Penalização de idosos e questões de gênero marcam o primeiro dia de debates

por
Graça Portela
,
30/04/2018

Ainda no primeiro dia, duas mesas abordaram temas diferentes e complementares. Na primeira, “Políticas Sociais e gestão pública: impactos na saúde e bem-estar da população brasileira”, José Gomes Temporão, ex-ministro da Saúde e ex-presidente da Fiocruz, e que hoje atua no Centro de Estudos Estratégicos da Fundação, falou sobre as “Perspectivas de bem-estar e envelhecimento saudável: SUS ou saúde privada?”.

O ex-minisro da Saúde lembrou os estudos sobre os impactos do envelhecimento populacional na rede de sistemas de saúde: “Eles são bastante claros, predominam as doenças cardiovasculares, cerebrovasculares, o câncer, doenças reumatológicas, fraturas de quadril, deficiências visuais, hipertensão, diabetes tipo 2. Muitos pacientes com co-morbidades e de várias patologias que se superpõem, a demanda desse estrato social se amplia de maneira expressiva, as internações nesta faixa etária são mais frequentes e o tempo maior de ocupação do leito comparado a outras faixas etárias, - ou seja, esse processo se traduz em maior carga de doença para a população, mais incapacidade, aumento do uso dos serviços de saúde – lembrando também a extrema importância em termos de carga de doenças da demência, depressão, do abandono e da solidão, que são fenômenos urbanos, das grandes cidades principalmente”. 

Ele chamou a atenção para o fato de 90% das pessoas que têm o seguro de saúde ou plano de saúde estar relacionado diretamente ao vínculo empregatício. “Ora, nós todos também sabemos que as pessoas vão se aposentar exatamente nessa fase da vida, em torno dos 60/65 anos, a grande maioria da população brasileira pela previdência social pública, e que, portanto, deixarão de ter a proteção do plano privado vinculado a seu emprego. Sintetizando: a grande maioria da população brasileira, em sua aposentadoria vai precisar do Sistema Único de Saúde. Agora, imaginem a população tendo que comprar planos de saúde de baixo custo”. Temporão pediu aos presentes que projetassem esses dados e pensassem como seria um futuro próximo, respondendo em seguida: “Eu diria que será a penalização dos infratores, dos que adoecem, utilizando o conceito de risco individual mensurável. Ou seja, através de informações epidemiológicas, você pode traçar um panorama de risco de cada idoso, o que vai implicar numa definição de valores diferenciados de risco e preços de seguros mais caros para quem é obeso, diabético ou hipertenso, quem apresenta quadros mais ou menos graves.”

A outra palestra foi de Flávia Bueno, pesquisadora do Instituto Suramericano de Gobierno en Salud (ISAGS), da Unasur (União das Nações Sul-Americanas), que falou sobre os “Desafios do envelhecimento populacional para os sistemas de saúde da América do Sul”. Ela trouxe os dados colhidos pelo Isags no estudo realizado em 2017, intitulado “Rumo ao envelhecimento saudável”, que colheu dados de toda a América Latina. Ela ressaltou a rapidez do processo de envelhecimento nos países da América Latina, e que isto tem que ser levando em consideração quando se pensa em políticas de saúde. Ela deu como exemplo o Uruguai, que tem 17% de sua população já como idosos, o Chile que deve dobrar a sua população nesta faixa etária em 25 anos e a Guiana, considerado “um país bastante pobre da nossa região”, que irá triplicar a sua população de idosos no mesmo período.

Ao se referir à América do Sul, a pesquisadora ressaltou que em “100 anos, iremos multiplicar por 20 vezes o número de idosos absolutos, o que a França, por exemplo, fez em 115 anos. Temos que ter em mente que não é uma adaptação tão rápida (para os sistemas de saúde e de seguridade social), apesar de o processo estar acontecendo de forma muito, muito rápida em nossos países.”  

Personas & gênero

Na parte da tarde, foi a vez Verónica Oca, da Universidad Autônoma de México e presidente da Asociación Latinoamericana de Población (Alap), que falou sobre as “Perspectivas de envelhecimento demográfico na América Latina”. A pesquisadora mexicana abriu sua palestra falando de “personas” – pessoas, no espanhol – para enfatizar a valorização do ser humano, em detrimento de números: “não habitantes ou residentes, mas pessoas. Isto parece não ser importante, mas é, porque as pessoas são um conceito filosófico muito importante que vêm de muitos anos atrás, e que trás a noção de cidadania. Então, a noção de pessoa tem um caldo filosófico, humanista, relacionada à qualidade de vida dos seres humanos”.

Ela explicou que os dados da América Latina apontam para o envelhecimento da população, mas é preciso atentar para questão da “qualidade de vida dessa população de idosos e o nível de bem estar que teremos ao viver muitos anos“. Ela enfatizou a desigualdade de gêneros, apresentados indicadores. “Sabemos que entre homens e mulheres há diferenças enquanto a esperança de vida, mas que não são apenas biológicas, mas tem muito a ver com os determinantes sociais, tanto no conceito de ser homem, como no de ser mulher”, explicou. Ela chamou a atenção para a violência que está matando os homens e alertou que, possivelmente, “podemos viver mais anos, mas sem qualidade de vida, com enfermidades e com sofrimento e dores.”.

Ao exibir um gráfico que mostrava como está mudando a faixa etária da população desde 1950 até 2100, Verónica Oca afirmou que não está sendo levado em consideração nos planos de desenvolvimento da região esses dados: “Nós temos enfatizado – e aqui é uma crítica a nós, demógrafos – a força de trabalho, a idade produtiva da população. Com essas mudanças que há nos grupos etários e com o paradigma que libera a pessoa não como um produtor de valor, de capital, mas como pessoas, o modelo toma muito sentido, temos que pensar a política social de forma diferente, que todas essas pessoas que compõem a população tenham também o bem-estar que lhe corresponde.” Ela também destacou que as políticas públicas para esta população devem ser pensadas a partir também de uma política de gênero e direitos humanos.

