros estudos com animais de importância médica sejam desenvolvidos para embasar a localização dos polos, e futuramente, a escolha desses locais seja reavaliada. 

Por que você decidiu criar uma modelagem da distribuição potencial da surucucu?

Como mencionado acima, entender a distribuição da espécie e prever áreas potenciais de ocorrência do animal nos ajuda na orientação de locais estratégicos para receber o soro. A partir dos modelos, indicamos os municípios prioritários, não só para recebimento de antiveneno, como também para esforços em educação ambiental e educação em saúde. 

Que dados você destacaria com a criação desta modelagem? Há incidências em que cidades e regiões?

A parte mais importante do Brasil para receber o soro antibotrópico (pentavalente) e antilaquético (SABL) é a região norte. Nossos resultados incluem maiores incidências de acidentes por surucucu e maiores suportes climáticos. Os cinco municípios com os maiores valores de adequabilidade para ocorrência da espécie (por ordem de classificação) foram: Eirunepé, no Amazonas; Mâncio Lima, no Acre; Ipixuna; Envira e Guajará (ambos no Amazonas).

A identificação das regiões prioritárias para receber o SABL é a mais importante. Levar em conta a distribuição do animal com base em registros de coleções científicas é a forma mais segura de pensar como o soro deve ser disponibilizado pelo país. Fizemos isso de forma criteriosa, com base em visitas que fiz em acervos e revisões da literatura. A utilização de modelos pode ser muito útil para esse tipo de planejamento. Esperamos encorajar novas pesquisas nesse âmbito.   

Quando a sua dissertação estará disponível para o acesso aberto?
Em breve, estamos terminando de escrever o artigo científico que irá tratar da Lachesis, incluindo acidentes e polos de soro. A publicação da lista de polos é apenas uma parte do trabalho, que irá se transformar em um mapa interativo no site do Sinitox.

No site do Sinitox

O documento "Lista dos Polos de Soro para Atendimento de Acidentes Ofídicos no Brasil" pode ser acessado por aqui ou clicando na imagem abaixo.

Créditos

Gráfico Sinitox: Coleta e formatação de dados – Erick Penedo (Sinitox/Fiocruz) | Edição e montagem do vídeo: Graça Portela (Ascom/Icict/Focruz)

Box “O que são acidentes ofídicos? / O quê cada uma dessas espécies pode causar?”: Saúde de A a Z – Ministério da Saúde

Gráfico Sinitox: Erick Penedo (Sinitox/Fiocruz) – coleta de dados | Edição e montagem do vídeo: Graça Portela (Ascom/Icict/Focruz)

Foto cobra surucucu pico-de-jaca: Galeria de fotos do Instituto Vital Brazil/Governo do Estado do Rio de Janeiro

Capa do documento “Polo de Soros para acidentes ofídicos”: Sinitox/Fiocruz
 

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Para saber mais

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

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