Durante a COP30, Fiocruz instala estação meteorológica e lança três novas ferramentas que atuam no monitoramento da qualidade do ar, na resposta do SUS a eventos extremos e na avaliação dos impactos do calor
A Fiocruz instalou, em Belém (Pará), uma estação de referência para acompanhar, em tempo real, a qualidade do ar e as condições meteorológicas até o final de novembro, período em que ocorre a 30ª Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP30). A estação é uma demonstração do projeto Fioares, uma plataforma que produzirá dados a partir do que é coletado nas instalações de estações, auxiliando a vigilância em saúde na Amazônia. O Fioares está sendo desenvolvido em parceria com o Ministério do Meio Ambiente (MMA).
Somados à instalação, a Fiocruz também apresenta, durante a Conferência, três protótipos de novas ferramentas que podem auxiliar no enfrentamento dos efeitos das mudanças climáticas na saúde. Trata-se das ferramentas MonitorAr Saúde e FluxSUS e de um sistema que faz parte do projeto Harmonize, criado em conjunto com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, que gerou a elaboração colaborativa do chamado Índice de Quentura.
Conduzido por pesquisadores do Observatório de Clima e Saúde, do Icict/Fiocruz, o projeto Fioares foi criado devido à intensificação das queimadas na Amazônia, associada às mudanças climáticas, ao aumento de eventos extremos e à falta de dados qualificados para a vigilância. “Vamos gerar dados inéditos de monitoramento na Amazônia, com medições em tempo real que permitirão avaliar com mais precisão a poluição atmosférica na região”, explica a pesquisadora da Fiocruz Piauí e integrante do Observatório, Beatriz Oliveira.
O projeto prevê a criação de cinco estações de referência permanentes na região, dedicadas ao monitoramento do material particulado — um dos principais riscos ambientais à saúde pública. Atualmente, a região amazônica conta apenas com estações indicativas, que não oferecem dados de referência.
Com relação às novas ferramentas, os pesquisadores do Observatório apontam que as análises geradas podem servir como suporte para a tomada de decisão de gestores e profissionais de saúde durante o planejamento de ações preventivas para o território nacional. Ainda em fase de protótipo e aguardando financiamento para validação, as ferramentas já estão disponíveis para acesso e utilização.
“Nosso objetivo é que essas ferramentas se tornem parte do cotidiano da gestão nos municípios e estados, fortalecendo a capacidade do [Sistema Único de Saúde] SUS de responder aos desafios climáticos que já fazem parte da nossa realidade”, afirma uma das coordenadoras do Observatório de Clima e Saúde, Renata Gracie. “Essas ferramentas refletem o compromisso da Fiocruz e do Observatório em oferecer respostas concretas aos desafios que as mudanças climáticas impõem à saúde. Elas mostram como a integração entre ciência, tecnologia, gestão e sociedade civil pode fortalecer as ações de enfrentamento aos eventos que já afetam o cotidiano da população, além de dialogar diretamente com os temas em discussão na COP30”.
A expectativa é que, nos próximos meses, novas contribuições aprimorem dados e funcionalidades. O MonitorAR Saúde, por exemplo, deve passar a integrar dados de saúde e validar suas previsões a partir de dados de estações meteorológicas em diferentes regiões do país, oferecendo alertas mais precisos e aumentando a confiabilidade dos resultados.
As novas aplicações também serão oferecidas aos países com os quais o Observatório mantém colaboração, como o Chile, o Uruguai e a Argentina, fortalecendo a cooperação científica entre os países sul-americanos. Recentemente, o Observatório foi reconhecido como modelo pela Rede Pasteur para o desenvolvimento de geotecnologias e outros produtos digitais.
MonitorAR Saúde
Uma das novidades é o MonitorAR Saúde, ferramenta que apresenta previsões para a poluição atmosférica pelo país. O sistema permite estimar, com até 120 horas de antecedência, a situação atual e o deslocamento dos poluentes atmosféricos entre diferentes localidades. Com informações de municípios de todo o Brasil, o painel oferece mapas, gráficos e análises da dinâmica da qualidade do ar, permitindo que gestores monitorem a situação para tomada de decisão. O sistema é atualizado diariamente pela Fiocruz e os dados utilizados nas previsões são abertos.