A segunda a falar foi a pesquisadora da Universidade de Brasília, Ana Maria Nogales que ministrou a palestra “Transição demográfica no Brasil e o impacto na saúde populacional”. A pesquisadora trouxe questões mais teóricas. Ela destacou a idade mediana da população brasileira, que nos anos 1950 até 1970, estava em torno de 18, 19 anos – “quer dizer, 50% da população brasileira tinha até essa idade”.

Os dados apresentados por Nogales mostram também que “no Censo de 2010, a idade média pula para 27 anos. E, pelas projeções do IBGE, há uma previsão de que, em 2030, tenhamos 18% a 19% da população com 60 anos ou mais de idade. É uma diferença muito grande se olharmos os anos 2000, quando essa faixa etária representava 8,6% da população. O ritmo de envelhecimento está sendo muito acelerado, principalmente por conta da redução da fecundidade.”

A pesquisadora da UnB chamou a atenção sobre a necessidade de se falar de “incapacidades”, usando o termo até como um indicador. Ela falou sobre o GBD – Global Board Desease que traz como um de seus indicadores “os anos de vida perdidos, ajustados por incapacidades, intitulado ‘Daly’, que é o resultado da soma do ano de vida perdido por morte prematura e o ano de vida perdido por morte por incapacidade”. A partir desses indicadores, Ana Maria Nogales mostrou ao público que praticamente não houve mudanças nos fatores de risco para incapacidades numa comparação entre 1990 e 2016.

Fechando o dia, Roberto Medronho, do Iesc/UFRJ, trouxe a palestra “Transição epidemiológica e gestão dos serviços de saúde”, onde chamou a atenção para o impacto da queda da mortalidade, entre os anos 1930 a 2015, mostrando o aumento da proporção de óbitos nas doenças crônicas degenerativas, e uma redução proporcional “enorme” nas doenças infecciosas. “Quero chamar a atenção aqui para o impacto na mortalidade, mas na carga da doença, ele continua elevadíssimo. Então, temos hoje uma grande carga nos serviços de saúde de doenças não transmissíveis e, regularmente nos visitando, os processos endêmicos, epidêmicos sobrecarregando enormemente os nossos serviços de saúde”.

Medronho também afirmou que “as doenças cardiovasculares – graças a muita incorporação tecnológica, dos protocolos clínicos, vêm reduzindo também um pouco a sua participação na mortalidade, mas em função dos hábitos e fatores de risco prevalentes na população continuarão enquanto cargas de doenças muito importantes, necessitando de assistência e atendimento médico, sem contar o crescimento das doenças neoplásicas”. O pesquisador da UFRJ ressaltou que “teremos cada vez mais novas doenças – os transtornos neurológicos, as demências, estima-se que ela será a quinta causa de óbito na década de 2030. Teremos também o crescimento das pneumonias em idosos, isto também sobrecarregará muito o sistema de saúde”.

As mesas 1 e 2 foram coordenadas por Dalia Romero.

 

Acesse, ao lado, a galeria de fotos do evento e também as palestras já disponibilizadas no Youtube.

Leia nos links abaixo o que ocorreu nos dois dias do I Simpósio Nacional sobre Saúde, Envelhecimento e estado de Bem-estar, realizado entre os dias 18 e 19 de abril:

Simpósio sobre envelhecimento atrai jovens pesquisadores

Mortalidade de idosos e sistemas de informação foram a pauta do segundo dia do Simpósio

Comentar

Preencha caso queira receber a resposta por e-mail.

Galeria de fotos

I Simposio Nacional Envelhecimento - Mesa de abertura - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Rodrigo Murtinho - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Rodrigo Murtinho & Dalia Romero - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)
I Simposio Nacional Envelhecimento - Fotos: Raquel Portugal (Multimeios/Icict/Fiocruz)

Assuntos relacionados

Simpósio sobre envelhecimento atrai jovens pesquisadores

Palestrantes abordaram tecnologias, políticas públicas, direitos humanos e indicadores de envelhecimento

Simpósio nacional debate mortalidade prematura de idosos

Inscrições de trabalhos até o dia 02/03 e para o evento até o dia 26/03. Simpósio acontece no campus Manguinhos da Fiocruz

Simpósio sobre envelhecimento envolve ODS para a Agenda 2030

Evento acontece nos dias 18 e 19/04 e trará Verónica Oca, do México e o ex-ministro da Saúde José Gomes Temporão

Simpósio sobre Envelhecimento tem inscrições para trabalhos prorrogadas até 09/03

"I Simpósio Nacional sobre Saúde, Envelhecimento e estado de Bem-estar” acontece entre os dias 18 e 19/04 e tem inscrições gratuitas,

Para saber mais

Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz)
Av. Brasil, 4.365 - Pavilhão Haity Moussatché - Manguinhos, Rio de Janeiro
CEP: 21040-900 | Tel.: (+55 21) 3865-3131 | Fax.: (+55 21) 2270-2668

Este site é regido pela Política de Acesso Aberto ao Conhecimento, que busca garantir à sociedade o acesso gratuito, público e aberto ao conteúdo integral de toda obra intelectual produzida pela Fiocruz.

O conteúdo deste portal pode ser utilizado para todos os fins não comerciais, respeitados e reservados os direitos morais dos autores.

Logo acesso Aberto 10 anos logo todo somos SUS