conteúdo principal

Conjuntura política e as políticas de saúde são tema de aula aberta

Compartilhar:
X
Por
Raíza Tourinho
Publicado em - Atualizado em

A aula inaugural da disciplina “Política e Políticas de Saúde”, ministrada no Programa de Pós-Graduação em Informação, Comunicação e Saúde (PPGICS) pelo professor José Carvalho de Noronha, ocorreu nesta terça-feira, 6 de setembro, no Salão de Leitura da Biblioteca de Manguinhos. A aula, aberta ao público, contou com a presença da diretora do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), Lucia Souto, coordenadora geral da Associação Latino-americana de Medicina Social (Alames), Ana Maria Costa e a ex-presidente do Conselho Nacional de Saúde (CNS) Maria do Socorro de Souza. O professor José Noronha mediou o debate, que discutiu a conjuntura atual, lembrou a Reforma Sanitária Brasileira, analisou a necessidade de reformas estruturais e as perspectivas futuras.

O evento foi aberto pelo diretor do Icict, Umberto Trigueiros, que afirmou que o Sistema Único de Saúde (SUS) nascido da Reforma Sanitária brasileira foi o “SUS possível”, diante da correlação de forças que se apresentou na Constituinte em 1988. “Não era [a legislação] almejada, mas foi a possível – e mesmo essa vem sofrendo ataques”, disse o diretor, que destacou a contribuição que os integrantes da mesa deram para a implantação do Sistema.

Política

A historiadora e filósofa Maria do Socorro de Souza iniciou sua fala destacando que “discutir política e discutir saúde é discutir democracia”. De acordo com ela, o ideal é que a política de saúde seja vislumbrada como política social. “[Esta] tanto pode estar voltada para a garantia de direitos e o estado de bem-estar social, quanto para o estabelecimento da ordem ou assistencialismo. Temos que estar o tempo inteiro reafirmando a política de saúde como política de transformação da sociedade”, declarou. Souza questionou ainda se a reforma sanitária “de fato se concretizou”:  “Estamos o tempo inteiro ressignificando a reforma sanitária. Os sentidos ainda estão em disputa”.

A coordenadora da Alames, Ana Maria Costa, fez uma análise da conjuntura política atual. Segundo ela, a democracia pode ser vista “como método e utopia”: “É um método aplicável a qualquer modelo, menos nos sistemas autoritários. No caso da Latinoamerica, essas democracias são instáveis, regidas por disputas de interesses – que se traduz ou em um projeto de país, para satisfazer as necessidades da maioria, ou no acúmulo de riqueza de uma pequena parte da sociedade. Se queremos que essas ações pendam para ações populares, temos que reforçar a ação popular, o que não é fácil”, sintetizou.

Para ela, isso decorre de uma série de fatores: o presidencialismo de coalização, a fragmentação partidária, a desassociação entre partidos e projetos políticos e, por fim, a própria base cultural brasileira excludente, herdada da origem escravocrata. Costa coordena o eixo “Acompanhamento de Iniciativas do Poder Legislativo Federal em Saúde”, no Observatório de Análise Política em Saúde, e traçou um cenário pessimista em relação às políticas de saúde nesta esfera: “O que temos encontrado no Congresso Nacional vai nos colocar em uma situação terrível”.

Saúde

A diretora do Cebes, Lúcia Souto, afirmou que a Reforma Sanitária trouxe à tona uma dimensão civilizatória ao falar do Direito à Saúde. “A tendência predominante era a focalização de políticas públicas, não o direito universal à saúde”, rememorou, indicando que o consenso foi construído na 8ª Conferência Nacional de Saúde, um ambiente público de construção coletiva – simbolizado pelos quase cinco mil delegados que representaram a pluralidade e diversidade. “Aquela polifonia foi capaz de construir um projeto que se transformou no capítulo 196 da Constituição Brasileira”. Além da universalidade, um dos aspectos marcantes consolidados na conferência foi a noção da determinação social do processo saúde-doença, que se relaciona “com todos os direitos de cidadania que se constroem em uma sociedade”.

Ao responder um dos questionamentos da plateia, Ana Maria Costa, declarou que os planos de saúde ainda são objeto de consumo das classes mais pobres “porque o SUS ainda não satisfaz”: “Colocamos o SUS como conquista popular, mas as pessoas ainda não se apoderaram dele enquanto conquista”. Costa avaliou que a divergência pode ser vislumbrada até mesmo nas conferências de saúde. Em um estudo sobre os relatórios das conferências municipais e os planos municipais de saúde, a pesquisadora percebeu um descompasso entre os dois. “A conferência deveria dar as diretrizes, mas os relatórios ficam engavetados. Ainda há uma pauta longa para fazer valer os instrumentos da gestão participativa”.

Já Lúcia Souto lembrou que, no Brasil, mais da metade dos recursos para a saúde vão para os planos privados, que atende apenas 25% da população. “Isso é revelador do que é conflito distributivo.  E o financiamento [do SUS] vai ser mais grotesco no contexto que estamos vivendo. Um dos grandes enfrentamentos é mostrar que o povo brasileiro é a solução”.