“O gestor pode acessar o município e observar também o entorno, já que o vento pode deslocar partículas de regiões distantes, às vezes até de outros estados ou países, o que tem sido comum com as queimadas na Amazônia. Essa informação antecipada pode orientar medidas preventivas e reduzir impactos na saúde da população”, explica um dos desenvolvedores do sistema, Raphael Saldanha.
Ainda em versão protótipo, o painel deve ganhar novas funcionalidades, como uma aba de alertas e previsões dos impactos da qualidade do ar na saúde da população. Uma das propostas é criar classificações que indiquem os municípios em situação mais crítica em relação à qualidade do ar. Para isso, os desenvolvedores querem contar com a participação dos próprios usuários. “A gente quer, dialogando com as secretarias e com os gestores, melhorar essa aba, para que esse começo seja mais útil para eles, servindo como um sistema de alerta precoce da poluição atmosférica”, destaca Saldanha.
FluxSUS
Outro destaque é o FluxSUS, desenvolvido para analisar como a rede de saúde se comporta durante e após desastres climáticos. A ferramenta mapeia fluxos de atendimento, deslocamento de pacientes e mudanças na capacidade dos serviços, permitindo identificar dificuldades, além de propor estratégias de fortalecimento da infraestrutura existente.
Com base em metodologias de mineração de dados, o sistema consegue identificar padrões e anomalias, possibilitando minimizar os impactos que podem acontecer na rede. A expectativa é que o sistema ajude no fortalecimento da vigilância e resposta no SUS, reduzindo desigualdades regionais e populacionais, além de otimizar a logística e recursos durante emergências.
“O FluxSUS ajuda a visualizar como o sistema reage em momentos críticos e o que precisa ser reforçado para garantir assistência e continuidade do cuidado”, explica o coordenador do projeto e integrante da coordenação do Observatório, Diego Xavier.
Aplicação do projeto Harmonize
O terceiro sistema é voltado para a vigilância dos impactos do calor na Amazônia e no semiárido paraibano onde acontece o projeto Harmonize, um consórcio internacional que inclui a Fiocruz, o Inpe, o Supercomputador de Barcelona e outras instituições parceiras de Peru, Colômbia e República Dominicana. A iniciativa busca desenvolver uma infraestrutura digital de baixo custo para o monitoramento climático e sanitário em regiões vulneráveis, integrando dados de drones, sensores e imagens de satélite a indicadores socioeconômicos e de saúde. Isso permite mapear riscos, orientar ações preventivas e fortalecer a resiliência das comunidades expostas aos efeitos das mudanças climáticas.
Um dos resultados dessa aplicação é o Índice de Quentura, indicador construído de forma colaborativa com a população das cidades participantes do projeto, que combina temperatura e umidade para estimar o desconforto térmico e riscos à saúde. O termo “quentura”, adotado no nome da aplicação, é uma das expressões utilizadas pela população desses municípios para expressar a sensação térmica percebida além da temperatura.
Com uma interface interativa e simples, que permite explorar a relação entre fatores climáticos e padrões de saúde, a aplicação oferece mapas e gráficos que facilitam a análise, as previsões e a tomada de decisão dos gestores de saúde.
“O objetivo é transformar dados complexos em conhecimento acessível, apoiando ações de vigilância e fortalecimento da resiliência em comunidades ribeirinhas e urbanas vulneráveis”, explica o desenvolvedor do Observatório de Clima e Saúde, Vanderlei Matos, que participa do projeto.
No Brasil, as ações do projeto se concentram em cidades do Semiárido paraibano, como Patos e Mãe d’Água, e em municípios amazônicos do Pará, como Cametá e Mocajuba. O sistema integra dados de saúde hospitalar desses municípios a informações climáticas detalhadas, como temperatura, umidade, precipitação, níveis dos rios, radiação UV e dados de drones.


